quarta-feira, 28 de abril de 2021

Um miminho para vocês


Quero só frisar que este novo livro publicado por uma das chancelas da 2020 Editora e que podem encontrar aqui não é para crianças. E pronto, era só isto.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Os 84 anos de Guernica


A 26 de abril de 1937, há exatamente 84 anos, um pequeno lugar de Espanha foi bombardeado pela Legião Condor. O pouco que sobreviveu às explosões foi consumido pelos incêndios causados pelas bombas incendiárias. Mais de 85% dos edifícios foram destruídos neste ensaio alemão para os bombardeamentos a realizar durante a Segunda Guerra Mundial, que começaria poucos anos mais tarde. Pelo menos um terço da população de Guernica perdeu a vida nesse dia. 

O governo da Segunda República espanhola encomendou a Pablo Picasso uma obra de arte que representasse o ataque a Guernica e que pudesse mostrar-se no pavilhão de Espanha durante Exposição Internacional de Paris de 1937. E assim nasceu um dos quadros mais conhecidos e admirados do mundo. Uma representação não dos criminosos que destruíram aquele lugar, mas das vítimas que, num dia de mercado numa vila basca, encontraram a morte e a destruição. É por isso um símbolo dos horrores da guerra e uma homenagem aos que mais sofrem com as decisões belicosas de uns poucos. 

A Guerra Civil de Espanha não aconteceu nem há cem anos. Passou-se aqui ao lado e foi, para os alemães que se puseram do lado dos nacionalistas, uma oportunidade para ensaiar táticas militares que seriam aplicadas mais tarde, num outro contexto de enorme devastação. Quero com isto dizer que foi um acontecimento histórico de grande violência, com gente a tentar fugir passando a nossa fronteira e sendo travada por autoridades portuguesas. Aconteceu há pouco tempo, foi no seu contexto que milhares de civis foram fuzilados e sepultados em valas comuns, originou uma ditadura terrível, longa, sangrenta, e ainda hoje se lambem as feridas provocadas por esse inesquecível conflito entre gente do mesmo país: nacionalistas e republicanos. 

E, por cá, quantos de nós temos noção do que se passou em Espanha depois de 17 de julho de 1936? Quantos de nós olhamos para o quadro de Picasso e sabemos mais sobre ele além do nome que lhe deu?Bem sei que não podemos saber tudo, mas a sério, leiam sobre este tema. Foi um dos grandes acontecimentos do século XX e, acreditem, há livros de aventuras, policiais e romances de espionagem que não são de modo algum tão interessantes como o que se passou no país vizinho durante o século passado. E conhecendo melhor o que se passou, torna-se impossível não imaginar a chaga que uma tão acesa luta fratricida deixou num país e nas suas gentes.




Em busca de um lugar na estante XX



Deixem-me dizer-vos que as promoções nos livros têm dado cabo de mim. Para onde me viro há uma editora com descontos, a Wook com promoções, e é preciso coragem para escapar a tudo. Mas vocês conhecem-me e sabem que a carne é fraca. Aliás, a minha é tão fraca que já é mais seitan e por isso lá acabo eu a ter de arrumar mais umas coisinhas nas estantes. 

Estes dois foram comprados numa campanha da Wook que deixava o segundo livro comprado com 50% de desconto. Portanto, comprei o Pyongyang pela totalidade do valor e paguei metade pelo segundo volume de O Árabe do Futuro. 

Foi uma encomenda aos quadradinhos já que ambos os livros são novelas gráficas. Gosto muito de novelas gráficas, acho que já o disse várias vezes no blogue. São livros muito mais complexos do que muita gente pensa. Há a imagem, há o texto, há o casamento entre os dois elementos, há a história e as personagens e há limitações que num romance não existiriam. Mas também há o traço que contribui definitivamente para a interpretação do texto. Na minha opinião, o que se faz na novela gráfica é uma belíssima arte e permite oferecer às histórias um lado muito interessante: o visual. 

