quinta-feira, 24 de novembro de 2011

«E agora, José?»


Estou a ver na televisão imagens dos jovens que se encontram à porta da Assembleia da República e devo dizer que, estando aqui, estou com eles. Não defendo a violência, não acho que seja por aí que se chega a algum lado, mas percebo que ela surja. A raiva, a impotência e a incapacidade de ver para além do momento em que vivemos fervilham já há muito tempo, sem que isso se tenha ainda concretizado em qualquer acto menos pensado. Mas creio que todos nós, mesmo que não o admitamos para os outros, acreditamos que ela chegará, fruto de uma revolta com que nem todos conseguirão lidar.

Entrei no ensino superior em 2003, sabendo que as perspectivas de futuro já não eram brilhantes (especialmente para mim, que queria pertencer àquela classe profissional que todos alardeavam que estava muito mal), mas pensando que o diploma não perde a validade e que um dia a oportunidade havia de chegar. Pois bem, fiz vinte e seis anos há uma semana e já não sei o que diga. Vejo que agora já não se fala só na situação dos professores porque nos dias que correm todas as profissões experimentam grandes dificuldades. Já ninguém me diz com asco «Ah, coitadinha, vais ser professora?» pela simples razão de que no campo profissional já todos somos coitadinhos.

Não vejo futuro. Não estou na «minha cadeira de sonho», nem lá perto. Mas também, se aos vinte e seis anos já lá estivesse, que objectivos poderia eu ter para o resto da vida? Percebo que a vida profissional é uma espécie de monte a escalar. O problema actual é que parece que cortaram o monte e que nós, geração dos vinte e trinta, andamos ali às voltas a olhar para o chão e a pensar onde raio nos havemos de agarrar. E os nossos pais, geração que lutou para nos dar condições, põem-nos a mão no ombro e levam-nos de volta para a casa deles, de onde parece que não sairemos tão cedo.

Por isso, embora ache que o dia de hoje não vai mudar nada (uma vez que há um caminho de sacrifício a percorrer, não havendo quaisquer atalhos à vista), compreendo a luta, compreendo a perda de paciência, percebo o surgimento de actos irreflectidos. Espero, contudo, que saibamos todos manter a calma e continuar a luta de forma pacífica. Também me custa ter esperança, mas por enquanto resta-nos pouco mais do que isso.

Deixo-vos um poema de Carlos Drummond de Andrade que repete a pergunta que me faço todos os dias quando me percebo no fundo de um buraco que não abri. Creio que todos os jovens se perguntam quase diariamente «E agora?» e o que entristece é que não sei quando saberão, nem quando eu própria saberei responder a esta pergunta...

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

                    Carlos Drummond de Andrade

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