quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O melhor de nós


Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
                                                                José Saramago

Vivemos uma época difícil, todos o sabemos. Não há trabalho, não há esperança, não se vê futuro. Contudo, parece-me que esta crise está a mostrar o lado bom das pessoas. Cada vez ouvimos mais casos de pessoas que dedicam parte dos seus dias a ajudar os outros, a inventar formas de matar a fome que às vezes nos está bem ao pé da porta.

Temos todas as condições para sermos profundamente egoístas: a sociedade louca em que vivemos faz com que consigamos viver a tal velocidade que nunca perdemos um minuto a olhar para o lado e a ver o que se passa com os outros. Porém, este momento difícil que atravessamos parece-me estar, no meio de tanta desgraça, a conseguir a proeza de nos fazer abrandar. Felizmente, esse abrandamento está a levar-nos a perceber melhor o que se passa. Ainda estamos, é certo, muito longe de fazer tudo o que podemos para ajudar os outros, mas creio que são de louvar estes esforços. Cada vez que o Banco Alimentar faz uma campanha de recolha de alimentos, bate-se o recorde de donativos da campanha anterior. Cada vez mais as pessoas pensam em formas de ajudar o próximo. Cafés que recolhem bens de primeira necessidade; pessoas que recolhem as sobras dos restaurantes para depois distribuirem pelos mais necessitados; alunos que promovem recolhas de alimentos para posterior entrega a colegas que precisam; universitários que, sabendo das dificuldades por que os estudantes do Ensino Superior passam, recolhem roupas e doam-nas ou vendem-nas a preços simbólicos; pessoas que, depois de um dia de trabalho, passam parte das noites a distribuir alimentos aos sem-abrigo da capital... São cada vez mais os exemplos e é muito bom assistir a esta tomada de consciência, a esta lufada de humanidade que nos vai atingindo. Infelizmente é preciso a realidade dar-nos uma bofetada dolorosa no rosto para começarmos a perceber que o mundo vai além do quadradinho em que nos movemos.

Gostava de ajudar mais do que o que ajudo, mas faço o que posso. Conheço pessoas que precisam e por isso tento auxiliar naquilo que consigo. Também eu fechei muitas vezes os olhos à miséria que sempre foi existindo, mas agora é impossível. A necessidade é tanta que, mesmo que viremos a cara, acabamos a ver os problemas vividos por muitas pessoas.

Quando penso nesta mudança, vem-me à memória o título de um livro de Lobo Antunes, Que Fazer Quando Tudo Arde. É que, neste momento, tudo parece arder, porém acabamos por ir encontrando uma ocupação que nunca devíamos ter perdido: a de olhar, com olhos de ver, para os outros e tentar, de algum modo, aplacar-lhes a dor.

Sem comentários:

Enviar um comentário