segunda-feira, 30 de abril de 2012

Orações coordenadas disjuntivas

Hoje tive um daqueles momentos em que, se não me seguro, morro a rir a meio de uma aula. Estava eu a explicar as orações coordenadas disjuntivas a alguns dos meus mais novos quando digo:

- São as orações que as mães utilizam quando dizem «ou comes ou levas!». Dão-nos duas alternativas e, claro, numa situação destas mais vale comer porque ninguém quer apanhar.

Responde-me uma aluna muito magrinha:

- Entre ter de comer e levar, prefiro levar.

Rio-me e digo-lhe:

- Bolas, preferes ficar com o rabo a arder só para não teres de comer?

Ela acena que sim, enquanto uma colega acrescenta, como quem tem uma grande ideia:

- Então, se ficar assim põe «Canesten»!

E eis que o mais espirituoso dos alunos entra em campo e corrige:

- Ai L., és mesmo burra: «Canesten» é para o pipi!

E pronto, foi isto. Não há nada como ver que as orações coordenadas disjuntivas alegram os alunos.

domingo, 29 de abril de 2012

A Noite do Oráculo


Comecei hoje este. Um tipo meio abrasado da cabeça começa a escrever um livro sobre um homem que muda drasticamente de vida após quase levar com a cabeça de uma gárgula de pedra, daquelas que enfeitam os edifícios, na tola. Percebe que não morreu por uma unha negra e que tal acontecimento se calhar é sinal de que devia ser feliz e que lhe está a ser dada uma nova oportunidade. Portanto, partindo de tal pensamento, dali segue para o aeroporto e compra um bilhete só de ida para longe da mulher. Eu se fosse a dita ficava pior do que um urso, mas ainda não sei se ela lhe vai deitar a unha ou não. Ora, note-se que isto é só a história que o narrador (que é, supostamente, escritor com livros publicados) está a escrever. Depois há a desenvolver-se, em paralelo, a história desse mesmo narrador que é, também, a personagem principal.

Vamos ver no que dá esta embrulhada.

Maria Filomena Mónica



Gosto muito de ouvir e ler as palavras da Maria Filomena Mónica. Gosto da sua maneira de pensar e da forma como em três ou quatro linhas esquematiza os nossos problemas e as suas origens. Percebo-a como gostaria de ser: cultíssima e sem papas na língua (já para não falar do meu desejo secreto de chegar à idade que tem hoje com o bom aspecto que lhe conhecemos). Há uns tempos ouvi-a falar da malfadada figura do Zé Povinho e só me faltou aplaudi-la de pé quando disse que era tristíssimo que nos sentíssemos representados por uma figura que «faz manguitos ao patrão quando vira as costas porque não têm coragem de os enfrentar de frente». Ouvi-la falar do nosso país é, enfim, um prazer, ainda que o retrato em que nos pinta não seja, de todo, o mais bonito.

A Maria Filomena Mónica e o António Barreto são duas figuras que, pelo modo como nos analisam, se tornam fascinantes e, assim, ouvi-las enriquece-nos. Podem ter, por vezes, ideias menos felizes, mas isso todos temos. Numa rápida pesquisa pela internet percebi que a investigadora do ICS não cai nas boas graças de algumas pessoas que a vêem como uma snob com a mania de que é britânica. Enfim, são opiniões. A mim parece-me uma mulher admirável que diz o que têm a dizer e que tem uma cultura invejável.

Tendo isto em consideração, faz-me alguma confusão que a maior parte dos seus livros não estejam disponíveis. Comprei dois dela na Feira do Livro na semana passada, mas não eram aqueles que mais queria. Os que gostava mesmo de ter aparecem em todo o lado como estando esgotados e nem em alfarrabistas consigo dar com eles! Por isso, hoje contentei-me com a entrevista que saiu no jornal I deste fim-de-semana e com partes do livro Passaporte, um dos que trouxe da Feira do Livro. Nele, Maria Filomena Mónica fala de algumas viagens que fez. Li o que escreveu sobre o islão ibérico, sobre Lisboa, sobre Oxford (onde estudou... que inveja!) e sobre uma Inglaterra apresentada do ponto de vista literário. Aqui, a autora olha para alguns pontos desse país que estão ligados a autores como Dickens, Emily Brontë, Thomas Hardy e Robert Louis Stevenson. O quinto ponto desse texto fala sobre um espaço que me parece bem próximo da minha ideia de paraíso na terra: um local meio mortiço a que alguém resolveu dar vida fazendo ali uma pequena «cidade de alfarrabistas». Segundo o que ela nos diz, ali encontra-se tudo: mesmo aquelas raridades bibliográficas que já não se vêem em nenhum outro lugar. Neste texto, encontramos um amor aos livros que me faz gostar ainda mais desta senhora. E como este é um sentimento que pede partilha, deixo-vos dois parágrafos que me fizeram sorrir por me terem lembrado de mim, dos meus gostos e insónias em vésperas de dias que me aqueciam o coração.

«Há tempos perguntaram-me se não gostaria de conhecer a Índia. Para espanto do interlocutor, a minha resposta foi negativa, uma atitude que deriva de eu saber que a cultura daquele continente é demasiado diferente da minha, carecendo de muitos anos de leitura antes que possa começar a compreendê-la. É por isso que, em vez de turismo, gosto de voltar aos sítios onde me sinto em casa. Nesta lista, Hay-on-Wye tem um lugar cimeiro. Aliás, em poucos locais fui tão feliz quanto aqui. O prazer que me assaltava quando em criança, antes de iniciar um ano lectivo, me deslocava a uma papelaria, a fim de adquirir lápis, borrachas e cadernos, ressuscita mal lá chego. Tal é a minha excitação que, na primeira noite, nunca consigo dormir.

[...]

Apesar de a maior parte das livrarias de Hay-on-Wye fecharem depois do horário normal, há que preencher as noites. Não é difícil: entre a elaboração da lista de obras a adquirir no dia seguinte e as canecas de cerveja bebidas no Old Black Lyon, o sono não tarda. Se, na primeira noite, se sentir tão frenético quanto eu, lembre-se que o sol se levanta todas as manhãs e que os livros nunca hão-de fugir de Hay-on-Wye.»

