sábado, 14 de janeiro de 2012

Mosteiro dos Jerónimos

Nascida e criada em Lisboa, nunca tinha visitado os Jerónimos como manda a regra. Farto-me de ir àquela zona, já entrei na igreja para ver o túmulo do Camões milhares de vezes, mas nunca tinha visitado o mosteiro por dentro, até hoje. Fui muito pouco preparada, já que a única máquina fotográfica que levava era mesmo a do telemóvel. Ainda assim, gostei muito do que vi e confirmo a convicção que eu e a maioria dos portugueses tem de que aquele é um monumento de que muito nos devemos orgulhar, não só por dizer muito sobre a nossa história, mas também pelo magnífico estado de conservação em que se encontra. Não deve ser muito fácil manter em perfeitas condições toda aquela pedra trabalhada e a talha dourada daquela igreja, mas a verdade é que, enquanto «turista», tudo me parece muito bem cuidado, ao contrário de outros monumentos que já visitei, na capital e fora dela.

No Mosteiro dos Jerónimos estão os túmulos de quatro grandes figuras da nossa cultura, sendo que três deles foram (e são porque não se esquecem) homens das letras. Luís de Camões, cujo túmulo é simbólico, uma vez que ninguém sonha onde pararão os seus ossos, Fernando Pessoa e Alexandre Herculano muito deram à nossa literatura e, no último caso, à História e à recolha das nossas tradições. O túmulo de Camões nos Jerónimos é já sobejamente conhecido. Já o de Pessoa nem em fotografias o tinha visto.


A qualidade da fotografia não é a melhor, mas é melhor do que nada. O que achei muito bonito foi o facto de em cada uma das três faces visíveis do túmulo ter sido colocado um excerto de um poema de cada um dos seus três heterónimos mais conhecidos. É como se as três almas a quem Fernando Pessoa deu vida o acompanhassem também na morte.



Não consegui fotografar a face dedicada a Álvaro de Campos, mas digo-vos que o excerto era do poema da sua última fase «Lisbon Revisited 1923» e dizia assim: «Não. Não quero nada. / Já disse que não quero nada. / Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer.»

Depois continuei a visita pela sala na qual se encontra o túmulo de Alexandre Herculano, onde encontrei uma frase magnífica que só mesmo alguém como ele, amante da História, poderia dizer.


«Debaixo dos pés de cada geração que passa na terra dormem as cinzas
de muitas gerações que a precederam.»    (Genial!)
                                                                              Alexandre Herculano



«Aqui dorme um homem que conquistou para a grande mestra do futuro,
para a História, algumas grandes verdades.»
                                                                                          Alexandre Herculano







O claustro é muito bonito e, tal como no resto do mosteiro, ficamos boquiabertos com o trabalho que aquela pedra toda deve ter dado. Encontramos muitos símbolos náuticos esculpidos na pedra, o que nos leva até aos tempos de escola, quando os professores procuravam ensinar-nos algumas características da arte manuelina. Pois lá está um belíssimo exemplo desse estilo.

Na sala da antiga livraria encontramos os retratos de vários dos nossos reis (fiquei com a impressão de que o D. João V devia muito à beleza...) e um friso tripartido muito interessante onde foram anotados os mais importantes acontecimentos da História de Portugal, da vida do Mosteiro dos Jerónimos e da História Mundial. Foi com muito prazer que, neste último, encontrei assinalado um acontecimento que considero profundamente marcante para as letras europeias. Ora adivinhem lá...


Exacto: a publicação das duas partes que compõem o grande D. Quixote de la Mancha, em 1605 e em 1615. Mas calma, também lá estavam assinaladas, no friso que dizia respeito à nossa própria História, a publicação d'Os Lusíadas, de As Pupilas do Senhor Reitor, de Amor de Perdição, de Os Maias, a saída da revista Orpheu, entre muitos outros acontecimentos das letras portuguesas. Apeteceu-me trazer aqueles frisos para casa, embora julgue que não me iam deixar. Achei curioso o facto de todos três terem, no final, um espaço em branco ainda por preencher. Recorda-nos isso, no fundo, que a História se escreve em permanência, todos os dias mais um pouco, e que vale sempre a pena deixar umas páginas para que um dia alguém (um novo Herculano?) a registe com toda a importância e dignidade que merece (mas que, infelizmente, nem sempre lhe dão).

Como visita a museu ou monumento com loja de souvenirs exige a compra de um lápis para aumentar a colecção, lá fui eu buscar um muito catita com uma pequena reprodução em metal de um astrolábio, daqueles que tanto jeito nos deram nos tempos da Expansão, e que traz, também, um marcador de livros.


E pronto, foi isto. Gostei muito e aconselho vivamente a que visitem o Mosteiro dos Jerónimos. Não sejam como eu que levei vinte e seis anos até decidir-me a pagar o bilhete (que nem é nada caro com Cartão Jovem) e entrar. Vale mesmo a pena.

2 comentários:

  1. Vejo que abandonaste o Power Point para ir passear. Foi uma boa ideia.
    Já lá estive, mas na verdade também não conheço os Jerónimos por dentro muito bem, mas o edifício é espectacular e imagino que seja lindíssimo por dentro também...
    É sempre bom passear perto de casa e ver que temos coisas tão ou mais bonitas que lá fora! :)

    ResponderEliminar
  2. É verdade, procrastinei um bocadinho antes de me dedicar ao malfadado trabalho. Isto é sempre assim: temos tesouros ao pé da porta e acabamos por ficar com o «olhar cansado» de os ver. Quando realmente paramos um pouco e nos dedicamos a olhar com atenção, percebemos que estamos perante coisas muito melhores do que aquilo que já imaginávamos que eram. O Saramago dizia com muita razão «Se podes olhar vê. Se podes ver repara.». É muito bonito por dentro. Não é nenhum museu nem nenhum palácio (que valem muito pelo seu recheio), mas vale bem pelo trabalho que está naquelas paredes que se mantêm impecáveis há muitos séculos, pelo claustro e pelas personalidades que lá têm o túmulo. Aconselho muito! :)

    ResponderEliminar