Creio que atualmente as novelas gráficas se têm multiplicado, seja com histórias inéditas, seja com adaptações de textos mais ou menos clássicos. Ambas as escolhas são válidas e têm produzido livros  fantásticos. Aqui ficam duas opções, mas se pesquisarem verão que é já um mundo muito composto. Atirem-se, pois, a ele. Depois não vão querer outra coisa. 

terça-feira, 20 de abril de 2021

A Menina Sugere Isto XLI



Hoje não sugiro livros. Hoje escolho sugerir silêncio a quem diz esta parvoíce a alguém que goste de livros. Encontrei no Instagram e o @bookofthemonth que me perdoe, mas tive de trazer para aqui. 

É que, vamos lá ver, cada leitor saberá se tem os livros suficientes ou não. E a noção de muitos livros é diferente de pessoa para pessoa. Há quem não tenha nenhum e viva bem assim. Há quem tenha dez e ache que são suficientes. Há quem tenha cem e considere ter poucos. Há quem tenha mil e decida não comprar mais, não porque tenha muitos, mas por não ter espaço para mais (ter muitos e não ter espaço para mais são coisas diferentes). Há quem tenha mais de mil e ainda assim ache que não tem todos aqueles que gostaria de ter. As combinações são muitas e, nisso das bibliotecas pessoais, cada um sabe de si. 

Digo há muito tempo que isso de se ter “demasiados livros” é coisa que não existe. E mantenho essa ideia. A biblioteca pessoal de cada um é isso mesmo: pessoal. Até posso não ter tempo de vida para ler tudo o que queria ler, mas é problema meu. Mais: nunca soube de ninguém que tivesse deixado de comprar livros por uma pessoa lhe dizer que tinha já demasiados. Ou seja: o comentário tem tanto de idiota como de inútil. Não vai mudar um comportamento, não vai fazer com que o dono dos livros tenha uma epifania e pare de aumentar a biblioteca, e muito provavelmente vai apenas fazê-lo revirar os olhos. Em última análise, a frase diz muito sobre quem a diz e nada sobre aquele a quem é dita. 

Portanto, hoje a Menina sugere o bom e velho silêncio. Se virem muitas prateleiras cheias de livros, pensem apenas que está ali alguém que gosta de ler e de saber coisas novas. Alguém que não quer passar pela vida sem passar os olhos por todas as histórias que puder. Alguém que contribui para que o livro não morra. Alguém que provavelmente não perguntou nada sobre a quantidade de volumes que tem e que, como tal, não precisa de comentários ridículos. Alguém que não precisa de uma exibição gratuita de ignorância e petulância alheias.  

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Os ensinamentos da Covid-19 I

A Covid-19 tenta, pela segunda vez, ensinar-me que quando se desconfina, mais do que ver aqueles que me são queridos, ainda que atrás da malfadada máscara, o mais importante é mesmo correr para a Primark. Vamos lá ver, quem pode neste momento recusar uma cueca nova? Quem chegou a esta fase com os pijamas em bom estado? Quem pode dar-se ao luxo de abdicar de uma qualquer quinquilharia daquelas que estão junto às caixas?! Vai que isto fecha de um dia para o outro e a pessoa não teve a oportunidade de circular pelos atafulhados metros quadrados de uma Primark?! Como é?! Estes corpinhos não aguentam mais uma desgraça. Por isso, sabendo-se que as lojas vão abrir, é correr e deixar cair as lágrimas de felicidade por regressar à presença daquelas letras luminosas e à possibilidade de trazer umas pecinhas básicas que amimalhem o ânimo exaurido pelos últimos meses de travessia no deserto das compras in loco

