terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Menina Quer Isto III


Descobri há bocado que quero isto. No que toca a livros sou uma eterna insatisfeita. Nada a fazer...

Uma bela farpa

Ontem, ao terminar de ler El Misterio Cervantes, verifiquei que ainda não tinha sono suficiente para adormecer no minuto seguinte como se tivesse levado uma valente mocada na cabeça. Assim sendo, resolvi vasculhar o Kindle a ver o que me podia entreter até à chegada do João Pestana. Topei com as Farpas, dos nossos Ramalho Ortigão e Eça de Queirós.

A primeira página deixou-me logo K.O., não porque fosse aborrecida, mas porque descrevia uma realidade que conheço bem e que adoro cada vez mais: Viana do Castelo. Fiquem com um excerto e deliciem-se não só com a perfeição do uso da língua portuguesa, mas também com a beleza da descrição que se faz da, para mim, cidade mais bonita do país. Dá vontade de dizer que «Havemos de ir a Viana»...

«Quem nunca veio a Viana, quem não atravessou a linda ponte de caminho-de-ferro, entre o aterro de S. Bento e a risonha aldeia de Darque, tão célebre outrora pelas suas faianças pombalinas; quem não percorreu a estrada litoral até Caminha, através das povoações de Âncora, da Areosa e de Afife; quem não transitou a pé pelos caminhos de uma e da outra margem do rio, por Meadela e Santa Maria, até o pontilhão do Portuzelo rodeado de casais, de moinhos de vento e de rochas em que escachoa a água, límpida e desnevada, através da qual se vêem trepidar e reluzir as trutas; quem não foi e não veio, pela direita e pela esquerda da ribeira, de Viana a Ponte de Lima e de Ponte de Lima a Viana; quem durante alguns dias não viveu e não passeou nesta ridente e amorável região privilegiada das éclogas e das pastorais, não conhece de Portugal a porção de céu e de solo mais vibrantemente viva e alegre, mais luminosa e mais cantante.»


5000!


E não é que enquanto fui ali à Fnac, o blogue «As Minhas Quixotadas» ultrapassou as cinco mil visitas? Muito obrigada, minha gente. Fico muito contente sempre que me proporcionam números assim redondinhos.

Pago-vos as visitas em «quixotadas», que tal?...

Loucura!

Hoje fui à Fnac aproveitar (ou começar a) a campanha polémica que sugeria que trocássemos Os Maias pela Meyer. Parece que esse slogan infeliz ficou pelo caminho, mas mantém-se a possibilidade de trocar livros que já não nos façam falta por vales de cinco euros a gastar na Fnac em livros acima de quinze euros (a parte chata da promoção). Levei oito e nenhum deles era Os Maias. Eram, sobretudo, porcariazitas que se compram aos quinze anos quando se anda pela casa a escorrer pelas paredes e a suspirar por amores eternos. Ou seja: alguns Nicholas Sparks, que ainda resistiam aos autos-de-fé feitos cá por casa (à boa maneira dos amigos de D. Quixote), entre outros livros quejandos. Tive, portanto, direito a oito vales de cinco euritos. Não os gastei todos porque quando a escolha é muita, torna-se difícil. Troxe cinco livro novos e, agora que penso nisso, devia ter comprado também umas tábuas e uns pregos para fazer umas estantes novas. Fica para a próxima.

Ora, então, trouxe estes para casa:






E pronto, trouxe para casa cinco meninos novos, alguns muito esperados. Isto das trocas parece-me uma ideia que a Fnac podia repetir mais vezes: sempre vai sendo uma forma de refrescar as prateleiras.

Fraquinho

Acabei ontem de ler El Misterio Cervantes e foi ainda mais fraquinho do que já esperava. A história é mais ou menos esta: o responsável pelo Tribunal da Inquisição aparece assassinado no quarto e o rei chama um médico jesuíta, com alguma experiência em investigações, para tentar perceber o que aconteceu. Ora, o falecido, em vida muito amigo do investigador, deixou-lhe uma série de pistas escondidas nos livros da sua biblioteca que o levam a perceber que existe um livro maldito (o Speculum Cordis) que pode pôr em causa os fundamentos do Cristianismo. O que acontece é que esse volume foi escondido, em tempos, pelo belo do Miguel de Cervantes, a mando do Cardeal Acquaviva, de quem era criado. No decurso da investigação, o jesuíta Alonso apercebe-se de que o responsável pela boa da Inquisição lhe quis deixar a mensagem de que quem o matou o fez porque ele sabia como chegar ao Speculum Cordis (que a meio do livro o leitor ainda não percebeu o que raio tem de mal...). Mais: percebe que as pistas para chegar ao excomungado livro se encontram no Quixote, uma vez que Cervantes, ao escondê-lo, espalhou as pistas pela sua obra-prima. Assim, quem as soubesse interpretar poderia ir resgatar a obra e guardá-la em local seguro, longe de unhas que a pudessem usar para macular o Cristianismo.

Ora, tendo em conta que o leitor vai até à última página sem perceber o que raio tem o Speculum Cordis de tão mau que justifique gente a morrer por ele e que explique o facto ameaçar tanto o Cristianismo, a coisa torna-se verdadeiramente aborrecida. Contudo, piora ainda mais se tivermos em conta que qualquer alma que conheça minimamente o Quixote sabe desde o início qual o único lugar onde o diabo do livro pode ter sido escondido. Quando o genial jesuíta incumbido da investigação do homicídio descobre que o Cervantes escondeu no Quixote as coordenadas necessárias para que se chegue ao sítio certo, já eu berro para o Kindle que o maldito do Speculum Cordis está na Cova de Montesinos. Recorde-se que esta é uma espécie de gruta onde, no Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura vive uma aventura que depois renega no momento da morte. Aliás, é uma das partes mais obscuras do texto de Cervantes por não chegarmos a perceber se o fidalgo feito cavaleiro a viveu mesmo ou não.

Depois, esperava um final estrondoso, já que o resto do livro não tinha sido nenhuma especialidade. Qual quê? Ali o momento do resgate do Speculum Cordis acaba quase numa página e, quando achamos que vamos saber qual o problema do livro, já ele jaz numa zona inacessível onde apodrecerá para sempre. Boa... Na última página aparece, então, uma carta deixada pelo finado responsável pela Inquisição onde se diz, entre muitas frases pretensamente poéticas sobre a paz, que o livro tão procurado diz que a Terra Santa não existe. Uoooooou... Mataram-se todos por um livro que se resume assim? Parvos.

Sou sincera: nunca tive grandes expectativas, já que um livro que mete mistérios e coisas escondidas que, sendo descobertas, põem em causa as bases do Cristianismo nunca promete grande coisa. Ainda assim, como neste volume as pistas para se chegar ao esconderijo onde o senhor Miguel de Cervantes enterrou o tal "livro sensação" estavam no Quixote, achei que devia conhecer o enredo montado e verificar de que modo foi tratada a obra-prima cervantina. 

Não fiquei nada impressionada. Como já disse, percebi logo que o único local que no Quixote serviria para esconder alguma coisa seria a tal Cova de Montesinos. Depois, fica-se com a sensação de que o que é proposto no El Misterio Cervantes é que o Quixote não é o livro fantástico que é pelo muito que o compõe (humor, aventura, valores, entre muitos outros aspectos), mas sim porque foi o meio usado pelo autor para deixar aos vindouros a indicação de onde se podia encontrar o mítico livro. Parece-me, francamente, que em vez de fazer um elogio à obra-prima espanhola, El Mistério Cervantes apenas a apouca. Reduz o fidalgo manchego a um tipo que faz o que faz porque assim serve o suposto objectivo de Cervantes e explica certas aventuras à luz de teorias templárias que envenenam boa parte do interesse que têm (como é o caso da «Cabeça Falante» da segunda parte do Quixote). Enfim, não é nada que não entretenha minimamente um leitor, mas é um livro que não acrescenta nada e que ainda peca por reduzir a pouco (na tentativa de tornar mais misterioso) um livro que é tão rico como o Quixote. Felizmente no fim traz uma nota do autor a indicar que tudo aquilo é produto de fantasia, servindo a mesma, parece-me, para lembrar aos mais distraídos que o Quixote vale pelo que é e não pelo que nele se consegue, século após século, enfiar à força.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Coisas preferidas XV


Ah minha gente, quem me quer ver contente põe-me a ver o Balas e Bolinhos! Gosto dos dois, mas tenho uma predilecção especial pelo segundo. Já o vi tantas vezes que já consigo reproduzir de cor algumas das falas. Vê-se tanto programa e filme português a tentar ter graça e a cair no maior dos ridículos e depois temos estes quatro senhores (cujos rabos podem ver na imagem) e só com um palavrão pronunciado com um vincado sotaque portuense levam uma pessoa às lágrimas de tanto rir.

