A minha borracha, comprada na terceira classe, foi a mesma até ao ensino secundário. Quando nova, era enorme. Diminuiu com os anos, mas nunca a perdi. Durou que se fartou, portanto só precisei de outra no ensino secundário.
A minha lapiseira ainda existe. Foi-me oferecida por uma colega no oitavo ano. Fez comigo a faculdade, até eu perceber que «sou mais lápis». Está ali, num copinho, imaculada.
Antes dessa lapiseira, houve outra. Também oferecida por uma amiga. Durou dois anos do primeiro ciclo e foi, se não me engano, até ao sétimo ano, altura em que se desconjuntou toda. Dei-lhe a reforma: era merecida.
Os meus lápis de cera, comprados ali pelo quinto ou sexto ano, na papelaria da zona que, para grande tristeza minha, fechou este ano, continuam em casa dos meus pais, enfiados numa caneca que trouxe de Lagos no segundo ano da faculdade. Estão afiadinhos, limpinhos (de vez em quando lavava-os) e prontos a usar.
Os meus lápis de cor, da Caran D'Ache, comprados para o oitavo ano seguem todos (não perdi nenhum) dentro de uma gaveta. Uns mais curtos, outros quase inteiros, ali estão, ainda na caixa original, também ela impecável.
A mochila que comprei no secundário ainda é a que levo para a praia ou para os passeios mais longos com a escola. Vai de férias comigo todos os anos. Exceptuando uma mancha de óleo de cuja proveniência não me recordo e um pequeno rasgão na alça, está óptima.
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Enquanto professora já vi alunos cortarem borrachas completamente novas (e de marca) com a tesoura. Já os vi partirem réguas só porque sim. Já os vi afiarem lápis até ficarem do tamanho de dedos mindinhos só para poderem atirar as aparas uns aos outros. Já os vi destruir cargas de canetas só porque ficar todo sujo de tinta tem muita graça. Já os vi arrancarem folhas e folhas de cadernos de capa dura (e de marca) para fazerem aviões de papel. Já os vi puxar a tira do corrector para fora com ele praticamente inteiro. Já os vi usarem os transferidores como discos voadores para depois não voltarem a encontrá-los. Já os vi fazerem tanta coisa ao material escolar que não consigo deixar de pensar que se os pais assistissem a metade do que já vi, as campanhas do 'Regresso às Aulas' dos hipermercados iam ao ar, para castigo dos meninos.
Todos os anos assisto à entrada triunfal de centenas ou milhares de euros em material escolar novo pelos portões da escola adentro. E se muitos o respeitam quase religiosamente ao longo de todo o ano, muitos são os que chegam ao fim da segunda semana com cadernos riscados, canetas destruídas, livros riscados e quejandos.
Não consigo evitar de pensar, ano após ano, que os pais deviam controlar melhor os materiais dos filhos. Nenhuma criança gasta uma borracha branca das maiores em meio ano lectivo. Ou mesmo num ano lectivo inteiro. Nenhuma! Por aplicada que seja (e felizmente conheço muitas que o são), não o consegue se fizer uma utilização normal da borracha. Também acho dificílimo que os lápis de cor se gastem todos os anos. Mas todos os anos aparecem caixas novas que não costumam sequer ser baratas. Será que, algures pelo caminho, os pais não param para pensar nestas coisas? É que se é verdade que os professores exigem mundos e fundos em material escolar (com tendência a que a lista continue a aumentar), também é verdade que não exigem que tudo seja novo e que não se reciclem materiais de uns anos para os outros. Lápis, canetas, borrachas, réguas, entre outros, não têm de vir imaculados todos os anos. Novamente: a minha borracha foi a mesma durante pelo menos oito anos. Não acho que todos tenham de ser assim cuidadosos, mas há mínimos.
Claro que a seguir alguém poderá dizer que isso do material escolar é muito motivador para os miúdos. É, é verdade... Durante cinco minutos, mais ou menos. Um aluno para quem a escola é uma 'seca', não a considera menos 'seca' porque tem um pack de dez canetas novas. E tudo isto aumenta as despesas com o início do ano lectivo. Todos se queixam do exagero de dinheiro gasto por esta altura, mas são poucos os que verdadeiramente param para pensar sobre o que efectivamente estão a comprar. Quantos pais perguntarão aos filhos coisas como onde estão os lápis todos que te comprei no ano passado? Por que motivo faltam três lápis na tua caixa de lápis de cor? O que fizeste à borracha nova que te comprei no ano passado? E a régua? Como gastaste cinco canetas azuis num mês?...
Num país onde os manuais são estupidamente, mas mesmo estupidamente, caros e pesados, a parcela do material escolar no total das despesas das famílias devia diminuir para que uma mão lave a outra. Mas para isso era preciso que os encarregados de educação vissem o que nós, docentes, vamos vendo e que percebessem que este cuidado com o material que se devia exigir aos miúdos em casa (não só nas escolas) também faz parte da sua formação.