segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Desaires femininos e cães de água

Quem me conhece sabe que o meu cabelo sofreu uma profunda transformação nos últimos dois anos. De algo longo e semelhante a um fardo de palha seco e amarelo, passou a uma entidade com vida e com uma cor mais próxima daquela com que fui dotada à nascença. A cabeleireira que se mudou ali para o fundo da rua há uns três anos, quando me viu a primeira vez, de melenas longas e amarelas, quase foi buscar uma cruz e água benta para correr comigo do estabelecimento dela para fora. Os seus olhos espelhavam um medo que eu julgo ser aquele que sentimos quando vemos um espírito ou o próprio diabo. Ainda hoje ela me recorda do dia em que «ao lavar a cabeça, o cabelo saía para fora do lavatório de tão longo que era!». Eu, embaraçada, como e calo porque é verdade. Ninguém me mandava andar com aquele espalhafato em cima da cabeça, mas a paciência para tratar do assunto era pouca.

A dada altura ela lá me convenceu a chegar uma foice àquele fardo de palha de raízes escuras. Cortou o suficiente para ficar bem, pintou-o da minha cor natural (vieram-me lágrimas aos olhos, dá para acreditar?) e pespegou-lhe umas madeiras loiríssimas em cima. O processo levou ao todo mais de quatro horas. Andei dias e dias com dores no pescoço por ter estado muito tempo encostada àquela espécie de lavatório onde nos lavam o cabelo, senti dores no sim-senhor quase até ao final da semana porque, a brincar a brincar, estive lá sentada desde as 9:30 até às 13:45. Ainda assim, acabei por gostar do resultado, depois de um período de habituação.

Contudo, como sou uma miséria para estas coisas que tornam as meninas giras, andei quase um ano sem ir lá. Quando a cebeleireira me viu outra vez, percebi que não tinha vontade de ir buscar água benta nenhuma, mas sim um sarrafo para me dar com ele no lombo: a tinta amarela tinha, com o tempo, voltado a aparecer e a ofuscar as madeixas; as raízes estavam gigantescas novamente e das pontas é melhor nem falar, já que cada cabelo parecia um daqueles paus de dois bicos com que se procura água. Repetiu-se o trabalho todo novamente e saí de lá catitinha de todo, mas intimada a regressar de três em três meses para manutenção da coisa.

Tenho cumprido. Lá vou eu de três em três meses. Vinte centímetros ou mais de cabelo saltaram fora desde que lá fui a primeira vez. Agora é muito mais curto do que era nessa época, quando parecia que levava um yorkshire terrier morto no topo da cabeça. Vou lá e as pontas são sempre aparadas, as madeixas retocadas, o cabelinho hidratado. Saio uma brasa, modéstia à parte (deixem-me ter esse prazer, uma vez que sofro tanto com puxões, calor do secador, "golpes de coelho" aplicados pelo lavatório e críticas da profissional que acha sempre que eu não cuido lá muito da melena). Tenho sido feliz com aquelas mãos abençoadas que fizeram com que eu deixasse de me assemelhar a uma parente paupérrima da Shakira.

O problema surgiu na última vez que lá fui, há quase dois meses. A ideia era cortar as pontas espigadas e fazer madeixas. Pedi-lhe para escadear o suficiente para que não conseguisse prender o cabelo da frente atrás das orelhas. Ou seja: ia manter o corte que ela vinha fazendo desde que lá ia. Só que a senhora empolgou-se e cortou desmesuradamente. Como no fim esticou aquela bagunça toda, fiquei jeitosinha e lá fui para o casamento (onde, note-se, contraí varicela, para que se veja a minha sorte) contentinha da vida. Mas quando lavei o cabelo e a ondulação natural reapareceu... Foi como voltar a ver o Paranormal Activity I (o único de jeito). O meu pensamento foi, acreditem ou não, «Ok, minha menina, pagaste um balúrdio e agora pareces-te com um cão de água. E agora?». Isto acompanhado, claro, pelo meu orgulhosamente vasto repertório de palavrões. Resultado: há quase dois meses que parece que regressei ao ensino primário, usando fitinhas no cabelo de modo a tentar prender os cabelos da frente (aqueles que eu não queria que se prendessem atrás das orelhas...) o suficiente para enxergar onde ponho os pés.

Portanto é isto. Não só não tenho talento para ter unhas bonitas como consegui ficar, às mãos de uma excelente profissional, a parecer-me com um cão de água. Na próxima vez que lá for (e nas próximas quarenta e sete, provavelmente) fugirei das tesouras e limitar-me-ei a fazer a manutenção das madeixas. É que estou fartinha de me ver ao espelho e de só me apetecer ganir.


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