Os que querem humor refinado, cheio de referências culturais podem esquecer. É palavrão atrás de palavrão, conversas para lá de ordinárias, burrice atrás de burrice, mas é hilariante. Os rabos da imagem pertencem às personagens: quatro pobres bandidos, liderados por um ex-condenado que entretanto emigra para a Líbia e que sonha em casar e ser o homem da casa (leia-se dar porrada na mulher). Os outros são um drogado que mal se tem de pê e que não produz duas sílabas seguidas; um chulo responsável por um «negócio de carnes» que inclui as prostitutas Vitalina e Mariline (esta última uma meretriz muito revoltada com o pouco sucesso do negócio) e que tem um polo negativo na ponta do dedo indicador e um positivo nas narinas; e, por fim, um desgraçado pequenito de voz nasalada que no primeiro filme vende droga a putos gordos nas escolas, vivendo revoltado, neste último, por ter sido despedido do filme pornográfico em que participava e que acha sempre que guardar coisas na roupa interior é o mesmo que guardá-las nos bolsos. Tirando o cheiro que fica, claro... Só classe, como vêem.

A verdade é que daquilo que nos últimos anos o nosso belo país fez em matéria de humor, daquele humor que arranca gargalhadas até nos saltar a garganta, estes filmes serão mesmo das melhores coisas. Façam assim, num momento em que precisem de rir a bom rir e que não estejam para grandes erudições, socorram-se do Balas e Bolinhos e de um saco de gomas. Vão ver que ganham anos de vida!

Notinha fofa: Eu avisei, na primeira quixotada de todas, que isto ia ser assim. Já levaram com muita erudição, hoje levam com Balas e Bolinhos. E é bem bom!

A bexiga e as horas

Aluna do 7.º ano, a uns escassos dez minutos do final da aula e enquanto passava os exercícios do trabalho de casa para o caderno, pergunta:

- Professora, podia dizer-me quanto tempo falta para tocar para eu poder controlar a minha bexiga?

. . .

domingo, 29 de janeiro de 2012

A sério??! Mas é mesmo a sério?!

Ao que parece, a boa da Fnac fez uma campanha publicitária muitíssimo infeliz em que propõe ao cliente que troque Os Maias pela Meyer (leia-se a senhora que escreveu a #%&"?$ saga conhecida como Crepúsculo). A ideia é a de que troquemos os nossos livros que já não queremos por vales de cinco euros em compras na loja. Ou seja, a ideia até nem é má, mas, senhores, que péssima forma de a anunciar! Se contrataram alguém que vos inventasse uma boa forma de a publicitar, este é o momento de se arrependerem. Então propõem aos clientes que troquem um dos maiores clássicos literários portugueses de sempre por um monte de páginas que borrifam vampiradas para a direita e para a esquerda? E ainda que aquilo fosse bom, a sério? Estão a falar a sério? Trocar, isto é, deixar de ter um dos textos maiores de Eça ali na estante para passar a ter um bestseller com meia dúzia de anos? É brincadeirinha, não é? Já agora por que não trocar o Dom Quixote de la Mancha pela Bíblia do Benfica? Ou, quem sabe, a Madame Bovary pelo manual de instruções da varinha mágica? Hum? É pouco? Então e se for a Madame Bovary pelo manual e um saco de laranjas da baía? Ou O Monte dos Vendavais por um folheto da farmácia sobre doenças sexualmente transmissíveis? Ou então, já sei, a Anna Karenina por um rolo de papel de embrulho que sobrou do Natal e meio pãozinho com queijo?

A sério, minha gente, ajudem lá o trabalho daqueles que se matam para enfiar na cabeça dos miúdos que os clássicos são maravilhosos e que eles não devem deixar de os ler porque é ali que estão as bases para os outros livros. Já bem nos chegam os muitos que acham que qualquer literatura light é boa para os miúdos porque o que importa é ler, independentemente do livro que seja. E é certinho que com publicidades destas não vamos mesmo a ladinho nenhum.

Mais ignorância


Há pouco deparei-me com um daqueles quadradinhos com mensagens que algumas pessoas gostam de publicar no Facebook. Umas são pretensamente muito profundas, outras simplesmente parvas, a maioria o cúmulo da inutilidade e da imbecilidade. Ora, esta a que me refiro dizia (cito-a pontuada tal como estava, para que se veja que a ignorância está na forma e no conteúdo): «Uma pessoa esperta não é aquela que, depois de estudar bastante tira um 20, mas aquela que, depois de não estudar um c****** tira um 10.».

Devo dizer que conheço imensa gente que ao longo do curso fez disto máxima. Escusado será dizer que depois, no fim, a coisa não correu bem e que, na derradeira hora, ficaram pelo caminho. Mas enfim, foram felizes, certo? Enquanto não estudavam, enquanto se contentavam com a mais reles das notas, davam-se por satisfeitos e a vida corria. Bem, eram miúdos com vinte e pouquíssimos anos por isso consegue-se, com muito esforço, perdoar a estupidez da atitude. O que rala mais é que continuem orgulhosamente asnos quando já vão em caminho avançado para os trinta anos. Pergunto-me se estes génios da lâmpada manterão a máxima quando forem eles os responsáveis pelo pagamento das propinas a um filho que, à imagem dos progenitores, se contente com um dez e com uma média final de onze valores. Porque, note-se, ter onze valores não é vergonha nenhuma quando se suou muito para chegar lá. Vergonha é não parar para estudar e depois fazer-se uma festa porque mesmo assim se conseguiu um dez. Uooooooooooou... Pára tudo! A alminha tirou um dez sem estudar: talvez devêssemos analisar aquele cérebro ao pormenor porque certamente há ali qualidades quase equiparáveis às do Einstein! Uooooooooou, respeitinho: não marrou, foi para a borga, mas teve dez. Calma aí que isto não é para todos: é só mesmo para, como diz a genialmente estúpida frase, «gente esperta». É que é preciso uma espécie de qualidade especial para se conseguir tal feito.

Não sei o que é mais estúpido: se a frase mal escrita, se o facto de haver quem faça o que nela se diz, se o de ainda haver quem cole estas imbecilidades no mural do Facebook. Eu teria vergonha, como tenho de algumas partes do meu percurso académico, se fosse assim tão ignorante e, pior, se tivesse tanto orgulho na minha ignorância. Mas, enfim, olhando bem para a situação, uma alma que gosta de uma frase destas nunca poderia mesmo ter passado do dez.

Notinha da autora: Peço, desde já, desculpa ao burro da imagem por se ver associado a um tipo de atitude que provavelmente nem ele teria. Mas, enfim, como isto é sobre pessoas que têm orgulho em não terem estudado quando lhes deram oportunidade para isso, achei que teria de ser explícita na ilustração, sob pena de não ser compreendida.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Nem tudo está perdido

Nem tudo está perdido: parece que afinal a Livraria Camões, no Rio de Janeiro, não vai fechar. A Imprensa Nacional-Casa da Moeda e o Grupo Almedida, em parceria, trabalharão de modo a manter a livraria aberta, embora com uma nova forma de funcionamento (não divulgada ainda, pelo que me apercebi). Seja como for, manter-se-á no Brasil este espaço tido como a única livraria do país a disponibilizar edições portuguesas ao público. Felizmente a loja sobreviverá a esta morte anunciada. O seu encerramento era demasiado ridículo para ser verdade.

Viagens de outro mundo

Segundo parece, aquele programa estranho que passa num dos nossos canais nacionais e no qual uma senhora diz que fala com espíritos vai desgarrar-se do estúdio e fazer uma espécie de espectáculo ao vivo em vários pontos do país.

Nunca vi o dito programa, nem tenciono ver. Não me seduz propriamente uma senhora que, pelo que se diz, ouve sempre o espírito certo à hora certa, em frente ao convidado certo. Parece-me que o mundo está cheio de livros bons para ler e que, portanto, a noção de entretenimento ainda não justifica cinco minutos de vida perdidos a ouvir mortos dizerem (e será que dizem?...) que estão bem. Seja como for, cada um vê o que quer e nada tenho contra isso.