Maria Filomena Mónica, Passaporte, Alêtheia Editores, 2009.


sábado, 28 de abril de 2012

Sábados

Gostava tanto de ter um daqueles Sábados em que se acorda, faz-se alguma ronha na cama antes do momento de levantar e devorar um belo pequeno-almoço e em que, depois, se jibóia durante o resto do dia, com uma alegria enorme por ser esse um dia em que o trabalho fica de fora. Contudo, os meus Sábados são SEMPRE dias de preparar as aulas da semana seguinte, de corrigir trabalhos e testes e de preparar materiais para os alunos. Isto chateia um bocado, admito, porque enquanto todos se divertem e dedicam o tempo ao que não podem fazer durante a semana, eu estou fechada, enfocinhada no meio de livros escolares e a escolher os caminhos que os alunos vão trilhar durante a semana.

Aguardo ansiosamente as férias de Verão. Melhor: conto os dias para as férias de Verão como se a minha vida dependesse disso!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Voltas pela Feira IV

E pronto, a terceira voltinha já está e deu nisto:


Quando era pequenita recebia muita banda desenhada. Era a maior fã do Calvin & Hobbes (adoro, adoro, adoro) e também gostava muito de Asterix e Estrumpfes. Mas depois fui crescendo e fui parando de receber livros de quadradinhos. Normalmente também não os compro porque os acho muito caros (sim, sou daquelas que mede o preço pelo número de páginas. Processem-me.). Contudo, hoje lá resolvi comprar dois volumes de Níquel Náusea que são cartoons capazes de nos deixarem com dores nas bochechas de tanta graça que têm.

Fica, desta forma, a faltar-me uma voltinha à feira para comprar um livro de que vou precisar para a escola e que será livro do dia em breve. Ainda assim, vamos lá ver se resisto a voltar lá apenas mais uma vez. É que ficaram lá uns Asterixezitos a cinco euros e umas Isabeis Allendes também a esse preço, que me aquecem muito muito este meu pobre coração. Ai o que eu gosto da Feira do Livro, senhores!

quinta-feira, 26 de abril de 2012

S. Pedro e os livros

Decididamente o S. Pedro achou giro mandar-nos um Inverno sem chuva e uma Primavera sem sol. Até tenho pena dos senhores da Feira do Livro de Lisboa: é que parece que isto vai continuar assim por mais uma série de dias... Até o santo é contra os livros, que é que se pode fazer?

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Voltas pela Feira III

Hoje na Feira do Livro descobri uma série de acessórios para livros (sim, tal coisa existe) de que só mesmo uma viciada como eu gostaria. Trouxe de lá esta pecinha em plástico que serve para manter os livros abertos na página que queremos. Já tinha ouvido falar disto, mas nunca havia visto à venda. Pois cá está e parece que resulta. Veremos se passamos a ser bons amigos.

25 de Abril


O que seria de nós sem este dia? Hoje não vivemos completamente felizes e contentes, mas viveríamos certamente muito pior se este dia não tivesse acontecido.

Não vivi o 25 de Abril: faço parte da geração que aprendeu na escola em que consistiu a chamada «Revolução dos Cravos». Todavia, sempre que penso nesta data nunca consigo evitar uma ideia que me parece lindíssima: só mesmo num país de poetas se poderia fazer um golpe militar sem tiros, mas com flores. O nosso país foi, no dia 25 de Abril de 1974, um poema vivo que importa recordar e amar.

Voltas na Feira II

Ora e até agora a colheita na Feira do Livro vai sendo assim:


Não me parece mal tendo em conta que abriu ontem. Brevemente farei a terceira voltinha. Só espero que seja com menos chuva porque hoje foi terrível...

Em Abril águas mil...

É incrível como todos os anos acontece o mesmo: no dia em que planeei ir à Feira do Livro e passar a tarde por lá a virar aquilo tudo, pumba, sai-me chuva. Mas é que acontece toooodos os anos! Só para que se veja, no ano passado, num dos dias em que fui, andei por lá de chapéu de chuva e noutro dia em que fui sozinha houve uma tempestade de tal violência em Lisboa que tive de voltar de taxi para casa. Ao chegar à minha zona deparei-me com inundações, pilhas de gelo com metade da minha altura e prédios cujas claraboias haviam desabado.

Diz-se que «boda molhada é boda abençoada». Quanto à Feira do Livro custa-me um pouco a acreditar que assim seja, até porque as vendas reflectem, certamente, este tempo fabuloso. Ora, eu até nem faço parte do coro de vozes que pragueja muito contra a antecipação da Feira para o mês de Abril. Sempre apreciei a mudança, até porque aqueles dias de Junho em que a roupa já se cola a pele devido ao calor tornavam a subida do Parque Eduardo VII um suplício. Agora, também já me parece um exagero que TODOS os anos andemos no mesmo: chuva, chuva, chuva e toda a gente a berrar que não se vende porque chove. Minha gente, antecipem a Feira que eu acho muito bem, mas se calhar Abril não é, mesmo, uma boa ideia. Maio é bem bonito. Que tal?

terça-feira, 24 de abril de 2012

Na FLUL

Fui pela segunda vez convidada para ir falar a um seminário de formação de professores. Já tinha ido em 2010 e voltei a ir hoje. Também eu, em tempos de mestrado, frequentei aqueles seminários e, por isso, nunca me imaginei a ter neles o papel de convidada que vai falar do seu trabalho e daquilo que sabe aos futuros professores (alguns mais velhos do que eu). Mas a verdade é que das duas vezes em que o fiz fiquei muito satisfeita por perceber que já tenho qualquer coisa para partilhar e que, de algum modo, contribuo para a formação dos meus colegas. E mais: o facto de o poder fazer na casa que me formou e que me deu as ferramentas necessárias para hoje conseguir dar aulas nas escolas e, ainda, partilhar conhecimentos com os alunos do Mestrado em Ensino deixa-me duplamente satisfeita. A Faculdade de Letras de Lisboa (com quem tanto me irritei) deu-me muito e a palestra de hoje foi a minha modesta forma de lhe agradecer.


Voltas na Feira I

E já está: a primeira ida à Feira do Livro já aconteceu. É verdade que só visitei metade porque em determinado momento o cansaço venceu a vontade de folhear uns livritos novos. Contudo, consegui dar início ao campeonato «Vamos-lá-ver-quantos-livros-novos-arranjas-este-ano-e-onde-raio-os-vais-arrumar». Por cinco módicos euritos trouxe para casa um volume do senhor Balzac que não tem espaço em prateleira nenhuma, mas que eu prometo fazer feliz, amar e respeitar, na saúde e nos ataques de traças. Amén.