Porque, meus amigos, a Covid ensinou-nos muito sobre elásticos, por exemplo. Hoje todos sabemos dar uns invejáveis nós numa máscara que teima em deixar-nos de nariz ao léu. E também sabemos que o tempo de duração dos elásticos da roupa interior é cada vez mais limitado. Aliás, creio até que todos temos agora a certeza de que há um plano maquiavélico orquestrado pelas cuecas, boxers e sutiãs desta vida para nos deixarem cobertos de elásticos que pugnam pela libertação. E é por isso, caríssimos, que a Primark merece as filas quilométricas. Não se espantem com as imagens que os noticiários nos oferecem. Espantem-se, sim, se virem olhos vazios de emotivas lágrimas enquanto esperam pelo comovente momento em que se derreterão perante uma renda mais ousada, uma cueca por estrear, uma tanga com os elásticos no sítio, um sutiã que ainda, qual Dom Quixote, se sente capaz de lutar contra a gravidade, ou mesmo um pijama do Bambi sem nódoas de vinho tinto. 

E agora que partilhei convosco este tão importante ensinamento que a Covid-19 nos trouxe, vou só ali tatuar uns sete ou oito logótipos de lojas baratinhas das quais senti muita falta nos últimos meses. Deixem-me ser um catálogo com pernas ou, melhor, um mapa para o desconfinamento de sonho de qualquer consumidor empedernido. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

A Menina Sugere Isto XL

Wook.pt - Como Funciona o Fascismo


Não é preciso vivermos num regime fascista para convivermos com políticas fascistas. Este livro, Como Funciona o Fascismo, de Jason Stanley, ajuda-nos a perceber isso mesmo. É fácil pensar que, de facto, o tema não interessa assim tanto já que vivemos numa democracia e o fascismo ficou algures no passado. Nada mais errado. A leitura deste livro permite perceber com clareza que estamos rodeados de políticas fascistas. Olhamos para outros países europeus e elas pululam, olhamos para o que dizem algumas criaturas do nosso meio político e, voilà, lá estão elas. Recordamos o desempenho de Trump enquanto presidente dos Estados Unidos e ei-las. O regime pode ser democrático, mas o fascismo anda por aí.


O que o autor, professor em Yale, faz neste livro é dedicar um capítulo a cada um dos pilares do fascismo como a criação de um passado mítico, a propaganda, o anti-intelectualismo, a irrealidade, a vitimização, entre outros. Desenvolvendo cada um dos temas, o leitor vai percebendo a forma velada escolhida por quem defende estas políticas para com elas ir ocupando um lugar cada vez maior, cada vez mais destacado na sociedade. Por exemplo, torna-se claro o modo como através do discurso que louva um passado mítico (que na maior parte das vezes nem sequer aconteceu), se consegue chegar a uma marginalização das minorias. Como se no passado um determinado povo ou nação tivesse sido brilhante porque era genuíno, e agora estivesse em decadência por ter sido maculado com a chegada daqueles que, alegadamente, trouxeram todos os males do mundo na bagagem. Se para quem me está a ler isto parece ridículo, lembrem-se do «Make America Great Again», que remetia para uma época que nunca percebemos bem qual foi (o tal passado mítico), e a questão do muro na fronteira com o México e das políticas de imigração.


O anti-intelectualismo é outra das características das políticas fascistas. Calar as universidades, os cientistas e os meios de comunicação social é urgente para quem quer governar sozinho, sem ouvir ninguém. Para isso recorre-se muitas vezes a uma espécie de psicologia invertida. Algo como: não queremos ouvir as universidades porque elas são de esquerda e só veiculam aquilo que os outros querem ouvir. Isso limita a nossa liberdade de expressão porque as nossas ideias não são divulgadas e portanto somos censurados. Assim sendo, fechamos a porta à ciência. E já agora aos media que não têm um tom laudatório para connosco porque isso certamente significa que são pelos outros. Isto não vos lembra nada? Bastante atual, não?