Aquilo que me faz «espécie» é mesmo outra coisa. Isto de viajar para fora do estúdio, sítio já tão sobejamente conhecido pelas almas do outro mundo, não pode ser chato para estas últimas? É que pode ser aborrecido um espírito ter de fazer quilómetros para o Norte ou para o Sul do país para sussurrar à medium que está bem. Acho mal e fico sobretudo espantada com a confiança desta gente na pontualidade das alminhas e na sua assiduidade no programa, mais ainda quando este pode ir para a Freixo de Espada à Cinta. Bom, espero que o cachet pago aos espíritos do outro mundo justifique as viagens e que, no contrato, esteja prevista uma cláusula que cubra quaisquer despesas de deslocação, incluindo as dormidas e o farnel.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Hoje não estou

Ah minha gente, estou tão cansada, tão cansada, tão cansada, que vou animadamente ignorar até amanhã à tarde a pilha de trabalho que tenho ali a piscar-me o olho. É incrível como o trabalho pode ser sedutor, fazer biquinho, piscar o olho, fazer-se lembrar! E eu bem vou virando a cara, tecendo ameaças como «Ou te calas ou chego-te o fogo!», enfiando um dedo em cada ouvido a ver se deixo de ouvir o chamamento, mas o trabalho prossegue, qual sereia, a tentar fazer-me cair no seu canto sedutor. Pois hoje quero lá saber: tenho um livrinho à minha espera e estou incapaz de estar cinco minutos sem bocejar, por isso, por muito que queiras a minha atenção, senhor trabalho, não a vais ter. Faz de conta que estamos zangados, que não te quero mais. Fica para aí sossegadito, resolve umas charadas sozinho e espera-me até amanhã porque para ti, hoje, não estou.


Chatices de professora

Há problemas que surgem aos professores e que ninguém sabe muito bem como hão-de ser resolvidos. Por exemplo, como se resolve uma situação em que um aluno com necessidades educativas especiais começa a protagonizar actos «de carinho» demasiado óbvios para com as colegas e docentes (do sexo feminino), contra a vontade delas? Num primeiro momento, a ideia arranca uma gargalhada a toda a gente, pelo inesperado da coisa, principalmente quando se conhece a doçura do rapaz em causa. Contudo, no momento seguinte todos param para pensar que a situação pode ganhar contornos mais graves e que as alunas têm direito ao seu sossego.

Quem acha que ser professor, trabalhar numa escola ou lidar com miúdos é fácil que se chegue à frente e explique como se solucionam problemas como este porque, pelo que me parece, nem quem já leva em cima anos desta profissão parece saber muito bem como agir. Existem chãos demasiado escorradios para serem percorridos de qualquer forma. Parece-me que temos aqui um deles...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A Menina Quer Isto II


Do mesmo autor do Hotel Majestic (recebido no Natal, gracias), a Porto Editora publica este O Cerco de Krishnapur. Parece-me, sem ter ainda lido o livro, que o autor tinha uma certa fixação por coisas em decadência. No Hotel Majestic era o hotel que estava caído em desgraça. Neste livro, é a comunidade britânica na Índia, em tempos de colonialismo, que surge em decadência. Vivem privados de muitos bens de primeira necessidade, mas não abdicam das aparências e de chiques rituais britânicos como o famoso chá das cinco... O cerco à cidade imaginária vai correndo mal e, como em tempo de guerra não se limpam armas, tudo serve para dar uma ajudinha à causa britânica.

Adianta dizer que a menina quer isto?...

Da inutilidade de alguns livros


Adorei este cartoon de Alberto Montt. E porquê? Porque ilustra bem o engodo que os livros de auto-ajuda são.

Já aqui falei dessas preciosidades, escritas por gente supostamente muito dotada para a vida, já que se acha em boa posição para ensinar os outros a viver da melhor forma. Infelizmente, estes são textos que parecem estar na moda e que, pelo menos aparentemente, satisfazem algumas cabeças fáceis de contentar. Não consigo compreender em que é que o arrazoado de uma tipa sobre os caminhos para encontrar a felicidade (?) possa fazer alguém feliz, a não ser a própria que, pouco ou muito, factura com os direitos de autor. Também nunca percebi em que é que a história de uma moça que larga a vidinha boa que tinha para encetar três viagens (uma para encher a mula, outra para rezar e outra para dar umas pinocadas) ensina o que quer que seja a alguém. Ou melhor: em que é que a experiência profundíssima da dita senhora ilumina mais as nossas reles existências do que a leitura de um livro a sério, como Os Miseráveis ou o David Copperfield (já não falando do Quixote, para não dizerem que bato sempre na mesma tecla). A sério que é coisa que me custa a assimilar. Como é que alguém se lembra de meia dúzia de ideias que, alegadamente, podem melhorar a nossa vida e vai logo uma multidão que nunca entra em livrarias a correr para comprar o canhenho como se dali viesse a receita para fazer ouro a partir de peúgas sujas. Aliás, eu adoro mesmo é quando os autores prometem melhorar a nossa vida espiritual e as editoras pespegam essa convicção na capa do livrinho. Depois vão a entrevistas e muita gente acena a cabeça em jeito de concordância com todas as máximas que o autor tem para partilhar: «Eh pá, ele tem razão no que diz: se eu virar o sofá da sala em direcção ao poente, a minha vida espiritual melhorará significativamente!», ou «Nunca tinha pensado que o facto de trocar o canário por dois periquitos pudesse aliviar a minha vida espiritual.», ou ainda, «Soubesse eu que era o meu marido quem prejudicava a minha vida espiritual e já teria travado conhecimento com o "piqueno" que entrega a publicidade há mais tempo!». Pois sim, e como é que eles sabem? A vida espiritual pôs um «gosto» no Facebook após a mudança de posição do sofá? Viram-na a judiar o canário e a pedinchar um par de periquitos? Aperceberam-se de a vida espiritual andar a fazer olhinhos ao menino da publicidade? Não me parece...

O livro mais vendido no ano de 2011 conta a história de um miúdo minúsculo que durante uma operação ao apêndice foi ao céu, viu lá o que tinha a ver e voltou para contar ao pai. Ora este, sabendo que o pessoal adora uma boa fofoca, ainda para mais se for entre gente importante, transforma aquilo num livro que narra o que o filho viu no céu. As pessoas correm a comprar e, puf, passa a livro mais vendido do ano. E eu pergunto: para além de terem satisfeito a curiosidade que vos roía por não saberem o que um garoto enxarcado em anestesia vê quando está no bloco operatório, o que é que aprenderam mais? É que eu, por exemplo, em tempos de varicela, engolia um Atarax e um Doluron Forte ao mesmo tempo, acabava a falar com o Coelho da Páscoa e com a Sininho e isso nunca me ensinou grande coisa. Nem nunca me deu para escrever um livro sobre tais diálogos. Nem fiquei com qualquer impressão de que aquilo mudaria a vida de alguém. Mas se acharem que faz falta ao mercado dos livros de auto-ajuda o livro de uma tipa que junta dois medicamentos que deixam uma pessoa para lá de adormecida e que acaba a babar-se e a conversar com o pequeno Kalimero e um ou outro Estrumpfe, não seja por isso. Arranja-se já! Da maneira que as coisas andam, ainda alguém surgirá num programa da manhã lavado em lágrimas, afirmando que as sábias palavras trocadas entre o Estrumpfe Moralista e a miúda chalada lhe mudaram a vida. A espiritual, claro, que a outra só muda mesmo com o Euromilhões.

Notita: Para quem não sabe, Alberto Montt publica os seus magníficos cartoons aqui.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Agradecimento tardio

Cada vez me convenço mais de que a arca de Fernando Pessoa devia ser maior do que o meu quarto inteiro! Parece que foram encontrados lá dentro quarenta e três manuscritos que chegam amanhã às livrarias, fazendo o novo volume parte da colecção «Nova Série de Obras de Fernando Pessoa», coordenada pelo colombiano Jerónimo Pizarro.

Ora, aproveito aqui este meu modesto espaço para agradecer ao Sr. Jerónimo Pizarro o facto de, numa singela ida à livraria onde eu trabalhava, se ter mostrado disponível para corrigir o «Resumen» da minha tese de mestrado e por ele e o amigo o terem feito de tal forma bem que não mereceu nem um apontamento negativo durante a defesa! A história que fez com que dois ilustres clientes acabassem de lápis em punho a corrigir o castelhano mais macarrónico que este mundo já viu será daquelas para contar a netos e bisnetos. Contudo, o pormenor da simpatia do Sr. Jerónimo Pizarro e do amigo, de quem não cheguei a saber o nome, jamais será omitido. Muchas gracias!

Vale.

