quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

De livros e aparências

Parece que um estudo concluiu que boa parte dos livros que os britânicos têm em casa só estão na prateleira para fazer os seus donos parecerem mais «intelectuais». Parece que há, até, uma lista de livros com os quais vale a pena ser-se visto (ainda que seja com eles debaixo do braço, sem que nunca sejam abertos...).

Tenho em casa imensos livros que nunca li pela simples razão de que o tempo não chega para tudo. Acho que quem gosta de livros e adora ler me compreende: são muitas as ocasiões em que trazemos mais uns quantos para casa, mas a velocidade de leitura dificilmente acompanha a velocidade a que aumentamos a nossa colecção. Contudo, adquirir livros apenas pela possível boa aparência que eles me poderão dar, ficando para sempre na estante sem serem abertos, é uma loucura a que não me entrego. Compreendo, como sempre compreendi, que os livros existem para serem lidos e, se forem fantásticos, para sobreviverem às leituras de muitas gerações. Teriam o Quixote, as tragédias de Shakespeare ou Moby Dick sobrevivido aos séculos se os seus «leitores» se limitassem a colocar as edições destas obras em prateleiras para serem admiradas pelos que lhes visitam as casas? Tendo em conta, a julgar pela lista de livros que o referido artigo indica como conferindo prestígio a quem os tem na estante, que os clássicos são os textos preferidos para se parecer culto, então fica a ideia de que as pessoas têm alguma noção da importância de tais obras. Ora, parece-me que aí têm um ponto de partida para começarem a lê-los: se acham que é prestigiante serem vistos com o Orgulho e Preconceito debaixo do braço, por que não experimentam abri-lo e lê-lo realmente? Depois poderão falar dele com conhecimento de causa, e não apenas descrever a beleza da lombada da edição que têm pousada na prateleira. De que me interessa ser tida como muito culta porque tenho tal livro em casa, se nunca o li? Em que é que a posse de um livro me torna mais inteligente aos olhos dos outros? Esta ideia parece-me ignorância pura e mais uma amostra de que vale tudo pela aparência, ainda que esta seja forjada, fingida e baseada em nada.

É um insulto aos livros e aos seus autores e só favorece quem os entende como um negócio. Se todos nos lembrarmos de querer parecer mais «intelectuais» por termos este ou aquele clássico, as vendas destes livros aumentarão, com certeza. Mas em que é que isso os favorece, em que é que isso os homenageia e lhes confere o seu devido valor? Em rigorosamente nada. Aliás parece-me mesmo que quem tem O Monte dos Vendavais em casa (para citar um dos títulos referidos no artigo) só para parecer bem aos olhos dos outros é muito mais ignorante do que quem nem sequer sonha que tal obra existe.

4 comentários:

  1. É com cada estupidez...
    Eu infelizmente também tenho na estante muitos livros que não li:
    - Ainda, por falta de tempo (e tenho sempre vontade de comprar mais, com uns quantos ainda na fila de espera)
    - Nem vou ler, porque já comecei, não gostei e arrumei para um canto. Tenho o terrível vício de desistir dos livros que não me agradam. Gostava de conseguir forçar mais porque tenho a certeza que alguns me cativariam mais para a frente, mas nunca sou capaz, ou o livro me atrai de início ou tem os dias contados :(

    ResponderEliminar
  2. Também tenho imensos à espera de serem lidos, mas que não o foram porque não consigo ler tudo o que quero. Não há tempo para isso. Vem a Feira do Livro, há os livros que me oferecem, os que compro em feirinhas de alfarrabistas, etc. Acabo por arranjar tantos livros novos que se torna impossível lê-los à mesma velocidade. Ainda por cima sou lentinha a ler: tenho de saborear muito bem as páginas e acabo por não conseguir «devorar» livros, só mesmo degustá-los calmamente. Normalmente tento ler os livros até ao fim e para desistir é preciso detestá-los mesmo. Foram raros os livros de que desisti. Não gostei de ler Os Cadernos de Pickwick, de Charles Dickens, mas li-o até ao fim, ainda que tenha demorado uns três meses a ler aquelas novecentas e tal páginas... Agora, o que acho a coisa mais estúpida é comprar livros pela aparência, pelo bom aspecto que isso me dá. É uma ignorância que se torna um bom sinal de quanto os livros são entendidos, por um lado, como sinal de estatuto e, por outro, como lhes é retirado o valor cultural que realmente têm, para assumirem um outro que não existe. É mais um disparate de entre muitos que rodeiam o universo livresco.

    ResponderEliminar
  3. Concordo com tudo. Qualquer um dos dois motivos, que me faz ter alguns livros que nunca li, me entristece. Não consigo perceber como é que alguém compra um livro que já sabe que nunca vai ler... :(

    ResponderEliminar
  4. Isso e o tão habitual "julgar o livro pela sua capa". Não estás bem a ver as multidões que se afastavam de mim porque tinha no braço ou estava a ler o seguinte livro: "A verdadeira história de Lúcifer", que é uma sátira à evolução do que é considerado diabólico, metendo avaliações psicológicas pelo meio, etc. E fazer entender isso às pessoas? Bonito... Passei por satânica durante uns tempos.

    ResponderEliminar