Nota: Imagem retirada da página da WOOK.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dia Mundial do Livro


Diz-se que no dia 23 de Abril de 1616 terão morrido dois génios da literatura: Cervantes e Shakespeare. Se sobre o primeiro não restam grandes dúvidas, quanto ao segundo há quem diga que não morreu nesta data. Seja como for, o vigésimo terceiro dia do mês de Abril é dedicado aos livros e à leitura o que, diga-se, vai já sendo tema raro nas conversas deste mundo.

Eu cá vou fazendo a minha parte: todos os dias tento que os meu alunos, dos mais novos aos mais crescidos, olhem para os livros com bons olhos, que os queiram e os procurem. Na maior parte do tempo sinto-me como se chovesse em chão molhado, mas por vezes lá vejo uma ou outra atitude que me leva a crer que ainda há esperança. Custa-me muito que as pessoas não leiam e não percebam a importância desse acto. Muitos são os que teriam gostado de aprender a ler e que não o puderam fazer, mas acho que são ainda mais os que, tendo aprendido, ignoram essa competência por acreditarem que não tem qualquer serventia. Os livros lá vão ficando nas prateleiras, à espera de olhos que os queiram olhar, de dedos que os queiram folhear. São pacientes e fiéis: aguardam-nos durante séculos.

Nos livros está tudo. E se é certo que hoje muito do que se publica não merece a nossa atenção, também é verdade que não faltam livros de hoje e de outros tempos cheios de qualidade e que merecem leitores. Assim sendo deixo-vos um recado: a partir de amanhã estará aberta a 82.ª Edição da Feira do Livro de Lisboa e lá será possível encontrarem-se livros para todos os gostos, dos mais canónicos aos mais light. Ali estará um mundo de papel à nossa espera. Para mim é mesmo o melhor acontecimento da cidade de Lisboa, por isso irei logo que possível. Espero encontrar-vos por lá!

Entretanto, vão lendo. Eu continuo com o livro Terra do Pecado. E vocês, o que andam a ler?...

Praxes fora de época

Alguém me consegue explicar por que razão uma boa dúzia de universitários do primeiro ano estavam hoje, junto ao Centro Comercial Colombo, a ser praxados por uns cinco ou seis colegas trajados a rigor? É que ou eu estou muito desnorteada ou já estamos quase no final de Abril. E se a memória não me atraiçoa, as aulas costumam acabar no final de Maio, logo as praxes, nesta altura do campeonato, já não fazem muito sentido (como se alguma vez fizessem...). No início do ano, a coisa ainda se entende: funcionam como uma espécie de recepção totó aos novos alunos, mas no fim serve para quê? Para os supostos «veteranos» se divertirem mais um bocado? Só pode.

Na minha modesta opinião, o que esta gente tem é muito tempo livre. No meu tempo, em Abril, estudava-se.

domingo, 22 de abril de 2012

Já lá vão 10 000


É com todo o prazer que anuncio que o blogue «As Minhas Quixotadas», que é um menino com menos de seis mesinhos, chegou às dez mil visitas. Já agradeci várias vezes aos que por aqui passam quase diariamente para espreitar o que vai havendo de novo, mas faço-o hoje novamente.
 
 
Este blogue tem dias: dias em que estou demasiado cansada para escrever, dias em que tenho coisas alegres para contar, dias em que falo de livros (quase todos), dias em que reclamo com o universo, entre muitos outros. Mas o que este espacinho tem de melhor é mesmo o facto de haver sempre alguém que pára para ler o que escrevo. Mais: haver gente que lê e deixa a sua pegada com comentários sempre simpáticos e que me fazem ter mais vontade de vir aqui largar mais umas «quixotadas». Ora, assim sendo, fico muito agradecida por cada uma destas dez mil visitas catitas. Foi um gosto.

Maldito relógio

Tenho a impressão de que ao Domingo o relógio até avança mais depressa. Não tarda muito e já tenho de estar a trabalhar outra vez e a dar cabo desta voz que Deus me deu. Nossa, que biolência!

Nota: Já agora fica o recadinho aos senhores que engendram a formação de professores: para quando disciplinas de preparação e colocação de voz? Em vez de coisas sem jeito como Teoria do Currículo e Escola como Organização Educativa, que tal ensinar matérias que poupam a saúde vocal dos professores? Cheira-me que se não trato desta falha na minha formação, chego aos trinta anos completamente afónica. E olhem que eu até tenho uma voz potente...

Faltas de açucar

Percebemos que dar aulas é coisa extenuante quando no hipermercado compramos um pacote XL de M&M's para levar para a escola e devorar nos intervalos. Importa repor os níveis de açucar que as criancinhas nos sugam. Por isso, espero que em breve se comecem a vender pacotes de paciência em pastilhas, que preciso de ir repondo isso também.



Bom Domingo!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Saramaguices

É com algum embaraço que digo que deixei o Ensaio Sobre a Lucidez sem o terminar. Detesto deixar livros sem acabar de os ler, mas a verdade é que tenho o cérebro demasiado esgotado para aguentar mais duzentas páginas (era o que faltava) de uma metáfora política. Adoro Saramago, não descansei enquanto não comprei todos os seus livros e leio-os muito vagarosamente para aproveitar tudo o que têm para me dar. Contudo, a papa que me recheia a cabeça (sim, porque duvido que o meu lindo cérebro se mantenha no estado sólido que seria esperado) não estava a aguentar, após dias de trabalho intenso, páginas e páginas de um texto sobre votos em branco e um regime que quer saber por que razão a maioria não colocou cruz alguma no boletim de voto. Devo, ainda assim, dizer que há naquele livro frases fabulosas, semelhantes a muitas outras a que José Saramago nos habituou.