Não devo ter ouvido bem

Hoje saio de uma aula e vejo três miúdos do 6.º ano a brincarem junto de uma parede. Subitamente, um deles diz:

- Vamos brincar aos fuzilamentos!

E dito isto, o pequeno docinho enconsta-se à dita parede e, heroicamente, prepara-se para receber o tiro derradeiro.

Juro que às vezes parece-me que o país para onde a Alice foi quando caiu no buraco era muito menos peculiar do que os corredores de uma simples escola.

Notinha da autora: Aqui devia estar o quadro «Fuzilamentos», de Goya, mas uma falha temporária não me deixa carregar fotos para o blogue. Uma pena, já que uma imagem tão crua era maravilhosa para ilustrar o surrealismo da inocente brincadeira infantil.

O plano

Hoje soube que alguns alunos planearam e quase puseram em marcha um esquema que lhes permitiria auxiliar um colega que, noutra sala, era examinado numa prova oral de Inglês. O estratagema envolvia telemóveis, auriculares e três alunos: um na oral, outro na casa de banho e o terceiro numa aula de outra disciplina.

Aparentemente tudo corria bem até que um deles, o que estava na aula de Filosofia, envolvidíssimo no plano «Vamos ajudar o A. a passar a Inglês» (o nome inventei-o eu, já que me parece bastante adequado), distraiu-se das actividades da própria aula. Por azar, era o momento em que a professora enumerava a matéria que sairia para o teste. Ora, a professora termina de o fazer e ele, de auriculares escondidos por baixo do vasto cabelo, não tinha ouvido nada. Põe, então, o dedo no ar e reclama com a professora porque ela não disse que matéria iria pôr no teste.

Logicamente a professora ficou verde com a pergunta e deu uma resposta ao nível de tamanha estupidez. O que ela não sabia era que no minuto seguinte iria perceber que o aluno é ainda mais tonto do que o que ela pensava. Pergunta-lhe:

- Ó F. e o que é que eu estive a fazer até agora? A dizer que matéria saía para o teste! Onde tem andado o menino?

- Estou a ajudar o A. a passar na oral de Inglês. - e afasta o cabelo, deixando ver o auricular.

Claro que o que se seguiu foi o desmantelar de uma rede organizada que trabalhava com o objectivo de safar o dito A., já com idade para ser doutor, de ver uma nota a vermelho na pauta.

Ao ouvir a história não percebi o que me devia chocar mais: se o elaborado plano, com mobilização de meios electrónicos e de mais do que dois alunos, ou se a parvoice de entregar assim tão facilmente um estratagema tão longamente pensado. Uma coisa é certa: o tempo que «os três porquinhos» (digo-o carinhosamente, claro) levaram a pensar nisto tudo, talvez tivesse proporcionado melhores resultados se o A., simplesmente, se tivesse dedicado a estudar.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Crónica de um adeus anunciado IV

Agora é uma das mais bonitas ourivesarias de Lisboa que vai à vida. O que virá ocupar o seu lugar? Mais uma loja de roupa de uma qualquer cadeia espanhola? Não me admiraria se assim acontecesse. Seja como for, oxalá que pelo menos o interior da loja não mude muito. Seria bom que, num Chiado cada vez menos português e cada vez mais globalizado, ao menos pudessem sobrar uns metros de decoração antiga e premiada, como existiram outros em espaços lisboetas já com muitos anos. Cá estaremos para ver o que acontece. Entretanto, resta-nos acenar mais um adeus. E já vão sendo tantos...


Isto há dias assim


Há dias assim e cheira-me que amanhã será um deles. Acordo já a pensar que nunca mais são horas de ir dormir outra vez e, enquanto me preparo para sair, dou por mim a contar as horas que faltam para chegar a casa... quando ainda nem sequer pus um pé na rua! Pois é, o cansaço tem destas coisas, mas infelizmente o meu tem de ser educado para se manter em níveis mínimos até Sexta-Feira à tarde. Depois pode atacar em força, arrumar comigo para cima do sofá, qual trambolho caído em desgraça, e pode pôr-me à beira de doze horas seguidas de um sono parecido com o coma, mas até lá tem de ficar sossegatido e não dar muitos ares da sua graça. O que me vale é que amanhã já é o dia do meio, thank God!

Adenda da autora que já não fazia uma há muito tempo, mas que faz agora uma porque quer e pode: Não sei para que anseio tanto pelo fim-de-semana... Acabo sempre a ter de trabalhar durante boa parte do Sábado e do Domingo! É que, embora o senhor Miguel Sousa Tavares ache que os professores são "os inúteis mais bem pagos deste país", a realidade é que aos fins-de-semana, quando muita gente anda a lourear a pevide, nós estamos trancados em casa a corrigir, planificar, preparar, rever, blá blá blá. E, provavelmente, esse será o meu fim-de-semana. (Suspiro audível daqui até Carrazeda de Ansiães)

Coisas preferidas XIV


E o bem disposta que fico com esta música, que até em toque de telemóvel já transformei? É a minha favorita de sempre: «Over My Shoulder», dos Mike and The Mechanics. Ora fiquem lá com o vídeo original da música, de 1995, e considerem-no um presente da Miss Quixotadas para os seus caríssimos seguidores.

Saudações sorridentes e um bom dia de sol para vocês!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

«Os Livros»


É então isto um livro
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo «eu» entre nós e nós?

Manuel António Pina, «Os Livros», Como Se Desenha uma Casa

Dói-me o coração

Dói-me o coração quando vejo uma reportagem que fala sobre o crescente número de faltas a consultas e tratamentos nos Institutos de Oncologia do país porque as pessoas não têm dinheiro para se deslocar até esses espaços ou não conseguem pagar as taxas moderadoras. Os doentes vêem-se obrigados a, por pura falta de meios e de ajuda, seleccionar os dias em que poderão ir e, num mês, acabam por passar por cima de algumas sessões de tratamento ou de consultas fundamentais para o processo de recuperação.

Há uns meses o Governo cortou ao mínimo o transporte não urgente de doentes e isso tem levado muita gente a repensar as idas a hospitais e I.P.O. porque não têm acesso a transportes: ou não existem ou são demasiado dispendiosos para as suas bolsas e, assim sendo, abdicam de consultas ou de tratamentos que, quem sabe, poderiam fazer a diferença. É de partir o coração ver que há quem tenha de escolher entre comer ou ser tratado a uma doença tão séria como é o cancro. E dói ainda mais quando chegamos ali ao Colombo e o vemos cheio, seja época de saldos ou não, numa dança de dinheiro que tanta falta fazia para coisas sérias, em mãos necessitadas.

Cortes cegos, medidas de austeridade, uma saúde que cada vez está mais doente... Combater a crise, impor medidas de austeridade, seguir à risca o acordo com a Troika... Será que sobreviveremos a esta crise, ou será que pelo caminho teremos de perder aqueles de quem gostamos porque, como sempre, o que interessa são os números? Dói-me o coração e sinto nojo deste país quando ouço coisas como esta.

Crónica de um adeus anunciado III


Pois se ainda há uns dias nos habituávamos à ideia de termos de dizer adeus a um dos espaços que levava a cultura portuguesa até à outra margem do Atlântico, hoje, avisou-me um amigo, começamos a despedir-nos de uma das pitorescas livrarias do Chiado que, qual aldeia gaulesa, resistia ainda ao ataque que tem sido levado a cabo pelas novas formas de venda de livros. Pois é, amigos, a grande Livraria Portugal vai fechar portas, como noticiou o jornal Público.

No fundo, quase todos nós somos um pouco culpados pelo encerramento desta e de outras livrarias como esta, já que na hora de comprar, quase todos corremos para a Fnac ou para outra grande superfície. Vamos atrás dos descontos, dos preços mínimos, da muita oferta (que às vezes nem é assim tanta quanto pensamos) e esquecemos que o pequeno comércio livreiro precisa muito da nossa ajuda para sobreviver.

Fui muitas vezes, nos meus tempos de estudante de Letras, à Livraria Portugal e lembro-me de que não foram poucas as vezes em que foi lá que consegui livros que há muito procurava para o curso. Lembro-me bastante bem de lá ter encontrado, depois de correr meio mundo, O Anjo Ancorado, do José Cardoso Pires. Foi lá que consegui encontrar o pequeno volume da INCM sobre José Saramago. Foi apenas ali que consegui uma certa edição do Quixote para oferecer há muitos anos, quando quis dar o meu livro preferido ao meu rapaz preferido. E o mais engraçado é que aquela livraria fazia-me desconto de estudante, quando lhes apresentava o cartão. Ou seja, nem havia necessidade de ir a uma grande superfície para ter desconto!