E com frases curtas, com ideias básicas para serem entendidas pelo mais jumento dos destinatários (é mais ou menos o que Hitler diz no Mein Kampf), lá se vão minando as cabeças alheias, enchendo-as de ideias ridículas contra minorias, contra direitos que nunca se deviam pôr em causa, contra avanços científicos importantes. E assim se controlam pessoas. Com certeza todos vocês conhecem alguém que, nas redes sociais, papagueia ideias de base fascista, achando-se inclusivamente mais inteligente do que os outros por ver o que eles não veem (geralmente usam palavras como «desgoverno» e «jornalixo», duas idiotices que me causam urticária). É o pão nosso de cada dia. E em plena pandemia isso multiplicou-se ad nauseam.


Por isso, meus caros, ler sobre o fascismo não é regressar às aulas de História do secundário. É perceber os meios que alguns usam para se imiscuir na nossa democracia, por um lado, e nos regimes políticos de muitos outros países por outro. Negar o Holocausto, negar factos históricos que embaraçam a história de um país, lançar a dúvida sobre uma minoria com base em casos isolados ou mesmo em... nada... Tudo isto acontece e o saber ainda é uma das melhores formas de enfrentar estes perigos. Não é à toa que quem defende tais políticas não deseja gente informada e instruída. Pelo contrário... Assim, só posso sugerir-vos este livro. Não é uma leitura pesada, é tudo muito acessível e com exemplos de políticas que vigoram ou vigoraram um pouco por todo o mundo ao longo do tempo. É bastante interessante e, assim sendo,  a menina sugere mesmo mesmo isto. Boas leituras!

segunda-feira, 12 de abril de 2021

É começar a fazer a lista!


Amorzinhos, peguem nos vossos blocos e afiem os lápis: estamos em boa altura para começar a fazer as nossas listas, uma vez que a Feira do Livro de Lisboa 2021 já está marcada. 

Bom, sabemos que nos dias que correm os planos de hoje podem não ser os de amanhã. Tudo depende da bicheza que por aí anda a desgraçar a malta. Ainda assim, marquem nas vossas agendas, comecem a planear o vosso itinerário dentro da Feira, componham a vossa lista com ponderação (não), com contenção (nop), sem exageros (ahahah) e sem esquecer que ainda têm na prateleira três livros por ler (piadinha)... Na verdade, considerando que o apocalipse pode voltar e fechar-nos as livrarias outra vez (longe vá o agoiro), componham a vossa listinha e aproveitem a Feira. Mas até lá, como agosto ainda não é amanhã, podem sempre aproveitar as livrarias que, felizmente, já estão de porta aberta, e as compras online (amanhã, na Wook, vamos ter 50% de desconto na compra do segundo livro, mas, claro, não se esqueçam de ler as condições da campanha).

Para muitos os livros sempre foram fundamentais, porém os últimos meses mostraram-nos que o impensável afinal é possível e as livrarias foram encerradas. Mesmo os livros à venda nas grandes superfícies foram escondidos sob lonas como se fossem material radioativo capaz de contaminar tudo à sua volta. Foi muito triste perceber a pouca consideração que quem manda tem pelo livro. Já desconfiava dessa falta de consideração, mas não esperava vir a viver num país onde os livros se tapam com plásticos para não serem vendidos. Nestes tempos duros, os livros têm sido os melhores companheiros e uma janela para a vida que ficou suspensa e sem data prevista para voltar ao normal. Tristemente, não podemos dar nada por garantido e sabe-se lá o que ainda nos espera. Portanto, se pudermos, o melhor é termos uma pilha de livros sempre à nossa espera. Para lermos todos os dias um bocadinho, mas também para a eventualidade de as lonas voltarem e eliminarem a possibilidade de irmos presencialmente a algum lado comprar um livro. Além disso, livrarias, editoras, tradutores, revisores e muitos mais profissionais agradecem. Digam o que disserem, o livro não é um luxo: é uma necessidade. Quem disser o contrário é tolo e devia ser tapado com uma lona. 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Arbitrariedades e pãezinhos