Ora, como não consigo estar sem ler um livro, deixei o Ensaio Sobre a Lucidez, mas iniciei logo outro... também de Saramago. Desta feita fui até ao seu primeiro romance, Terra do Pecado, de 1947. Nele, encontramos uma escrita muito canónica, sem as características que estamos habituados a encontrar  desde o romance Levantado do Chão (inclusive). Embora estejam lá algumas sementinhas do que veio a ser o grande Saramago da década de oitenta e noventa do século XX, percebe-se bem que aquilo era só o início do percurso. Fazendo contas de cabeça, por alturas da publicação de Terra do Pecado, Saramago teria vinte e cinco anos, pouco menos do que a idade que eu tenho agora e nota-se bem que aquele texto é o primeiro ensaio de alguém que quer escrever. Melhor: de alguém que lá leu este mundo e o outro (curiosamente, uma expressão que deu nome a um dos seus livros) e que agora quer passar para o outro lado e tornar-se escritor. Encontro ali frases feitas, ou seja, expressões a que os autores recorrem de vez em quando, principalmente quando a experiência ainda não é muita, e que não encontro nos livros de um Saramago mais tardio (aí o que vejo é um autor que põe os seus narradores a desconstruir tudo o que é provérbio e frase batida). Todavia, tem a sua graça ler aquele que foi o primeiro passo num mundo que depois dominou como um mestre.

Mas, minha gente, aquilo de que mais gostei até agora no primeiro romance de Saramago foi do «Aviso» escrito por ele e que antecede a narrativa. No fundo, o autor apresenta-se e só lamento não encontrar uma data nesse aviso, pois gostaria muito de saber quando foi produzido. A ter sido na mesma altura que o romance, então atrevo-me a dizer que ali sim, ali encontramos os primeiros traços do Saramago que todos conhecemos. Se, por outro lado, o texto é posterior (muito ou pouco) à escrita de Terra do Pecado, então o que ali está é mais um texto deliciosamente «saramaguiano» e que nos incute desde o início alguma simpatia para com aquele autor iniciante. Deixo-vos um pedacinho desse texto que serve para conhecermos um pouco melhor o nosso Nobel. Depois vou ler mais umas páginas.

«O autor é um rapaz de 24 anos, calado, metido consigo, que ganha a vida como praticante de escrita nos serviços administrativos dos Hospitais Civis de Lisboa, depois de ter estado a trabalhar durante mais de um ano como aprendiz de serralharia mecânica nas oficinas dos ditos Hospitais. Tem poucos livros em casa porque o ordenado é pequeno, mas leu na biblioteca municipal das Galveias, tempos atrás, tudo quanto a sua compreensão logrou alcançar. Ainda estava solteiro quando um caridoso colega da repartição, segundo-oficial, de apelido Figueiredo, lhe emprestou trezentos escudos para comprar os livrinhos da colecção «Cadernos» da Editorial Inquérito. A sua primeira estante foi uma prateleira interior do guarda-louça familiar. Neste ano de 1947 em que estamos nascer-lhe-á uma filha, a quem medievalmente dará o nome de Violante, e publicará o romance que tem andado a escrever, esse a que chamou A Viúva mas que vai aparecer à luz do dia com um título a que nunca se há-de acostumar. Como no tempo em que viveu na aldeia já tinha plantado umas quantas árvores, pouco mais lhe resta para fazer na vida. Supõe-se que escreveu este livro porque numa antiga conversa entre amigos, daquelas que têm os adolescentes, falandos uns com os outros do que gostariam de ser quando fossem grandes, disse que queria ser escritor. Em mais novo o seu sonho era ser maquinista de caminho-de-ferro, e se não fosse por causa da miopia e da diminuta fortaleza física, imaginando que não perderia a coragem entretanto, teria ido para aviador militar. Acabou em manga-de-alpaca do último grau da escala hierárquica, e tão cumpridor e pontual que à hora de começar o serviço já está sentado à pequena mesa em que trabalha, ao lado da prensa das cópias. [...]»

Termina o texto dizendo que a julgar pelo que sucedeu a este livro (a que não foi dada muita atenção, na época) «o futuro não terá muito para oferecer ao autor de A Viúva». Ele sabia lá...


Notita: A fotografia da capa do livro saiu da página da WOOK.

Cansaço auditivo

Hoje dei por mim a perceber que falo tanto (e tão alto) durante a semana que chego a sexta-feira para lá de farta de me ouvir. Será normal?...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Vida difícil

Hoje de manhã, ao acordar, ouvi a chuva a cair. E se neste momento estão a pensar que esta será uma quixotada poética sobre o som da chuva e o cheiro da terra humedecida pelo dom da água que os céus nos concedem finalmente, fujam já daqui que não será nada disso. Ora, continuando, acordo cedinho, ouço a chuva e penso «&%#-$€, está a chover! Logo hoje que tenho de andar bastante!». Vou vestir-me e tal, ponho uma camisinha branca sob a camisola quentinha para dar um ar muito profissional e vejo-me na hora de escolher os sapatinhos. «Ai diabo, está a chover e eu mandei fora as botas rasteiras para a chuva...», pensa esta cabecinha ainda mal acordada e já perto da hora de sair de casa para ir trabalhar. Vou até às prateleiras com as muitas caixas de sapatos e concluo que, estando a chover e tendo aquela roupa vestida, ou levo sapatos e molho os pés, ou levo as botas mais altas que tenho, mas que são quentinhas e não deixam entrar água.

Ó decisão maldita que não te apartaste de mim enquanto me não viste na rua montada nuns dez centimetros ligeiramente compensados à frente. Ao chegar ao meio da rua, amaldiçoava já as botas, os pés, a muy odiada calçada portuguesa e o mundo de uma forma geral. Tenho a impressão de que ao chegar à escola a raiva já tinha chegado a pontos inéditos: se me passasse diante das vistas um unicórnio rosa a distribuir amor e a espalhar pó de fadas pelos transeuntes, ainda assim provavelmente eu excomungaria o mundo e as botas, a calçada molhada e as muitas horas que ainda teria pela frente em cima delas. Enfim... À tarde, já meio conformada com a estupidez, sou informada de que me devo dirigir ao edifício tal para fazer isto e aquilo antes da aula seguinte. Lá arrasto eu os meus pés sofridos por paralelos mais desalinhados do que as nossas contas públicas. Lanço três ou quatro pragas contra a sorte maldita que fez com que no dia em que escolhera aquelas torres para calçar, toda a gente tivesse de achar que eu devia caminhar para a outra ponta do universo. Suspiros e mais suspiros, um ou outro palavrão engolido porque uma professora não pode dizer essas coisas e lá chego ao final do dia. O chão ainda molhado, a calçada ainda a existir para ser palmilhada (e dinamitada, sugiro eu) e os meus pés armados em Zés Povinhos a fazerem-me manguitos. Chego a casa e descalço as botas: parecem estar coladas aos meus pés. Paro, olho para as prateleiras com as caixas de sapatos e pergunto-me como raio consegue uma pessoa que tem mais de meia centena de pares de sapatos não ter NEM UM PAR DE BOTAS RASTEIRAS BOAS PARA A CHUVA! Ó sorte macaca... Depois de um dia a galopar sobre dois objectos de tortura esteticamente muito interessantes, acabo eu armada em Zé Povinho, figura odiosa, é preciso que se diga, a fazer manguitos a mim própria e à minha supina falta de jeito para tomar decisões matinais.