Claro que agora percebo que esse desconto em nada ajudou a Livraria Portugal, que agora vai fechar e seguir o caminho de muitos e muitos negócios neste país. Parece que o dono tentou que o espaço se mantivesse como livraria, mas ninguém pegou na ideia. Provavelmente virá a ser mais uma loja de roupa daquelas muito famosas e com sede no país aqui do lado. Provavelmente, onde antes se venderam livros, histórias, poemas, letras, passar-se-ão a vender as calças da moda e as cuecas para o Dia dos Namorados. E aposto que nessa altura encherá, ainda que não se façam descontos nas peças, ainda que tudo seja caríssimo. Mas, enfim, são estas as prioridades neste país.

Ler em movimento

Descobri na semana passada que afinal até sou capaz de ler nos autocarros, sem ter de sair quatro paragens depois da primeira página completamente almareada. Assim sendo, faço por ter sempre um livro pouco pesado na mala, de modo a aproveitar o muito tempo morto que passo nos transportes públicos. Ora, se em casa continuo a ler El Misterio Cervantes, na rua vou lendo um livro muito bonito que comprei na última Feira do Livro de Lisboa (e digo bonito não só pelo conteúdo, que vai sendo amoroso, mas também pela capa que é lindíssima). Chama-se Uma Vida à Sua Frente e foi escrito por Romain Gary ou, na realidade, Émile Ajar, já que o primeiro nome foi inventado para fintar o júri do prestigiado prémio Goncourt (galardão que só se pode receber uma vez). Com esta pequena trapaça, conseguiu ser o único a ganhar o dito prémio duas vezes. Engenhoso, han?

Logo no início do livro, que foi publicado pela primeira vez em 1975, deparei-me com uma passagem fantástica. O narrador é, deixem-me dizer-vos, um pequeno rapaz orfão a quem chamam Momo, que vive num bairro pobre de França aos cuidados da Madame Rosa, uma antiga prostituta sobrevivente de Auschwitz. Veremos o mundo através dos seus olhos ingénuos e acabamos por percebê-lo tal como ele: de um modo tosco porém infinitamente terno. No fundo, o que encontramos, é um terrível mundo  de adultos que um pequeno miúdo tenta, com alguma dificuldade, entender.

A passagem a que me referia é, então, esta:

«Desci até ao café do Senhor Driss, em baixo, e sentei-me à frente do Senhor Hamil que era vendedor ambulante de tapetes em França e que já viu tudo. O Senhor Hamil tem olhos bonitos que fazem o bem à volta dele. Ele já era muito velho quando o conheci e desde então não parou de envelhecer.

- Senhor Hamil, porque tem sempre um sorriso na cara?

- Agradeço assim a Deus todos os dias pela minha boa memória, meu pequeno Momo.

Chamo-me Mohammed, mas toda a gente me chama Momo para parecer mais pequeno.

- Há sessenta anos atrás, quando era jovem, conheci uma mulher que me amou e que amei também. Durou oito meses, depois ela mudou de casa, e, sessenta anos depois, ainda me lembro. Eu dizia-lhe: não te esquecerei. Os anos passavam e eu não me esquecia dela. Às vezes, tinha medo porque ainda tinha muita vida pela frente, e que esperança poderia dar a mim próprio, simples mortal, quando é Deus que segura a borracha que apaga? Mas, agora, estou tranquilo. Não vou esquecer a Djamila. Sobra-me pouco tempo, morrerei antes disso.»

Uma Vida à Sua Frente, Sextante Editora, p. 8




domingo, 22 de janeiro de 2012

Meio mundo a f**** outro meio

Então os senhores da empresa que fornece televisão, internet, telefone e o diabo a sete nesta casa acabaram de me fazer passar pela cena mais idiota dos últimos tempos. Ora, após uma falha momentânea de electricidade, ao ligar o computador, verifiquei não tinha acesso à internet. Isto já tinha acontecido na semana passada e os senhores da assistência da dita empresa foram muito simpáticos: seguiram vários procedimentos e lá consegui, ao fim de um bom bocado, voltar a ter acesso à internet.

Hoje decidiram que não haviam de ajudar. Com dois assistentes a conversa foi semelhante: «o modem pode ser da empresa, mas o router não é, logo não podemos ajudar». E não adiantava muito eu dizer que na semana passada o panorama era o mesmo, mas que, ainda assim, os colegas ajudaram. Nada: hoje eles não podiam mesmo fazer nada. Deve ser por ser Domingo. Todos sabem que é dia santo, até para os tipos da televisão paga: só eu é que não, pelos vistos. Um deles até achou por bem dizer que a falha na electricidade devia ter-me estragado o computador...

Todavia, o ponto alto da conversa foi quando a segunda menina me atendeu e disse o que eu já esperava: «o router não é da nossa empresa por isso não podemos ajudar. Podemos, sim, dar-lhe o contacto de uma empresa que tem uma parceria com a nossa, blá blá blá.». Não aceitei, obviamente. Disse-lhe que não ia pagar por um serviço que eles tinham a obrigação de prestar e por aí fora. Resultado: a menina condescendeu em ajudar, mas SÓ SE eu desligasse o cabo que ligava o router e o ligasse directamente ao computador. E porquê? Porque isso punha fora da equação o aparelho que não era da empresa e assim sendo já podia ajudar... Sem aquele cabo eu já era cliente VIP outra vez, deduzo eu.

Nem tenho palavras para a estupidez da atitude. Eu até admitia que ela me pedisse para desligar o router se fosse para testar o modem que pertence à empresa, agora desligá-lo para me poder ajudar, como se o router tivesse lepras e afins... Deus me livre de ser tão estúpida!

Enfim, foi mais uma daquelas situações em que tive a triste sensação de que é por fantochadas destas que estamos como estamos. Vivemos para a burocracia, para o procedimento que é um para quem lambe as botas das empresas e outro para quem, legitimamente, escolhe o seu próprio caminho. Sabe bem a esta gente, que julga que tem a faca e o queijo na mão, empatar (para não usar outra palavra) a vida aos outros, recusar-se a prestar um serviço com base num argumento ridículo, mostrar quem manda e quem tem de obedecer. Felizmente os contratos podem sempre ser cancelados. Estas empresas é que têm tendência a esquecerem-se disso...

Nova moda (parva, claro)

Sabem qual é a nova moda parva entre os jovens alunos do 3.º ciclo e ensino secundário? Não marcar parágrafos e escrever os mais longe possível da margem da folha. Juro que isto me faz a maior das confusões. É que quando eu andava na boa e velhinha «Escola Primária», não havia aluno que saísse de lá sem saber que quando se escreve, o texto deve ir alinhadinho do lado esquerdo da folha, avançando um pouco para o lado direito quando se inicia um parágrafo. Mas qual quê? Isso são, no entender de uns tantos meninos, fantochadas e o que é giro é a anarquia de cada um fazer como quer. E eles são tão bons a arranjarem desculpas para a javardice que estão a fazer na folha, que só falta virem dizer-me que o que procuram é uma espécie de emulação dos caligramas do senhor Guillaume Apollinaire.

Ó Deus, dá-me paciência.


sábado, 21 de janeiro de 2012

Coisas preferidas XIII


Se há obra que gosto de leccionar é Os Lusíadas, do nosso muy patriótico Camões. Este senhor conseguiu, numa obra épica absolutamente perfeita, glorificar o povo português, elevá-lo a píncaros a que jamais voltará, enquanto lhe dava magistralmente nas orelhas e o criticava até ao ponto de nos dever fazer corar de vergonha. Geralmente a tendência é olhar apenas para o panegírico que sobressai do texto e que coloca os portugueses à cabeça do mundo (quem diria...), contudo, nada menos interessante, são as muitas palmatoadas que surgem, não só nas considerações do poeta, mas um pouco por todo o texto, e que mostram o lado podre da maçã brilhante. Note-se que quando Camões vê a sua epopeia publicada, já Portugal estava a afastar-se dos tempos áureos da expansão e o que por cá se vivia era uma rambóia desenfreada que consistia em estourar todas as riquezas que conseguiramos acumular.

A minha grande pena é que os alunos, normalmente, já detestem Os Lusíadas ainda antes de olharem para a Proposição! Ah e tal, que o texto é longo, chato, em verso e em Português do tempo da outra senhora. Enfim, para a semana lá vou eu tentar mudar-lhes a opinião e fazê-los ver que ler aqueles versos não dói nada, pelo menos fisicamente. É que muitas das alfinetadas que Camões dá aos portugueses daqueles tempos ainda hoje picam...

