Pois que andei desaparecida, mas não estive fechada em casa a olhar para o tecto (felizmente só se apanha varicela uma vez na vida e a última vez foi suficiente para decorar todos os pormenores das paredes e tectos aqui do domicílio). Pois que nestes dias andei para trás e para a frente, dividindo-me entre meninos do ensino secundário e meninos do ensino básico. Ouvi os maiores disparates que possam imaginar e é com muito prazer que vos deixo alguns.
DISPARATE A
Numa aula com o 7.º ano, uma aluna deixa cair uma caneta. Murmura uma palavra acabada em «osa» que não consigo perceber enquanto a apanha. Quando finalmente volta à posição «sentada-direitinha-na-cadeira-que-a-aula-não-é-de-contorcionismo-para-apanhar-canetas» (o nome da posição foi inventado agora, por isso registo aqui a patente), olha para mim e diz:
- A stôra sabia que eu dou nomes ao meu material escolar?
- Hum?! - resmungo eu sem perceber o que raio vai sair dali.
- Sim, dou nomes às coisas. Quer ver? - começa a remexer o estojo e saca da caneta que tinha caído - Esta é a «Multicolorosa».
- Ah?! - exclamo eu sem saber o que lhe dizer.
Remexe mais um pouco no gigantesco estojo e tira uma régua. Fico à espera que me seja apresentado o dito objecto sob uma identidade que se adeque ao seu aspecto, tal como acontecera com a «Multicolorosa», assim chamada por estar apetrechada com várias cargas de cores diferentes. Pois que me enganei. A menina saca da régua e procede às devidas apresentações:
- E esta é a Catarina!
Portanto é isto. Naqueles estojo moram a «Multicolorosa» e a... Catarina. Hoje ouvi falar numa «Silvie» (não me perguntem a razão de o nome não soar a Português, que eu achei por bem não averiguar), mas não percebi a que objecto pertencia um nome tão chique.
DISPARATE B
Tenho um aluno que gosta de interromper todos os momentos de aula com questões que nada tenham que ver com a mesma. Resultado: vai quase todos os dias para a rua. Esta semana voltou a testar a sorte. Estando um colega a ler um texto em voz alta, resolve interromper para colocar a seguinte questão:
- Stôra, a stôra sabe o que são mensagens sublimares?
O colega da frente olha para ele com desprezo e corrige-o:
- Subliminares, estúpido!
- Isso.
Respondo-lhe:
- Sei, porquê? Mas tu achas normal interromperes uma aula para me perguntares isso?
- A stôra sabia que aquela música daquelas «gajas» espanholas que cantavam «Assereje» [ou lá como se escreve] tem uma mensagem sublimar ao diabo?
A minha boca escancara-se de espanto ao mesmo tempo que quase toda a turma, em coro, o corrige:
- Subliminares!
Ele não se rala e continua:
- E a stôra sabe que elas venderam a alma ao diabo para terem sucesso?
Penso com os meus botões que isso justificaria muita coisa, mas continuo caladinha à espera que o arrazoado acabe. Ele lá ia continuando:
- E a stôra sabia que a Coca-Cola tem uma mensagem sublimar? - aqui foi novamente corrigido pelos colegas, mas isso não o impediu de explicar melhor a sua teoria - Se a stôra virar o rótulo da garrafa ao contrário vai ver que o que lá está escrito é «Alô diabo».
E eu que pensava que ele ia fazer uma ligação entre o vermelho do rótulo e o comunismo... Ingénua. O resto da turma ria-se como se não houvesse amanhã, mas ele, sorridente como quem acabou de descobrir o caminho marítimo para a Índia, mantinha a teoria. Decido desfazê-la:
- Olha lá, de que país é a Coca-Cola? - pergunto.
Quase ouvi o som do meu cabelo a crescer, tamanho foi o silêncio sepulcral que nasceu naquele momento. Felizmente alguém acabou por responder que era dos Estados Unidos da América. Logo a seguir perguntei:
- E que língua se fala lá?
Resposta muito pronta do menino que acha que a boa da Coca-Cola anda em negócios com o mafarrico:
- Estrangeiro!
Nova remessa de gargalhadas até que o outro corrige e diz «Inglês». Prossigo, então, para o golpe final na teoria da conspiração:
- Então tu achas que uma empresa norte-americana ia ter uma mensagem subliminar ao diabo escrita em Português?...
O moço pareceu ficar confuso. Ainda pensei que fosse arranjar um argumento que deitasse o meu próprio raciocínio por terra, mas não. O que aconteceu foi o que alegremente chamo de «último espasmo do morto». Ou seja: com a teoria arruinada, mas numa idade em que é preferível ir para a rua do que ser dado como vencido (ainda mais pela professora), voltou à carga dizendo:
- E a stôra sabia que a Disney também tem mensagens sublimares? [Que querem? O rapaz não aprende a dizer «subliminares»!]
- Sim, e os Estrumpfes também. Podemos continuar a aula?!
E pronto, assim terminou uma alegre digressão pelo mundo dos agradinhos ao diabo.
DISPARATE C
A propósito do texto que líamos, desenho no quadro (desculpando-me pelas minhas fracas qualidades desenhadoras) uma Cruz de Malta. Um dos alunos fica empolgadíssimo com aquela cruz porque conhece quem a use como símbolo em tatuagens e afins.
A aula continua e a dada altura viro-me para o quadro para escrever a resposta a uma pergunta e, num daqueles momentos em que cessa todo o ruído e só se ouve o que alguém sussurra ao ouvido do colega do lado, ouço o aluno que antes adorara ver a Cruz de Malta dizer muito seriamente:
- Eu conheci «Jesus Cristo» na concentração motard de Faro.
Não consegui evitar olhar para ele e dizer:
- Rapaz, foi das frases mais tontas que eu já ouvi alguém dizer.
E pronto, minha gente, tem sido isto. Temo pela minha sanidade, mas ao mesmo tempo admito que isto me faz rir tanto (quando acaba a aula e saem, claro, que eles não podem perceber que têm piada senão aproveitam-se) que acho que vai tornando muito mais lento o meu processo de envelhecimento.
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