Oração

Querida entidade superior a mim,

Dá-me saúde e paciência para aturar a burocracia em torno do mundo escolar e acelera um nadinha o calendário para que o dia 20 de Junho (dia a seguir aos exames nacionais) chegue depressa, antes que eu me desintegre em cansaço e desnutrição por falta de tempo para comer.

Amén!

Raça da memória

Durante o dia, sem o computador ao lado, ocorrem-me mil e quinhentos temas para uma quixotada. Contudo, no final do dia depois de chegar a casa pareço uma parolita cançada a olhar para o ecrã e a esforçar-me por me lembrar dos temas em que pensara quando ainda estava quase fresca como uma alface.

A minha memória, que até costuma funcionar muito bem, tem dificuldades em sobreviver a esta vida maluca que tenho experimentado. Portanto é esperarem mais um bocadinho que lá para o final do 3.º período hei-de aparecer-vos aqui a perguntar de quem é este blogue tão giro, tal vai ser a chacina de neurónios e da minha capacidade de memória.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

Bonitinho

E o bonito que está o nosso Google hoje? Até dá gosto ver relembrado um dos nossos grandes autores, e precisamente aquele que um dia ditou com tanta propriedade «As Causas das Decadências dos Povos Peninsulares». E como tinha (tem) razão!...


(Pelo 170.º aniversário de Antero de Quental)

terça-feira, 17 de abril de 2012

A Menina Quer Isto XI

Personagens quixotescas? Claro que a menina quer isto! Feira do Livro, estou à tua espera!!!

Nova leitura

Estive a fazer contas e já li doze livros este ano. Por acabar deixei dois: um porque me parecia fraquinho e baseado em informação pouco credível e outro porque era de contos e, no que aos contos diz respeito, não gosto de os ler de seguida. Leio um agora, outro depois...

Ora ontem foi dia de dar início a mais um livrinho e o feliz contemplado a sair da prateleira e a arejar durante uns dias foi o Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago. Até agora estou a gostar, embora não seja nenhum Memorial do Convento ou um Todos os Nomes. Devo, contudo, dizer que a escrita deste senhor é tão fabulosa quanto inesperada. Ora vejam lá esta frase que me deixou a rir à gargalhada e descubram a palavra «intrusa»: «Na verdade, acrescentou, estamos aqui como náufragos no meio do oceano, sem vela nem bússola, sem mastro nem remo e sem gasoil no depósito [...]». Maravilhoso!


Nota: A minha capa ainda é das antigas, cor de ovo. Gostava mais: acho estas muito berrantes. As outras eram mais misteriosas...

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Reivindicação

Estou a pontos de iniciar um movimento que garanta aos professores canetas, papel e tinteiros de graça. A sério: apetece-me chorar a cada vez que o tinteiro começa a gemer que está a chegar ao fim. É que se uma caneta ainda vai sendo barata, o tinteiro não o é lá muito e, convenhamos, que são tão pequenos que duram pouquíssimo. Resultado: a carteira escancara-se vezes a mais para o meu gosto de modo a trazer para casa mais um reles potinho de tinta que durará o tempo de um «ai!».

Alguém se junta a mim neste movimento?...


domingo, 15 de abril de 2012

De coração apertado

Passei sete anos no ensino superior. Entre uma licenciatura pré-Bolonha e um mestrado profissionalizante, os meus pais deixaram rios de dinheiro da universidade que frequentei. Materiais, alimentação, transportes e propinas eram as razões que nos faziam passar a vida de carteira aberta. Felizmente nunca se colocou a hipótese de ter de desistir por falta de dinheiro, mas sei que em alguns meses a coisa não foi fácil. Cheguei ao fim do segundo ciclo de estudos e despedi-me do ensino superior. Os meus pais respiraram de alívio e eu também: estava cansada de estudar e eles de pagar.

Hoje ao ver a reportagem que a SIC transmitiu, intitulada «Abandono Silencioso» e que versava sobre os jovens que desistem dos estudos universitários por falta de dinheiro, confirmei aquilo que já sabia: fui uma grande sortuda. Pude, durante sete anos, fazer aquilo que queria e ganhar as competências necessárias para agora ver o retorno do meu esforço... e do deles. Sabia que não era nada fácil despender tanto dinheiro para os meus estudos todas as semanas, todos os meses, todos os anos, mas os meus pais, a quem agradeço de coração, fizeram-no até ao fim. E, note-se, cá em casa nunca se soube o que era ter uma bolsa de estudo.

Vi na reportagem da SIC alguns alunos que conheci de vista enquando frequentava a Faculdade de Letras de Lisboa e fiquei de coração apertado por perceber que aqueles alunos tinham tanta vontade e tão poucas condições para alcançar o sonho. Já sabia que isto acontecia pois enquanto estudava deparei-me mais do que uma vez com a pobreza de alguns alunos e sempre fiquei fisicamente maldisposta por ver que tantos faziam omeletes sem ovos, que ninguém os ajudava, que passavam mal todos os dias e que passavam fome. Fome, minha gente. Fome a sério. Ninguém devia passar fome, nenhum estudante devia ter de escolher entre as fotocópias de que precisa e o almoço que o vai manter de pé. Mas isto acontece sem que os serviços sociais façam alguma coisa, sem que as famílias se possam espremer mais para descobrir dinheiro onde ele não existe, sem que olhemos com olhos de ver para isto que se passa à nossa volta... E acontece no mesmo sítio onde existem alunos que se arrastam durante anos, que gastam este mundo e o outro em cerveja e que se limitam a passear os livros que raramente chegam a abrir.

Ao ver a reportagem dei por mim a pensar, por exemplo, no dinheiro que o Governo foi investindo em meninos que não queriam estudar nem trabalhar e que frequentavam os Cursos de Educação e Formação nas escolas secundárias precisamente porque ali engonhavam mais uns anos e o Estado Português pagava. Óptimo. Enquanto isso, universitários que efectivamente queriam estudar e dedicar-se a um curso que um dia lhes desse (?) alguma coisa viviam sem um tostão no bolso, sem ajudas, e a acumular dívidas às universidades. As bolsas são risíveis, as propinas só aumentam, os livros não ficam mais baratos e, para cúmulo, a restauração viu o I.V.A. aumentado em dez porcento desde o início do ano.