Os euros e as cáries


Hoje apercebi-me de que isto da crise pode vir a ser bom para os dentes da criançada. Cheguei a esta inusitada conclusão ao ver uma menina de uns sete anos prender o burrinho porque a avó não lhe comprava um «Push Pop».

Lembram-se dos «Push Pop»? Eram, no fundo, uns chupa-chupas que, por terem o formato de uma caneta, tinham na tampa um clip que permitia que fossem guardados nos bolsos das calças e afins. Ou seja, era todo um mundo novo na arte de lamber um chupa-chupa, já que os «Push Pops» podiam ser lambidos e guardados, lambidos e guardados, lambidos e guardados, lambidos e guardados até:

a) Passarem de prazo;
b) Enjoarmos o sabor daquele e querermos outro;
c) Nos esquecermos daquilo no bolso e pormos a peça de roupa onde estava arrecadado na máquina de lavar;
d) Nos olvidarmos de pôr a tampa no «Push Pop» e acabarmos com um doce feito de cotão e pêlos vários;
e) Ser-nos cobardemente roubado o «Push Pop» por um carteirista guloso da carreira 28.

O «Push Pop» era, pois, uma experiência nova e um conceito inacreditavelmente moderno no âmbito das guloseimas infantis há uns dez anos atrás. Pensei que já nem existissem, mas a julgar pela birra da criança acima mencionada, parece que ainda cá andam a ser lambidos por uma nova geração de infantes.

Mas afinal, que ligação existe entre a crise e as cáries, perguntam vocês, sempre tão atentos. Ora, aqui menina elucida-vos: a criança que prendia o burrinho porque a avó não lhe dava um «Push Pop» teve como argumento para não o receber o facto de uma dessas guloseimas ser muito mais cara do que um chupa-chupa normal. Resultado: a menina, que queria esse e não outro, acabou por não querer chupa-chupa nenhum. Quem ganhou? A carteira da avó e os dentes da pequenota. Choram-se, com isto, as cáries da criança, que perderam uma oportunidade de expansão de negócio para um qualquer dente vizinho.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Vá, não sejam forretas

O nosso Presidente da República diz que andou a fazer contas e que a sua reforma não lhe vai chegar para as despesas. Das duas uma: ou o problema, como popularmente se diz, é do cu ou então será das calças. Ou seja: ou é a reforma que é baixa ou são as despesas que são demasiado elevadas. Bem, é difícil imaginar que um homem tão dado a contas como o Prof. Dr. Cavaco Silva e, como ele mesmo diz, tão poupado, se envolva em despesas absurdas. Assim sendo, resta-nos acreditar que a reforma será efectivamente baixinha.

Acho que só nos ficava bem começar a contribuir para o desafogo financeiro do nosso Presidente. Que nós não queremos ter um chefe de estado que tenha de entrar pelas poupanças dentro para poder manter a sua vidinha tal como está habituado (até porque durante a sua última campanha ele já tinha noticiado a também baixa reforma da sua esposa que precisava da ajuda dele para se manter), isso não queremos! Ora estudem lá bem as vossas contas e vejam lá com quanto é que podem ajudar. Abstraiam-se do facto de provavelmente nunca virem sequer a saber o que é uma reforma provinda dos descontos que fizeram ao longo da vida e contribuam. É que já diz o povo que «quem ajuda os pobres empresta a Deus»... Não sejam, por isso, forretas.

Ele há coisas...

Ouvi há pouco que cinco jovens marroquinos se imolaram pelo fogo em protesto pela falta de emprego principalmente no que aos jovens licenciados diz respeito. Não morreram, contudo ficaram (pelo menos alguns deles) gravemente feridos.

Eu percebo o desespero, percebo o que é ser jovem, pôr a mão em pala para ajudar a olhar à distância e não ver saídas. Conheço a sensação de pensar na vida e não ver oportunidades, de não imaginar quando se poderá iniciar uma vida mais independente da família, de olhar para os classificados e perguntar onde raio pararão os anúncios de emprego. Em suma: consigo pôr-me nos sapatos destes jovens e perceber o que sentem. Todavia, não consigo compreender em que medida o facto de atearem fogo a si próprios e de agora terem de conviver com ferimentos que muito provavelmente deixarão marcas os ajudará a conseguir um emprego. Se a ideia era agitar as consciências e chamar a atenção para o problema, não sei como foi no país deles, mas no nosso a notícia foi dada de forma muito rápida e sem que houvesse tempo para grandes reflexões.

Enfim, é de lamentar o beco sem saída em que nos encontramos, mas daí a desatarmos todos a oferecer-nos em sacrifício vai uma grande distância. É que não são, com certeza, as feridas causadas por uma atitude radical que nos vão trazer trabalho, por isso vamos lá a ter juízo.

Livros de cabeceira II


Ontem terminei de ler La Casa de los Espíritus, de Isabel Allende e à noite dei início a este El Misterio Cervantes, de Pedro Delgado Cavilla. Não é nenhuma especialidade literária, aliás, vai buscar muito a esses milhões de livros cheios de segredos sobre a Igreja, blá blá blá. Se o livro fosse só isso, acreditem que nem lhe pegava, uma vez que não tenho muita paciência para esta moda já com alguns anos que consiste em desvendar verdades que mudarão o mundo, que colocarão a nu instituições com séculos de existência e que aparentemente têm muito a esconder. Não, não tenho pachorra para isso. O que acontece com este livro é que vai buscar o Quixote (o meu livro preferido, caso nunca tenham reparado...) e faz dele o centro de toda a narrativa. É por isso, para ver o tratamento dado à obra-prima cervantina, que leio este El Misterio Cervantes. Até agora vai sendo relativamente interessante, porém o Quixote só ainda apareceu uma vez e logo nas mãos do chefe da Inquisição (que, por acaso, estava morto...). Vamos lá ver no que isto dá.

Friday, doce friday

É Sexta-Feira! Tão bom, tão bom, tão bom! Vocês não vêem, mas eu estou aos pinotes diante do ecrã, fazendo uma espécie de «dança da alegria» tão mal feita que ainda vai resultar em chuva. Não interessa: é Sexta!!!!!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O prazer da leitura

Percebemos que ler nos melhora quando damos por nós a pesquisar sobre o golpe militar no Chile porque um livro nos deixou com vontade de saber mais sobre ele. Neste caso o livro foi La Casa de los Espíritus, de Isabel Allende. Devo dizer que nunca tinha lido nada desta autora e que até a tinha em má conta. Julgava, erradamente, que era toda cor-de-rosa e assim para o parecida com os Nicholas Sparks e as Svevas «Nhanhanhas» desta vida. Todavia, pelo menos neste livro, a autora mostra-se muito diferente disso, escrevendo uma história sobre as várias gerações de uma família chilena, desde os iniciozinhos do século XX até à actualidade da publicação da obra (anos oitenta). Conseguimos perceber de que modo viviam ricos e pobres naquele país, como era a justiça entre patrões e empregados, como se fazia política e como facilmente se derrubava um Presidente que os menos endinheirados adoravam, apenas porque  não agradava aos mais ricos. Vemos como era a vida das mulheres: das que se podiam gabar do muito dinheiro que tinham, mas que lamentavam a falta de liberdade que estava associada a tal facto, e das outras, as que por serem pobres se transformavam em objectos ao serviço de um senhor. Percebemos como eram educadas as crianças das várias classes sociais e como um mau início pode ser decisivo na formação de um mau carácter. Enfim, concluímos o livro com um arrepio na espinha perante as torturas que a ditadura militar proporcionou a tanta gente (mesmo aos que desejavam ardentemente a queda do governo anterior ao golpe militar) e com vontade de perceber melhor o que por ali se passou. É este, parece-me, o poder dos bons livros: mostrar-nos o muito que não sabemos para que tenhamos a oportunidade de procurar respostas.

200



E pronto, duzentas quixotadas já viram a luz do dia.

Então foi assim

Pois que andei desaparecida, mas não estive fechada em casa a olhar para o tecto (felizmente só se apanha varicela uma vez na vida e a última vez foi suficiente para decorar todos os pormenores das paredes e tectos aqui do domicílio). Pois que nestes dias andei para trás e para a frente, dividindo-me entre meninos do ensino secundário e meninos do ensino básico. Ouvi os maiores disparates que possam imaginar e é com muito prazer que vos deixo alguns.

