quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Camões, "hades" vir cá ver isto

«Vocês depois hadem de me dar razão!».

Não, não pirei de vez, mas hoje disseram-me isto a mim e a mais umas pessoas. Tremi. Tremi mesmo, não pelo conteúdo da frase (que não me assustou), mas pelo mau uso da língua de Camões. Será que custa assim tanto saber falar a nossa língua materna? Conseguir dominar a sintaxe do Português e ser dono de um vocabulário que permita não se passar por embaraços é o mínimo que podemos fazer. Mexe-me com os nervos esta mania que muitos vão tendo de que saber falar a língua materna não é assim tão importante, de que é normal não se saber o significado de palavras vulgaríssimas e que muito menos importa conhecer a sua ortografia. Quando eu estava na faculdade a estudar língua e literatura portuguesas, ouvia cada coisa! As mais comuns eram «Mas para quê? Português toda a gente sabe falar!», «Isso serve-te para quê? Para nada, não é?». Eu ou comia o comentário ou de duas acontecia uma: calava ou atirava uma resposta com o maior tom de desprezo que conseguia.

A falta de interesse que muitos exibem por uma coisa tão importante como a nossa língua (que, caso esses génios não tenham notado, é coisa que usamos todos os dias) serve bem como indicador de que isto não pode andar bem. Não estou a falar de um tipo de casacos que só vestimos no Inverno, nem de uma qualidade de chocolate que só se come numa certa altura do ano: falo de uma ferramenta que utilizamos desde bem pequeninos e que só pousaremos no dia em que "levarmos o óbulo ao barqueiro". A língua não é um luxo de ricos: é uma necessidade de todos. Eugénio de Andrade disse num poema maravilhoso sobre as palavras que elas podiam ser cristal ou punhal. O que o poeta talvez tenha omitido é o facto de, provavelmente, algumas palavras terem uma enorme vontade de apanhar punhais a jeito para cortarem os pulsos, devido aos disparates que fazem com elas.

Quando se dizem asneiras como a que citei logo no início do texto, fico louca. Contudo, fico ainda mais irritada quando vejo que ninguém se importa de ouvir isto vezes e vezes sem conta ou quando os «maus falantes», mesmo depois de avisados do erro, continuam a proferi-lo diariamente. Ficamos todos muito revoltados quando um jogador da Selecção Nacional não sabe a letra do Hino Nacional, mas poucos são os que reclamam pelo mau uso da língua a que assistimos diariamente (não apenas na rua, mas também na televisão que é, diga-se, uma fértil árvore dos disparates).

Enfim... É porque ninguém sonha onde param os ossos do Camões, senão era vê-los às piruetas no túmulo com tanta ignorância e tanto orgulho nela!

Nota esclarecedora da autora: Obviamente não me refiro aqui a pessoas que não tiveram qualquer oportunidade de ir à escola ou a pessoas de muita idade que tiveram uma escolaridade diminuta. Refiro-me a quem teve nas mãos a oportunidade de aprender e não o fez porque não quis. Aliás, oportunidades para aprender temos todos os dias. Ler é uma boa forma de aprender a escrever e a falar. Contudo, cada vez há mais livros e menos leitores. É precisamente deste tipo de ignorância que falo.

2 comentários:

  1. ERROS MEUS, má fortuna, amor ardente.

    Cumprimentos camonianos,
    Filho

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  2. Concordo plenamente contigo.
    Eu, infelizmente, e apesar de não ser do pior que para aí anda (já ouvi/li coisas do arco da velha!), falo/escrevo pior do que o que gostaria... Mas sinto-me sempre embaraçada a cada erro ou dúvida que tenho e tento sempre melhorar.
    E penso que esse é o pior erro que as pessoas cometem, não valorizarem esse conhecimento e assumirem a ignorância quase com orgulho!

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