Isto entristece-me. Sempre tive consciência de que era muito difícil ter um filho no ensino superior, mas estamos a chegar a um ponto em que parece ser impossível. Claro que as famílias também têm de ter alguma consciência da realidade e, nos casos em que isso é possível, evitar vôos que só podem acabar em queda (refiro-me aos casos de alunos com uma família muito numerosa e com meios económicos escassos e que, mesmo assim, resolvem tornar-se alunos deslocados, aumentando consideravelmente a factura mensal para os estudos). Mas mesmo assim, creio que estes estudantes merecem consideração e respeito. Todos sabemos encher a boca para criticar os alunos que nada fazem e que não querem saber dos estudos. Pois estes são o oposto e parece-me que vão sendo muito ignorados. Oxalá a reportagem acorde quem parece estar adormecido, embora me custe a acreditar verdadeiramente nisso...

Pechinchas

Já vos disse que ADORO feiras de artesanato e velharias? Pois, hoje foi mais uma e eu e o meu moço fizemos uma colheita muito catita numa banquinha em que a senhora resolveu vender livros da nossa juventude a uns módicos cinquenta cêntimos a unidade. Resultado: dois sacos cheios de coisinhas boas. Para além dos da colecção Uma Aventura, ainda trouxe um volume de contos de Alexandre Puchkine e um livro que que seria de supor que já tivesse (Porquê Ler os Clássicos?, de Ítalo Calvino), uma vez que o utilizei tanto quando estava a escrever a tese, mas que nunca cheguei a comprar. Quando se está num Mestrado, há tantos livros que é preciso comprar que alguns acabam a ter de ser requisitados. Foi o que aconteceu com este, na edição da Teorema, que veio cá para casa por três euritos.

Está bem claro que nunca conseguirei acabar o inventário dos meus livros, mas não faz mal: é bom sinal. Livros, livros, vinde a mim!

sábado, 14 de abril de 2012

Coisas preferidas XVI

Acho que já todos perceberam que adoro Viana do Castelo, que a acho uma cidade linda e que gostava muito de viver para aqueles lados. Ora, àquela cidade não falta nada para ser perfeita e, por isso, a gastronomia é de fazer uma pessoa perder a cabeça. Normalmente quando chego de Viana dizem-me sempre que venho mais gorda (o que não é muito simpático), mas venho feliz e com o estômago bem mais do que aconchegado. Sim: porque as gentes vianenses cozinham bem que se fartam e em porções muitíssimo generosas. Uma pessoa bem tenta resistir e tal, mas cai sempre em tentação, amén.

Já tive muitos restaurantes de eleição em Viana. Gostava muito de um que entretanto se tornou bastante javardo e, por isso, desisti de ir lá. Já me apaixonei por outros dois restaurantes, mas desde há uns dois anos que deliro com um que me passou despercebido durante os primeiros anos em que visitei a cidade. O restaurante de que falo existe noutras cidades (Braga, Porto e Póvoa do Varzim), mas só ainda o experimentei em Viana do Castelo. Chama-se "O Bodegão" e fica no último piso do Shopping Estação Viana. Serve sobretudo comida tradicional portuguesa e funciona em duas vertentes: serve pratos mais económicos para quem vai ficar a comer com o seu tabuleirinho na praça da restauração do centro comercial e serve, por outro lado, refeições um pouco mais caras (nada de extraordinário) a quem se senta no interior do restaurante e é servido pelos seus funcionários.

A comida, minha gente, é estupidamente boa. As tranches de vitela na sertã (cuja foto aqui vos deixo) são divinais. A picanha é de levar às lágrimas de tão boa que é e, segundo o meu moço, a francesinha também é maravilhosa (não aprecio francesinhas, mas acredito nele). Servem, também, uns medalhões no espeto que parecem pecado. Enfim, tudo o que por lá experimentei deixou-me satisfeita ao ponto de vir para aqui recomendar-vos aquele pequeno paraíso gastronómico.

Contudo, o que torna aquele restaurante num sítio a que apetece voltar, não é apenas a comida: também os funcionários merecem uma palavrinha neste «Coisas Preferidas». Desde que vamos lá que somos bem atendidos, sempre com mais atenção do que os costumeiros «então o que é que vai ser?». Há um funcionário brasileiro que é de uma simpatia e cordialidade como se vê pouco. Não se limita a servir-nos: pára para conversar um pouco com os clientes e procura, realmente, proporcionar-nos uma refeição de qualidade. Também um outro rapaz (que ainda não percebi se é dono, gerente ou chefe de sala) é simpatissíssimo e muito preocupado com o bem-estar de quem frequenta o estabelecimento. Em suma: é um lugar muito aprazível, com uma decoração acolhedora e onde os funcionários (que trabalham que se fartam) são muito simpáticos. Aconselho vivamente a que dêem lá um pulito e a que experimentem as boas das tranches de vitela na sertã, acompanhadas com uma sangria de espumante. E, já agora, para sobremesa, provem o estupidamente bom bolo de bolacha e moka (oh meu Deus, é tão bom!) ou a baba de camelo.


Novas profissões

Uma aluna do 5.º ano disse-me que gostava de vir a ser youtuber (nem sei se é assim que se escreve). Depois explicou-me, perante a minha cara de profunda incompreensão, que queria ser paga para colocar vídeos no Youtube e de receber dinheiro «para ir a festas como a Paris Hilton, está a ver?».

E eis como ali, diante de uma criança de dez anos, fiquei a saber:

a) o que é um youtuber;
b) que há quem seja pago para pôr vídeos no Youtube;
c) que há jovens que querem ser como a Paris Hilton (na minha interpretação: profundamente inúteis);
d) que querer ser veterinário, médico, professor e advogado começa a ser coisa do passado para alguns miúdos...

Medo, minha gente, tenho muito medo.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Parece anedota, mas não é

Parece uma anedota, mas não é. Ora vejam lá a história que me contaram hoje. Passou-se entre uma directora de turma e uma encarregada de educação de um miúdo do terceiro ciclo enquanto conversavam por telefone. O aluno havia faltado a um dos momentos de avaliação e a mãe era contactada para se chegar a um acordo sobre o que fazer em seguida. A dada altura o diálogo torna-se mais ou menos este:

D.T. - Olhe que o J. não veio fazer o teste e nós marcámos uma outra prova de substituição, como sabe. A professora estava cá, mas ele não apareceu.

