quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A fome e a vontade de comer ou o Natal e as crianças


Ah, as criancinhas! Já dizia Fernando Pessoa que eram o melhor do mundo. Pois está bem: são fofinhas e fazem-nos rir. Mas convenhamos que "pequenos infantes" mais "Natal" é igual a inferno para todo e qualquer adulto numa distância que equivale mais ao menos à que vai de Lisboa a Coimbra. Isto porquê? Porque o Natal é um saco cheio para eles. Literalmente.

Senão vejamos: tudo começa com os primeiros anúncios de televisão a anunciar carrinhos a que só falta tirar cafés e bonecas que, de tantas necessidades fisiológicas que fazem, deviam vir com um WC colado ao respectivo sim-senhor. É todo um mundo de peças plásticas coloridas que faz as delícias da pequenada. E quando a televisão não chega, vêm os senhores pôr a publicidade nas caixas do correio. Ou seja, os adultos deste mundo estão cercados: não há como impedir os petizes de chegarem à informação.

Depois chega a hora da ida à loja adquirir o belo do presente. Aparentemente uma tarefa simples: chegar, tirar da prateleira o presente ou os quarenta e oito presentes da lista, pagar e mandar embrulhar. Quase tão fácil como beber água! Pois enganam-se. Sabiam que há pais que levam a respectiva prole para as compras? E já viram os pobres miúdos no meio do incrível mundo da Popota? Não viram? Procurarei descrever: imaginem um petiz normalmente irrequieto, mas a quem foi dado meio bolo brigadeiro, três latas de refrigerante com açucar, dois comprimidos de ecstasy e que está sem uma boa noite de sono há semana e meia. Conseguem? Então acrescentem-lhe uma fralda borrada e uma assadura no traseiro. Já estão a ver o anjinho? Pronto, é o que encontramos no meio das prateleiras de brinquedos.

Digo isto porque no fim-de-semana passado uma conhecida cadeia de lojas fez uma promoção jeitosa nos brinquedos e eu, por azar, tive de passar por lá para comprar umas coisas, bem longe da secção dedicada aos mais pequenitos. Contudo, como desconhecia a mega promoção, entrei por uma porta próxima da dita e aquilo a que assisti não foi bonito. Não foi não senhor. Ele era berros dos filhos porque queriam aquela Nancy que cuida da irmã e não o parvo do Nenuco que vai ao médico; ele era berros dos pais que ameaçavam pôr os filhos num taxi e mandá-los para casa; ele eram as pessoas que, como eu, foram apanhadas no meio deste fogo cruzado e que berravam para conseguir sair de perto daquela secção do inferno.

Com isto lembrei-me da minha própria experiência enquanto pequena jóia de minha mãe. Era um miminho! Honestamente! Pedia um presente a cada pessoa e não exagerava no preço. Nunca fiz uma birra numa loja, mas também ninguém ma iria admitir. As minhas prendas eram compradas quando eu não estava por perto e escondidas de mim até à noite de Natal. O meu pecado? Não aguentava até à meia-noite: às dez horas já estava pendurada na perna da minha mãe a perguntar as horas a cada meio minuto. E quando havia mais crianças, o que era quase sempre, a loucura aumentava porque isto é como os piolhos: se há um que apanha, não tarda toda a escola fica careca de tanto se coçar!

Conclusão disto tudo: o Natal é a loucura! É a loucura dos garotos que acham que a vida só faz sentido quando se tem um espólio considerável de brinquedos aos cinco anos. É a loucura dos pais que têm de lidar com as exigências e que, por vezes, não têm coragem de explicar aos filhos que a vida não está para isso e que efectivamente não lhes podem dar tudo aquilo que gostariam (esquecendo deliberadamente de mencionar o facto de que, mesmo que pudessem comprar este mundo e o outro, teriam de ser racionais e de que nenhuma miúda de oito anos precisa de ter todos os modelos de Barbies à venda nas lojas). É a loucura dos outros pais que entram nessas aventuras e que acham que se os filhos não tiverem presentes suficientes para estarem entretidos a desembrulhar até à uma da manhã, então não estão a ser bons pais (argumento: «Não quero que lhe falte nada porque a mim faltou-me e eu não quero que o mesmo aconteça com o meu filho!»). E é, por fim, a loucura dos outros que, como eu, não conseguem perceber em que parte do caminho é que o Natal descambou para isto.

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