Hoje passei no supermercado e estava em dúvida relativamente ao jantar: grelhava hambúrgueres e punha-os no pão ou preparava uns wraps com peito de frango? Bom, sendo incapaz de decidir e querendo sair dali depressa, optei por trazer um saco com pães para hambúrgueres e um pacote de wraps. Chegada a casa, resolvi olhar para a conta do supermercado e constatei que o imposto dos dois produtos era diferente. Enquanto os pães tinham uma taxa de IVA de 6%, os wraps são taxados a 23%. Ambos servem para o mesmo fim, são feitos essencialmente com os mesmos ingredientes, mas um merece a taxa mínima (porque entra na categoria “pão”) e o outro a máxima (não imagino como classifiquem aquilo sequer). A única conclusão a que cheguei foi que os wraps são vistos por quem decide isto como um bem mais dispensável (leia-se “alimento de luxo”) do que os pães para hambúrgueres. 

Seria de esperar que depois desta descoberta, decidisse avançar com os requintados wraps para o jantar, brilhar cá em casa com este produto de luxo que prova quanto gosto de viver acima das minhas possibilidades, preparar um menu de degustação que fizesse brilhar o espalmadinho wrap. Mas não. Depois de imaginar a reunião em que as pessoas encarregadas de decidir estas coisas se sentam a fazer os montinhos dos bens/serviços com a taxa mínima, a intermédia e a máxima, discutindo (espero eu) com irrefutáveis argumentos, contra-argumentos e exemplos (fazendo bom uso de todas as estratégias da retórica) as razões que levam a que dois produtos muito semelhantes cobrem valores de IVA diferentes, foi-se-nos a vontade de fazer o que quer que fosse. Exaustos, jantámos uma malguinha de cereais cada um (leitinho e cereais com 6% de IVA, como Deus e o governo mandam).. 

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Os Despojos do Dia - o balanço

Wook.pt - Os Despojos do Dia


Ontem fechei este livro e pensei que já não lia um livro tão bom há algum tempo. A seguir, fui à Wook encomendar outro do mesmo autor porque queria continuar. É tão bom encontrar livros assim, que nos abanam, nos deixam a ansiar por mais. E este, na sua simplicidade, é de uma beleza comovente. Além de que levanta algumas questões que sem dúvida ficam a flutuar dentro de nós. É isso o que se quer: livros que nos acrescentem alguma coisa, que nos façam pensar em coisas que até podem parecer óbvias, mas com as quais tendemos a não perder muito tempo.


O protagonista deste livro é Mr. Stevens, um mordomo britânico que trabalhou durante muitos anos para um aristocrata inglês, dono de uma daquelas propriedades enormes, onde decorrem festas e outros encontros entre gente importante. Porém, tudo o que sabemos sobre os tempos de «Sua Senhoria» chega-nos através de reminiscências de Mr. Stevens, o fiel mordomo. Na realidade, o presente da narrativa é um tempo posterior ao da morte deste aristocrata, e o mordomo, embora mantendo o seu trabalho na mesma casa, tem agora um novo patrão a quem servir: um americano de gestos e carácter bem diferentes. Depois de duas guerras mundiais, a realidade é outra e o tempo das casas e das famílias ao estilo de Downton Abbey passou. Mr. Stevens reconhece agora no seu trabalho erros impensáveis nos tempos áureos do serviço prestado a «Sua Senhoria». Mas as exigências são outras e é com saudade que recorda o espírito de missão com que enfrentou cada um dos dias enquanto mordomo de uma casa tão distinta como Darlington Hall.