Mãe - Ai apareceu sim, que ele foi aí e os colegas todos dizem que ele foi. A professora é que não estava!

D.T. - Desculpe, mas a professora estava cá. E eu falei com o seu filho e ele foi extremamente mal educado comigo, além de que estava com os olhos brilhantes por ter andado a fumar aquelas coisas que bem sabemos.

Mãe - Estamos a falar da educação do meu filho e não dos olhos dele.

D.T. - Pois, mas um jovem quando esta «charrado» não pode fazer um bom trabalho na escola.

Mãe - Olhe, desculpe, mas eu também fumei charros quando era nova e licenciei-me.

E pronto, foi isto. Parece-me que há pais que, na ânsia de passarem a mão pelo pelinho dos meninos, não vêem os disparates que dizem e fazem, nem o perigo que os miúdos correm. Não sei onde se pretende chegar com esta atitude que tudo desculpabiliza, em que nada é errado e em que tudo «faz parte». Não sei que ensinamentos terá esta senhora para dar ao filho, mas se calhar a directora de turma ficou agora a perceber muito melhor o pouco empenho e educação do aluno. Com uma mãe assim, como poderia ser de outra forma?...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

As árvores e os livros

AS ÁRVORES E OS LIVROS

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: "Floresta das zonas temperadas".

É evidente que não podes plantar,
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

               Jorge Sousa Braga, Herbário, Assírio  Alvim Ed.,
                                                      Novembro de 2002

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sem palavras

O presidente do Gil Vicente prometeu champanhe «do bom» aos pobres e sem-abrigo da cidade durante uma semana em casa dele caso o clube ganhe a taça. Estou sem palavras.

terça-feira, 10 de abril de 2012

MAC

Eu nasci na Maternidade Alfredo da Costa e sempre ouvi falar bem de quem lá trabalhava. Pelo que a minha mãe me conta, se não fosse a atenção de uma médica de lá, talvez hoje não estivesse aqui a escrever isto. Sempre fui ouvindo o que diziam pessoas que por lá passavam e foram muito poucos os testemunhos negativos sobre aquele espaço. Pelo que percebia, a equipa era fantástica e as instalações iam recebendo melhorias que a iam tornando cada vez mais capaz. Ali nasceu, provavelmente, metade da cidade de Lisboa: por estes lados, quem não nasceu na MAC (S. Sebastião da Pedreira), nasceu em São Jorge de Arroios (Hospital D. Estefânia).

Mas agora parece que a MAC, que concentra em si uma série de valências e que está bem no centro da cidade, já não serve. Agora importa empurrar partos e utentes para o S. Francisco Xavier e para o Santa Maria. Agora a MAC tem de ir pelo mesmo caminho já trilhado por escolas, centros de saúde, hospitais e outras maternidades por esse país fora (coisa que fez já muitos nascerem em ambulâncias nas auto-estradas). Nunca pensei que isto viesse a suceder com uma maternidade com a dimensão, o reconhecimento e a história da MAC, mas pelos vistos eu é que sou ingénua. Nada escapa a esta gente, nada é imune a decisões que ninguém percebe. Fechar uma maternidade como esta para espalhar utentes por hospitais não tão centrais (o S. Francisco Xavier não é, de todo, tão acessível quanto a MAC) parece-me uma daquelas decisões tão ponderadas quanto as que eu tomava aos dez anos e que envolviam os desenhos animados que queria ver na televisão.

Escrevo isto enquanto assisto às imagens do cordão humano que está a ser feito junto à MAC e escrevo-o com pena por não estar lá com aqueles  médicos, enfermeiros, pais e filhos. Hoje também eu gostava de abraçar o sítio onde nasci.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Presentinho

O meu amorzito viu-me namorar este livro e ofereceu-mo. É um santo este homem! Muito agradecida! Purr purr!


Ah, a Juliana que dá nome ao livro foi uma das filhas da Marquesa de Alorna. Agora deu-me para isto, que hei-de fazer?...

Livrinho novo

Olhai, olhai o que comprei hoje em Viana! Nada mais, nada menos do que um livro sobre a história do livro e carregadinho de fotos deliciosas! Até tem um capítulo dedicado ao meu eterno amor literário, Dom Quixote de la Mancha.



Voltei (mas gostava de ter continuado lá...)

Pois que estou de volta, minha gente. Não sei se deram pela minha ausência, mas andei por terras de Viana do Castelo a experimentar uma Páscoa nova. Já lá fui muitas vezes no Verão, mas assim noutra altura do ano foi mesmo a primeira vez. E, como seria de esperar, fiquei fã. Desta vez conheci uma cidade calminha onde à noite se vê pouca gente, limpíssima e cheia de iniciativas. Sem romaria e sem farra: conheci Viana como é durante os outros dias do ano.

Para mim é a cidade mais bonita em que já estive. Trocava Lisboa por Viana num piscar de olhos e acho que não me arrependia. Como pude ver as pessoas na sua vida normal, fora de uma farra como é a Senhora d'Agonia, em Agosto, percebi que vivem a um ritmo muito menos acelerado do que nós, que se arranjam com um cuidado que mesmo em Lisboa já vai sendo raro, que aproveitam todos os momentos do dia, seja junto ao rio, seja numa esplanada, seja no shopping. É óbvio que nem toda a gente vive esta vidinha boa, mas pareceu-me que muitos o faziam e acho que esses durarão mais anos do que eu, que mal me consigo coçar. Mas vivendo ou não esta existência sossegada e quase principesca, as pessoas são de uma simpatia como ainda não encontrei igual. São conversadoras, acolhedoras, sorridentes e só por isso estar lá já é um descanso.

