A primeira vez que ouvi falar do Kindle foi há uns anos no programa da Oprah Winfrey e desde então passei a tê-lo como uma das coisas que mais queria ter na vida. Claro que, nessa altura, ainda eles eram caríssimos e nada de serem enviados para Portugal. Assim, passei uns anitos sem pôr a minha vista em cima de um.
Quando fui trabalhar para uma livraria, dois clientes habituais, já alegres possuidores de um Kindle, falaram-me das vantagens deste aparelho de leitura de livros electrónicos e fiquei ainda mais convencida. Aliás, lamentei mesmo não ter um naquele exacto momento, já que me evitaria o carregamento diário de artigos académicos em papel (estava, naquela época, a tratar da minha tese de Mestrado). Namorei, nas horas mortas, alguns leitores de ebooks nas páginas da Worten e da Fnac, mas nenhum me aquecia o coração como o Kindle. Felizmente, no meu aniversário de 2010 o tão esperado e fofinho aparelho da Amazon entrou cá em casa e eu apaixonei-me perdidamente por ele.
Que adoro ler e que amo os livros, acho que já ninguém negará. Por isso sobrevivi aos inúmeros comentários que ouvi e que se resumiam a «baaah, prefiro os livros em papel» ou mesmo «gosto do cheiro do papel e isto não tem cheiro». Não liguei nenhuma e continuei enamorada pelo meu Kindle. Não me parece que adorar os livros em papel (como acontece comigo) seja incompatível com o gosto pela leitura num leitor de ebooks. São, sim, experiências diferentes. No meu caso, sempre olhei este aparelho como a possibilidade de ler confortavelmente aquilo que antigamente tinha de imprimir para não me explodirem os olhos. Entendi-o, também, como a possibilidade de ficar a conhecer textos do domínio público, por exemplo, que gostava de conhecer e que não se encontravam traduzidos ou disponíveis em papel nas livrarias. Quero com isto dizer que nunca me passou pela cabeça fazer uma troca radical que implicasse preterir os livros no seu formato habitual por estes electrónicos. Nunca tal me ocorreu. Mas pensei (e creio que não me enganei) que com o Kindle conseguiria ler textos que de outro modo não leria. Não deixei, como bem sabem, de comprar livros novos e de construir uma biblioteca catita para alguém com vinte e seis anos: apenas ampliei as minhas hipóteses de leitura. Tivesse eu vida para devorar todas as páginas que gostaria de conhecer...
A experiência com este leitor de ebooks tem sido boa. É o meu objecto preferido, ao ponto de não conseguir dizer se para uma ilha deserta (a típica questão) o levaria a ele ou a uma edição do Quixote. Poderia sempre levar as aventuras do meu cavaleiro manchego preferido no Kindle, que ninguém se aborreceria comigo. Haveria, claro, a questão da bateria. Devo dizer que dura bastante, mas mesmo assim não poderia passar o resto da vida sem carregar o bicho, por isso precisaria de um computador e de uma tomada. Se a ideia era escolher um único objecto que levasse comigo para uma ilha deserta, creio ter já estragado tudo.
Mas, ilha deserta à parte, estou satisfeita com o Kindle. Consigo ler mais do que um livro antes de precisar de voltar a carregá-lo. O processo de carregamento também decorre sem problemas, bem como a transferência de documentos do Kindle para o computador e vice-versa. Tenho tudo muito bem arrumadinho em pastas e portanto os ebooks de Literatura Portuguesa estão num sítio, os de Literatura Estrangeira noutro, o que faz com que encontre o que quero rapidamente. Não sinto a vista cansada após a leitura neste aparelho e creio que isso se deve ao facto de o ecrã imitar a cor e o inexistente brilho do papel. Não tem luzes de nenhum tipo, o que faz com que a leitura seja muito semelhante à que fazemos nos livros no seu formato clássico (e o que faz, também, com que os tablets não proporcionem uma leitura tão confortável quanto o Kindle comum). Posso, no Kindle, aumentar ou diminuir a letra, escurecê-la ou clareá-la, ler com o aparelho na vertical ou na horizontal, sublinhar excertos, escrever notas à margem, consultar o dicionário... E o melhor é que dentro daquele aparelhito que pesa poucas gramas consigo ter mais livros do que os que aperto em estantes que já não suportam nem mais uma página. Deste ponto de vista, o Kindle leva a vantagem.
Contudo, e como disse, não deixei os livros em papel. Aliás, devo dizer-vos que apesar de a leitura no Kindle ser tão confortável, não leio nele dois livros seguidos. Por alguma razão sinto a necessidade de, a seguir à leitura de um livro electrónico, voltar ao papel. Não sei explicar porquê, mas não terá nada que ver com cansaço ou algo que se pareça. Talvez seja mesmo uma necessidade óbvia de voltar aos objectos de sempre, às páginas que aguardam fielmente por mim nas prateleiras, esperando o momento em que serão as escolhidas. Acho mesmo que o problema é que, quando estou a ler no Kindle, penso na quantidade de livros em papel que comprei ou que me ofereceram e que talvez nunca venha a conseguir ler, sentindo-me um bocadinho culpada. Por isso, apesar de adorar o Kindle e a infinita possibilidade de leituras que me trouxe, é sempre ao papel que volto.
Ainda assim, nunca me ouvirão pronunciar coisas como «ah não, esses livros não têm cheiro como os outros» porque as considero muito toscas. Quero os livros, os electrónicos e os outros, porque gosto de ler, de saber mais, de me comover, de rir e de viver o que não viverei na realidade. Se há coisa para a qual não quero, de todo, um livro é para cheirá-lo ou para aspirar todo o pó que nele pousa. E mais: muitos dos que proferem a frase tosca, e que já ouvi a muita gente, não lêem em formato nenhum. Dizem-no apenas porque são uns «Velhos do Restelo». Ou nem isso, já que o velho de aspecto venerando falava movido por um saber feito de experiência e muitos dos que falam do cheiro, do toque, da macieza do papel dos livros não chegam a sentir nenhuma dessas coisas ao longo de um ano inteiro.
Por isso, minha gente, se estão em dúvida sobre a aquisição de uma coisinha destas, digo-vos que sim, que o comprem porque vão gostar da experiência. Principalmente para aqueles que, devido aos estudos, têm de ler imensos artigos que se encontram espalhados pela internet em revistas científicas digo-vos que o Kindle evita o gasto de muitos tinteiros e o carregamento de papel que terão de puxar diariamente nas vossas pastinhas. É, por isso, uma invenção que me aquece o coração e uma das poucas ocasiões em que me rendo à tecnologia. É oficial: estou apaixonada pelo meu Kindle!
Notinha da autora: A foto foi retirada da página da Amazon.