O novo patrão vai ausentar-se e propõe a Mr. Stevens que goze uns dias de férias. Para isso até lhe disponibiliza o seu Ford e compromete-se a custear os gastos com combustível. A princípio, Mr. Stevens não vê qualquer necessidade de abandonar a casa que é, no fundo, a sua vida, no entanto, a bem do futuro do serviço, resolve aceitar a proposta: usará a viagem para visitar uma antiga governanta de Darlington Hall que, ao que parece, se separou e deseja voltar a trabalhar na propriedade. Ainda que as receções sejam hoje poucas e a equipa de serviçais seja muito menor do que nos tempos de glória, talvez os erros de Mr. Stevens deixem de acontecer se conseguir aquela ajuda extra, que ainda por cima ele conhece tão bem. E assim parte em viagem pelas aldeias e vilas britânicas, vendo paisagens que nunca viu, conhecendo pessoas tão diferentes de si próprio, e aproveitando o tempo para refletir sobre o que foi a vida em Darlington Hall antes de «Sua Senhoria» cair em desgraça.


Se viram Downton Abbey, recordar-se-ão de Mr. Carson, o mordomo que nunca saía desse papel, que era o exemplo acabado da lealdade, que dedicava cada segundo da sua vida ao serviço da casa para que os seus senhores e a propriedade brilhassem e mantivessem a melhor reputação possível. Pois bem, Mr. Stevens é um desses mordomos à antiga, mas durante esta viagem, devido ao tempo que passará sozinho e afastado dos seus afazeres habituais, vai pensar e vai dar a conhecer as suas memórias e o modo como foi entendendo certos acontecimentos vividos em Darlington Hall. Aquilo a que o leitor assiste então é de uma profunda tristeza: a inocência deste homem e a sua devoção ao trabalho impediram-no de ler a real gravidade do que se passava à sua volta. A lealdade a uma pessoa impediu-o de compreender o enorme erro que «Sua Senhoria» estava a cometer. E pior: a devoção cega à profissão impediu-o de viver a sua própria vida, de cometer os próprios erros, de amar quando teve a oportunidade, de se despedir do pai quando o momento chegou... Mr. Stevens era o homem que estava sempre lá, que via e ouvia tudo - das reuniões entre figuras políticas importantes até aos desabafos do patrão -, mas que não entendeu nada. E, claro, quando lhe chega um lampejo do que perdeu, tem um momento de fraqueza. Porém, a dignidade que se exige a um bom mordomo não deixa que dure muito. Rapidamente reúne os cacos e torna a pensar em como poderá melhorar enquanto mordomo de um cavalheiro americano com usos, costumes e gracejos diferentes daquilo a que estava habituado.


O livro é fenomenal. A escrita é belíssima e o jogo entre o que o narrador inocentemente conta e o que o leitor interpreta, à luz de conhecimentos históricos que tem, mas também enquanto ser humano capaz de perceber o desajuste em muitas das atitudes deste mordomo, é feito de forma magistral. Estou ansiosa por ler outros livros de Kazuo Ishiguro,  Nobel de Literatura de 2017. Para já vem a caminho Um Artista do Mundo Flutuante, mas não vou descansar enquanto não os tiver a todos. Leiam este livro. Vão gostar muito.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Para o que estávamos guardados VI

 Um diálogo provável nos dias que correm*:


- Ena pá, fim de semana prolongado. Vai saber tão bem!

- Também acho. Já estava a fazer falta. O que vais fazer?

- Hum... Acho que vou passar os três dias no sofá. E tu?

- Ah, eu também. Quer dizer, tenho de limpar a casa, mas estarei maioritariamente no sofá. 

- Pois, claro. Limpar a casa e lavar a roupa. Mas depois sofá, sem dúvida. 

- Siiiiim, ver séries no sofá... 

- Sim! E ler! Ah, e tenho uma esfregona nova! Da Vileda, com aqueles baldes todos XPTO que escorrem automaticamente. Vou estreá-la durante o fim de semana. 

- ... 

- Pois...


* Baseado numa conversa real. Para que conste, amanhã experimento a esfregona nova.