DISPARATE A

Numa aula com o 7.º ano, uma aluna deixa cair uma caneta. Murmura uma palavra acabada em «osa» que não consigo perceber enquanto a apanha. Quando finalmente volta à posição «sentada-direitinha-na-cadeira-que-a-aula-não-é-de-contorcionismo-para-apanhar-canetas» (o nome da posição foi inventado agora, por isso registo aqui a patente), olha para mim e diz:

- A stôra sabia que eu dou nomes ao meu material escolar?

- Hum?! - resmungo eu sem perceber o que raio vai sair dali.

- Sim, dou nomes às coisas. Quer ver? - começa a remexer o estojo e saca da caneta que tinha caído - Esta é a «Multicolorosa».

- Ah?! - exclamo eu sem saber o que lhe dizer.

Remexe mais um pouco no gigantesco estojo e tira uma régua. Fico à espera que me seja apresentado o dito objecto sob uma identidade que se adeque ao seu aspecto, tal como acontecera com a «Multicolorosa», assim chamada por estar apetrechada com várias cargas de cores diferentes. Pois que me enganei. A menina saca da régua e procede às devidas apresentações:

- E esta é a Catarina!

Portanto é isto. Naqueles estojo moram a «Multicolorosa» e a... Catarina. Hoje ouvi falar numa «Silvie» (não me perguntem a razão de o nome não soar a Português, que eu achei por bem não averiguar), mas não percebi a que objecto pertencia um nome tão chique.


DISPARATE B

Tenho um aluno que gosta de interromper todos os momentos de aula com questões que nada tenham que ver com a mesma. Resultado: vai quase todos os dias para a rua. Esta semana voltou a testar a sorte. Estando um colega a ler um texto em voz alta, resolve interromper para colocar a seguinte questão:

- Stôra, a stôra sabe o que são mensagens sublimares?

O colega da frente olha para ele com desprezo e corrige-o:

- Subliminares, estúpido!

- Isso.

Respondo-lhe:

- Sei, porquê? Mas tu achas normal interromperes uma aula para me perguntares isso?

- A stôra sabia que aquela música daquelas «gajas» espanholas que cantavam «Assereje» [ou lá como se escreve] tem uma mensagem sublimar ao diabo?

A minha boca escancara-se de espanto ao mesmo tempo que quase toda a turma, em coro, o corrige:

- Subliminares!

Ele não se rala e continua:

- E a stôra sabe que elas venderam a alma ao diabo para terem sucesso?

Penso com os meus botões que isso justificaria muita coisa, mas continuo caladinha à espera que o arrazoado acabe. Ele lá ia continuando:

- E a stôra sabia que a Coca-Cola tem uma mensagem sublimar? - aqui foi novamente corrigido pelos colegas, mas isso não o impediu de explicar melhor a sua teoria - Se a stôra virar o rótulo da garrafa ao contrário vai ver que o que lá está escrito é «Alô diabo».

E eu que pensava que ele ia fazer uma ligação entre o vermelho do rótulo e o comunismo... Ingénua. O resto da turma ria-se como se não houvesse amanhã, mas ele, sorridente como quem acabou de descobrir o caminho marítimo para a Índia, mantinha a teoria. Decido desfazê-la:

- Olha lá, de que país é a Coca-Cola? - pergunto.

Quase ouvi o som do meu cabelo a crescer, tamanho foi o silêncio sepulcral que nasceu naquele momento. Felizmente alguém acabou por responder que era dos Estados Unidos da América. Logo a seguir perguntei:

- E que língua se fala lá?

Resposta muito pronta do menino que acha que a boa da Coca-Cola anda em negócios com o mafarrico:

- Estrangeiro!

Nova remessa de gargalhadas até que o outro corrige e diz «Inglês». Prossigo, então, para o golpe final na teoria da conspiração:

- Então tu achas que uma empresa norte-americana ia ter uma mensagem subliminar ao diabo escrita em Português?...

O moço pareceu ficar confuso. Ainda pensei que fosse arranjar um argumento que deitasse o meu próprio raciocínio por terra, mas não. O que aconteceu foi o que alegremente chamo de «último espasmo do morto». Ou seja: com a teoria arruinada, mas numa idade em que é preferível ir para a rua do que ser dado como vencido (ainda mais pela professora), voltou à carga dizendo:

- E a stôra sabia que a Disney também tem mensagens sublimares? [Que querem? O rapaz não aprende a dizer «subliminares»!]

- Sim, e os Estrumpfes também. Podemos continuar a aula?!

E pronto, assim terminou uma alegre digressão pelo mundo dos agradinhos ao diabo.


DISPARATE C

A propósito do texto que líamos, desenho no quadro (desculpando-me pelas minhas fracas qualidades desenhadoras) uma Cruz de Malta. Um dos alunos fica empolgadíssimo com aquela cruz porque conhece quem a use como símbolo em tatuagens e afins.

A aula continua e a dada altura viro-me para o quadro para escrever a resposta a uma pergunta e, num daqueles momentos em que cessa todo o ruído e só se ouve o que alguém sussurra ao ouvido do colega do lado, ouço o aluno que antes adorara ver a Cruz de Malta dizer muito seriamente:

- Eu conheci «Jesus Cristo» na concentração motard de Faro.

Não consegui evitar olhar para ele e dizer:

- Rapaz, foi das frases mais tontas que eu já ouvi alguém dizer.

E pronto, minha gente, tem sido isto. Temo pela minha sanidade, mas ao mesmo tempo admito que isto me faz rir tanto (quando acaba a aula e saem, claro, que eles não podem perceber que têm piada senão aproveitam-se) que acho que vai tornando muito mais lento o meu processo de envelhecimento.


De volta

Nos últimos dias tenho lamentado o facto de o dia não ter o dobro das horas que tem. Acho que conseguiria ocupá-las todas sem problema, de tanto que tenho tido para fazer. É por isso que tenho andado desaparecida, mas estou de volta (espero eu) para dar ao mundo mais umas quixotadas catitas. É que isto faz-me bem, minha gente. A sério que faz.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Foleirice

Alguém me explica a lógica daqueles colares, agora muito em voga, que têm o formato de golas? A sério, na década de oitenta, as nossas mãezinhas iam à retrosaria comprar umas golinhas muito lindas que depois aplicavam nas nossas camisolas e nós odiávamos. Assim sendo, de onde veio agora esta peregrina ideia de retomar, em parte, essa mania? A sério, é uma coisa horrível e não me parece que tenha grande lógica. Em muita gente parece mais tratar-se de um babete com apliques do que de um acessório que supostamente devia estar «super na moda». Que foleirice, credo...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Palmier coberto

Lembram-se de vos falar nos palmiers cobertos da pastelaria Nilo? Falei-vos deles em Novembro quando ponderava transformar uma pilha dessas delícias cheias de doce de ovos e glacé num bolo de aniversário com as velas toscamente espetadas no topo. São mesmo os melhores que já provei (e olhem que não sou nada fã de palmiers) e o meu sonho continua a ser ter uma pilha deles só para mim, de tão bons que são. Bem, hoje resolvi fotografar um para ilustrar, finalmente, o «Coisas Preferidas VI». Estava assim para o imperfeito, mas estava óptimo, garanto-vos. Soube mesmo bem!

Dá que pensar

Todos os dias saem livros novos e cada novo passeio pela livraria mostra-nos que no que respeita aos livros estamos sempre desactualizados. Resumidamente é isto: piscamos os olhos e eis que já estão à venda mais vinte livros do que estavam antes de os piscarmos. Infelizmente tanta variedade não significa que haja mais qualidade do que noutros tempos, mas isso daria outra conversa.

Falo da quantidade de livros publicados porque existem outros números que podem dar-nos o que pensar. Na revista Os Meus Livros deste mês, surge uma pequena notícia sobre o que lemos e então ficamos a saber que as editoras brasileiras publicaram em 2010 quase quinhentos milhões de livros. Contudo, «cada brasileiro lê 1,8 livros não académicos por ano». Estão a ver a proporção entre os volumes que viram a luz do dia e o que, em média, um leitor brasileiro lê ao longo de trezentos e sessenta e cinco dias?... Parece que noutros países o panorama não é tão mau, embora também não seja maravilhoso. Salva-se a França, já que o mesmo artigo diz que «Se em países desenvolvidos essa média é de dez obras anuais, em França, por exemplo, é de vinte e cinco livros por ano.».

