quinta-feira, 14 de junho de 2012

O problema das BFF

O gajo (ou gaja, que isto parece-me mesmo coisa de "gajinha" parva) que inventou esta fantochada de «BFF» (ou «Best Friends Forever») era bem espancado com um ursinho carinhoso recheado de tijolos e empalado logo de seguida. É que graças a esta piroseira hoje passei a tarde a acalmar as lágrimas de alunas de onze anos que de repente tinham deixado de ser as BFF's umas das outras.

Eu explico o que aconteceu, mas em forma de fábula, para a coisa ser mais lúdica:

Num lindo bosque encantado viviam duas coelhinhas de cauda fofinha. As duas ternuras peludas eram as melhores amigas do mundo. Conversavam, contavam tudo uma à outra, partilhavam as cenouras, tudo como duas boas amigas fazem. Também brincavam com outros animais fofinhos, mas a ligação entre elas era especial e única. Nada as separava.

Um dia, fazendo uma longa e pouco aceitável ponte, uma das coelhinhas viajou para um país europeu, enquanto a sua BFF continuou no encantador bosque onde viviam e estudavam com a professora coruja. A coelhinha que por cá ficou sentiu a falta da sua amiga, mas percebeu no seu doce e carinhoso coração que não poderia viver tantos dias sem uma nova BFF. Aos poucos aproximou-se da passarinha e compreendeu que conversar com ela era tão bom como conversar com a coelhinha que viajara. Passaram os dias juntas, partilharam a água e o sol de um lindo mês de Junho e, quando deram por si, a coelhinha que não viajara e a passarinha que também ficara eram as novas BFF's do bosque.

Mas a roda do tempo que não pára e os aviões que ligam o bosque encantado às capitais europeias trouxeram de volta a coelhinha que partira. Esta, ao chegar, procura a sua grande amiga felpuda e rapidamente percebe que o seu lugar de BFF estava periclitante. «Meu Deus, meu Deus! Mal virei o meu rabo felpudo e fazem-me logo isto? Não pode ser!», pensou a coelhinha viajada que, pouco depois, decide falar com a outra coelhinha e esclarecer a situação escandalosamente pouco querida que se verificava.

As duas comedoras de cenouras conversam e a coelhinha que por cá ficou a ter aulas explica que, nos dias em que a outra esteve longe, encontrou uma nova amiga e que esta era agora a sua BFF. Os sentimentos assim lho ditavam, nada mais havia a fazer. Pode a narradora afirmar, neste momento, que o mundo da coelhinha conhecedora dos melhores museus europeus desabou por completo. «Ser amiga é bom - pensa ela - mas sempre é uma despromoção relativamente a ser a BFF!». Intolerante, rapidamente percebeu que despromoções são coisas feias e, aborrecidíssima, recusou. O que se seguiu embaraçará durante séculos o lindo bosque encantado:

- Eu é que era a tua BFF! E agora voltei e quero manter o meu estatuto, por isso escolhe: ou eu ou ela!

Nesse momento os céus turvaram-se com nuvens escuras, os peixes choraram, mas ninguém deu por nada porque eles estavam dentro de água, os esquilos beberam vodka para esquecerem um dia tão infeliz. A natureza mostrou-se carrancuda perante tal falta de harmonia num bosque outrora maravilhoso.

Perante o ultimato, a coelhinha que por cá ficara tremeu. Já gostava muito da passarinha, a nova BFF, e era-lhe impossível esquecer os momentos bons que passara com a coelhinha coleccionadora de milhas aéreas. Estava, então, perante um dilema. Escolher a coelhinha restabeleceria a ordem no bosque encantado, mas isso significava olvidar dias muito doces vividos com a passarinha. Era tudo tão difícil...

A professora coruja apercebeu-se das movimentações estranhas pelo bosque e encontrou a coelhinha com um problema de selecção de amizades a chorar dentro de uma toca. Foi lá falar com ela e ficou a par do terrível drama que ocupava as duas coelhinhas e a passarinha. A sábia e muito linda coruja (é preciso que se diga que é uma coruja espantosa, única, maravilhosa, um doce! ) explicou à coelhinha que a amizade não é um pódio onde tem de, obrigatoriamente, haver um a ocupar o primeiro lugar e os restantes a lutar pelo espaço que sobra. A espantosa professora coruja disse-lhe ainda que se a amizade a fazia chorar daquela forma, então não valia a pena e que ninguém, nem a mais fofa das coelhinhas nem a querida passarinha, tinha o direito de a fazer escolher entre uma ou outra para o lugar de BFF.

Em vão. O problema estava para durar e a professora coruja teve de repetir o seu discurso sobre a amizade mais duas ou três vezes ao longo do dia, pensando sempre que era a mais desadequada das criaturas para proferir tal discurso, já que a sua opinião sobre a amizade não era de modo algum das mais favoráveis.

Horas depois o sol voltou a sorrir no bosque encantado dos animais fofinhos. A coelhinha chorosa resolvera o dilema: tal como a esbelta professora coruja lhe havia sugerido, concluira que ter melhores amigas dá trabalho e pode irritar muitas gente. Assim, decidira despromover a coelhinha conhecedora dos países europeus e a passarinha ao singelo título de amigas, retirando-lhes o pomposo destaque de «BFF's». A professora coruja, espantosa como só ela, aplaudiu a sensata decisão e logo os peixes deixaram de chorar porque também já parecia mal...

Moral da história:

Se a cabeça da professora coruja
em muita água queres tornar,
com antecedência deves avisar
para que a pobre coitada fuja.

(E pronto: este foi o meu dia.)

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