Enfim, Viana do Castelo é uma cidade perfeita e a própria publicidade que lhe é feita em slogans que ficam no ouvido não podia ser mais adequada. Se é verdade o que se diz sobre Viana, que «Quem gosta vem, quem ama fica», também é verdade aquilo que dizem os autocolantes à porta dos estabelecimentos comerciais: «Viana fica no coração». Tem ficado sempre.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Da ASAE, de fedores intensos e de gente pedante

Hoje fui com um amigo assistir a uma conferência sobre o livro Dom Quixote de la Mancha, na Casa Fernando Pessoa . Como era a primeira vez que íamos lá, resolvemos encontrar-nos no Rato e começar ali a pedir indicações. Lá parámos numa pastelaria (e eu cheia de vontade de ficar já por al a merendar porque tinha um rato a agigantar-se no estômago) e lá nos deram as indicações de que precisávamos. Começámos, enfim, a subir a Rua do Sol ao Rato, tal como o senhor aconselhara, mas, chegados lá acima, ficámos sem saber para onde ir. Parámos numa mercearia e voltámos a perguntar. Um senhor respondeu-nos apontando e dizendo que devíamos ir naquela direcção. O problema foi que o meu colega percebeu que era para baixo e eu percebi que era para cima. Subimos, subimos, subimos e Casa Fernando Pessoa nem vê-la. Eu estava a usar uns sapatos novos que me mordiam os pés, por isso amaldiçoava a minha sorte e praguejava muito contra o desgraçado do Fernando Pessoa (de quem não gosto muito, perdoem-me) por ter arranjado uma casa no fiofó de Judas. Enfim, já completamente perdidos, entrámos numa loja de roupa infantil para pedirmos novas indicações. A senhora que nos atendeu estava ainda mais perdida do que nós, por isso aconselhou-nos a perguntarmos no café ao lado. Lá vamos nós até ao belo do café (tasca) cheia de tipos a sugar cerveja. Enquanto o meu colega perguntava, eu apreciava o sítio e tirava grandes conclusões. Ali percebi para que é que a ASAE existe e concluí que desconhece totalmente aquele estabelecimento já que de outra forma ele estaria encerradíssimo e provavelmente já haveria sido implodido. O cheiro dentro daquele café era indescritível: parecia que albergavam um morto lá dentro e que faziam colecção de meias sujas. Mais: o cheiro fazia crer que o pessoal ia pôr os cães a urinar dentro do café. Conseguem imaginar? Os frascos com os temperos que o senhor tinha em cima do balcão pareciam ser do tempo do terramoto lisboeta e antes da reconstrução pombalina. Saí de lá com o nariz zangado por ter sido exposto a tamanha javardice. Mas o mais engraçado é que apesar de aquele café ser a maior espelunca que o mundo já viu, a verdade é que estava cheio. Enfim, vá-se lá perceber...

O senhor da tasca lá nos deu as indicações, mas ficámos tão entorpecidos com o cheiro que nos esquecemos delas. Ainda voltámos a perguntar mais duas vezes e finalmente, quase uma hora depois, lá chegámos à Casa Fernando Pessoa. Ouvimos a conferência que começou com um autodenominado «académico» a mandar vir com o conferencista pelo quarto de hora de atraso com que chegou e que concluiu com um monte de senhoras a lamberem as botas ao mesmo conferencista, recitando de cor um poema do António Gedeão sobre o Quixote. Quase se matavam a discutir sobre as edições do Quixote em Portugal e eu, que até sei umas coisas sobre o assunto, sossegadita no meu cantinho a ver o pedantismo da coisa. Já meio enjoada com tanta graxa e mais esfomeada do que o Sancho Pança em oitenta por cento das páginas que compõem a obra, tive de vir embora (alguém ao meu lado estava com um ataque de riso: era melhor ir embora antes que a coisa descambasse).

E pronto, hoje foi isto. Agora vou ali tratar das bolhas nos pés que me sobraram de tão desnorteada caminhada... Ai Quixote, a quanto me obrigas!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quase, quase, quase...

Mais novecentas e trinta e seis visitas e o blogue «As Minhas Quixotadas», que faz amanhã cinco mesitos, chega às dez mil "aconchegadelas" (nome pomposo que dou às visitas). Que tal? Nada mal, han?...

Menina inteligente


Eis a prova de que a Lisa Simpson é muito mais inteligente do que muita gente que conheço.


Notita: Imagem retirada de http://lisasimpsonbookclub.tumblr.com/

Falta de civismo e maus fígados

Hoje, no hipermercado, coloquei as minhas coisas no tapete e pus no meio delas a marca que separa as compras porque ia dividir as contas e pagá-las separadamente. A senhora idosa que estava atrás de mim tira essa marca de onde eu a tinha colocado e põe-na entre as minhas coisas e as dela. Eu, pensando que ela se tinha enganado, agarrei-a novamente e coloquei-a no sítio onde a tinha posto inicialmente. Ela volta a tirar a marca, a pô-la entre as minhas compras e as dela, batendo com ela no tapete e dizendo rispidamente:

- Não, não: isto é aqui! Isto não é assim! É aqui é que se põe!

E ao dizer isto começa a juntar as minhas compras, a amontoar tudo, como se fossem dela, como se eu não tivesse direito a pagar as coisas separadamente. Eu, meio incrédula com a parvoíce da senhora, volto a agarrar na marca e coloco-a nas minhas compras (que ia separando novamente, já que a senhora tinha tirado a minha divisão) e digo-lhe:

- Não: é aqui! Eu ainda sei bem o que estou a fazer!

- Ah, está bem, não percebi. - resmunga ela.

Pensei que a coisa tivesse ficado por ali, mas a senhora, decididamente, não estava com vontade de me deixar sossegada. Colou-se a mim de tal forma junto ao pagamento automático que pensei por momentos que fosse ser vítima de um assalto por parte de uma senhora velhinha. Basicamente dava-me empurrõezinhos para eu me despachar.

Não sei se era falta de educação, mau humor descarregado em cima de quem não conhece de lado nenhum, vontade de chatear alguém ou qualquer outra coisa. O que sei, e que já não é a primeira vez que percebo, é que os jovens têm sempre a fama de serem mal educados, horríveis, uns verdadeiros monstros para os mais velhos. E muitas vezes isso é verdade. Mas o mesmo sucede com os mais velhos. A falta de civismo não é, de forma alguma, um exclusivo dos mais novos, embora não sejam poucos os que acreditam nisso.

domingo, 1 de abril de 2012

Abram alas para os doze

Ora toca a abrir alas nas prateleiras para deixar passar os novos habitantes. São nada mais nada menos do que doze e são todos bem-vindos. Não fiz de propósito, mas calhou serem todos de autores de Língua Portuguesa. Boa! Além disso, metade dos livros são para miúdos...


E a outra metade é para graúdos...


E que tal, minha gente? Aprovam?