Não sei quantos livros leio por ano. Sei que compro muitos mais do que aqueles que realmente consigo ler. Ainda assim, serão certamente mais de dez, o que quer dizer que o meu volume de leituras ajuda a ajeitar a média de quem não lê nada ou quase nada. É uma pena que perante tanta oferta, a procura ainda seja tão insignificante. A leitura está fora de moda, parece-me, pelo menos a julgar pelos números.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Bons exemplos

Acabei de ver a Grande Reportagem da SIC e estou deslumbrada com o trabalho que uma professora de Língua Portuguesa no 2.º ciclo desenvolveu com os seus alunos do 6.º ano e as respectivas famílias. No fundo, o projecto consistia em ler, na escola com os alunos, contos que depois estes eram incumbidos de ler às famílias, em casa. No final, os pais deviam fazer o registo da sua opinião sobre o que tinham achado da história.

A própria professora ficou espantada com os resultados: boa parte das famílias aderiram ao projecto e, a partir daqueles pequenos contos, retomaram hábitos de leitura que haviam perdido com os avanços e recuos da vida. Alguns passaram, até, a frequentar bibliotecas e a procurar outros textos.

Os miúdos andavam felizes da vida com este exercício e, quando o ano lectivo chegou ao fim, pediram à escola que os deixassem continuar, ainda que a professora não lhes continuasse a dar aulas. E hoje, devido àquela ideia inicial, vão à escola primária da zona ler para os meninos mais novos. No fundo, vão transmitir-lhes o amor pelas letras que adquiriram com aquela professora. Mais: os alunos que passaram por tal experiência notam uma melhoria nas notas, na capacidade de compreensão e no desempenho na leitura.

Acho e sempre achei que a leitura é fundamental para sermos mais espertos, para estarmos mais despertos e para compreendermos melhor tudo o que nos rodeia. O que acontece, infelizmente, é que hoje em dia não gostar de ler está mais na moda do que amar os livros e a leitura. Muitos miúdos não têm qualquer vontade de ler e preferem mil vezes a interacção com um computador. É por isso que projectos como este são valiosos: mostram aos jovens um mundo novo por descobrir e a capacidade de o fazerem por si próprios.

Gostei muito do que vi e fiquei muito contente por ver um canal de televisão dar tamanho destaque a uma experiência como esta. Professoras como aquela são tesouros e vale a pena olhar para projectos assim que, efectivamente, podem mudar um panorama que por agora vai sendo negro.

Prendinha boa

Hoje o meu moço ofereceu-me simpaticamente um livro que já queria há muito, mas que não encontrava. No original intitula-se A Tale of Two Cities, mas em 1947, ano da edição que recebi, o tradutor achou por bem dar à obra o título de A Guilhotina. Bom, está muito bem, ele lá saberia os que fazia aos títulos do Charles Dickens. O que interessa é que lá esteja o textinho todo, e muito lindo, para a menina ler.


Notinha da autora: Quem se oferece para vir separar as páginas com a ajuda de uma faquinha? Pelos vistos, ainda que seja bastante velho, nunca nenhuns olhinhos se passearam pelas páginas deste volume.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Braga

Braga é este ano Capital Europeia da Juventude. A candidatura foi feita pela Câmara Municipal da cidade que utilizou como argumento em seu favor o facto de Braga ser um dos concelhos mais jovens da Europa. Prevê-se um ano cheio de actividades que envolvam a população, dando especial atenção aos mais novos. A história local será promovida através de um curso a que se deu o nome de «Bracara From Augustus» e, através do «Programa AtCampus», serão concedidas bolsas de estudo a estudantes não contemplados pelo «Programa Erasmus», desde que vão contando a sua experiência num blogue.

Fico muito contente por este evento decorrer no nosso país e, mesmo sendo lisboeta, fico contente por aos poucos se ir percebendo que Portugal não é só Lisboa e Porto. Parabéns à cidade de Braga!

Mosteiro dos Jerónimos

Nascida e criada em Lisboa, nunca tinha visitado os Jerónimos como manda a regra. Farto-me de ir àquela zona, já entrei na igreja para ver o túmulo do Camões milhares de vezes, mas nunca tinha visitado o mosteiro por dentro, até hoje. Fui muito pouco preparada, já que a única máquina fotográfica que levava era mesmo a do telemóvel. Ainda assim, gostei muito do que vi e confirmo a convicção que eu e a maioria dos portugueses tem de que aquele é um monumento de que muito nos devemos orgulhar, não só por dizer muito sobre a nossa história, mas também pelo magnífico estado de conservação em que se encontra. Não deve ser muito fácil manter em perfeitas condições toda aquela pedra trabalhada e a talha dourada daquela igreja, mas a verdade é que, enquanto «turista», tudo me parece muito bem cuidado, ao contrário de outros monumentos que já visitei, na capital e fora dela.

No Mosteiro dos Jerónimos estão os túmulos de quatro grandes figuras da nossa cultura, sendo que três deles foram (e são porque não se esquecem) homens das letras. Luís de Camões, cujo túmulo é simbólico, uma vez que ninguém sonha onde pararão os seus ossos, Fernando Pessoa e Alexandre Herculano muito deram à nossa literatura e, no último caso, à História e à recolha das nossas tradições. O túmulo de Camões nos Jerónimos é já sobejamente conhecido. Já o de Pessoa nem em fotografias o tinha visto.


A qualidade da fotografia não é a melhor, mas é melhor do que nada. O que achei muito bonito foi o facto de em cada uma das três faces visíveis do túmulo ter sido colocado um excerto de um poema de cada um dos seus três heterónimos mais conhecidos. É como se as três almas a quem Fernando Pessoa deu vida o acompanhassem também na morte.



Não consegui fotografar a face dedicada a Álvaro de Campos, mas digo-vos que o excerto era do poema da sua última fase «Lisbon Revisited 1923» e dizia assim: «Não. Não quero nada. / Já disse que não quero nada. / Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer.»

Depois continuei a visita pela sala na qual se encontra o túmulo de Alexandre Herculano, onde encontrei uma frase magnífica que só mesmo alguém como ele, amante da História, poderia dizer.


«Debaixo dos pés de cada geração que passa na terra dormem as cinzas
de muitas gerações que a precederam.»    (Genial!)
                                                                              Alexandre Herculano



«Aqui dorme um homem que conquistou para a grande mestra do futuro,
para a História, algumas grandes verdades.»
                                                                                          Alexandre Herculano







O claustro é muito bonito e, tal como no resto do mosteiro, ficamos boquiabertos com o trabalho que aquela pedra toda deve ter dado. Encontramos muitos símbolos náuticos esculpidos na pedra, o que nos leva até aos tempos de escola, quando os professores procuravam ensinar-nos algumas características da arte manuelina. Pois lá está um belíssimo exemplo desse estilo.

Na sala da antiga livraria encontramos os retratos de vários dos nossos reis (fiquei com a impressão de que o D. João V devia muito à beleza...) e um friso tripartido muito interessante onde foram anotados os mais importantes acontecimentos da História de Portugal, da vida do Mosteiro dos Jerónimos e da História Mundial. Foi com muito prazer que, neste último, encontrei assinalado um acontecimento que considero profundamente marcante para as letras europeias. Ora adivinhem lá...


Exacto: a publicação das duas partes que compõem o grande D. Quixote de la Mancha, em 1605 e em 1615. Mas calma, também lá estavam assinaladas, no friso que dizia respeito à nossa própria História, a publicação d'Os Lusíadas, de As Pupilas do Senhor Reitor, de Amor de Perdição, de Os Maias, a saída da revista Orpheu, entre muitos outros acontecimentos das letras portuguesas. Apeteceu-me trazer aqueles frisos para casa, embora julgue que não me iam deixar. Achei curioso o facto de todos três terem, no final, um espaço em branco ainda por preencher. Recorda-nos isso, no fundo, que a História se escreve em permanência, todos os dias mais um pouco, e que vale sempre a pena deixar umas páginas para que um dia alguém (um novo Herculano?) a registe com toda a importância e dignidade que merece (mas que, infelizmente, nem sempre lhe dão).

Como visita a museu ou monumento com loja de souvenirs exige a compra de um lápis para aumentar a colecção, lá fui eu buscar um muito catita com uma pequena reprodução em metal de um astrolábio, daqueles que tanto jeito nos deram nos tempos da Expansão, e que traz, também, um marcador de livros.


E pronto, foi isto. Gostei muito e aconselho vivamente a que visitem o Mosteiro dos Jerónimos. Não sejam como eu que levei vinte e seis anos até decidir-me a pagar o bilhete (que nem é nada caro com Cartão Jovem) e entrar. Vale mesmo a pena.