À professora Cacilda Neves, que me deu tudo
o que uma professora pode dar a uma aluna.
Acabei mesmo agora de fazer uma pequena viagem no tempo. Este fim-de-semana tenho de fazer os enunciados dos últimos testes do período para todas as minhas turmas e, neste momento, já só me falta fazer o do 12.º ano, que versará sobre a Mensagem. Andei para aqui a folhear livros a ver se vinha a inspiração e, a dada altura, abri a pasta gigante onde guardo os materiais do ensino secundário que sobraram dos vários escrutínios que com o tempo fui fazendo. Julgava que dentro dessa pasta só estariam os materiais da disciplina de Português porque acreditava terem sido esses os únicos que guardara, já prevendo a profissão que viria a ter. Contudo, escondidas atrás dessas folhas estavam alguns trabalhos escritos para outras disciplinas e os enunciados dos exames nacionais que fiz no final do ensino secundário: Português, História, Sociologia, Psicologia e Francês. Rabiscados, cheios de apontamentos e ali alinhadinhos, fizeram-me recordar aquelas semanas em que começava a dizer adeus à escola secundária e olá ao que viria depois. Na realidade, dizia adeus a muitas outras coisas, mas ainda bem.
Não deixa de ter graça o facto de ir agora, quase dez anos depois, virar aquela pasta como professora que procura material para fazer um teste para as suas turmas. Não deixa de haver uma certa beleza no acto de reutilizar o que a minha professora me ensinou para eu própria ensinar outros alunos. Isto de ensinar e de aprender é, no fundo, uma cadeia que por vezes continua: um docente fantástico motiva-nos ao ponto de lhe querermos seguir os passos. No meu caso, que sempre adorei os livros e que acho que temos uma literatura admirável, merecedora de respeito e de estudo, não era difícil adivinhar que o caminho seria nessa área. Porém, a questão do ensino surgiu pela mão de algumas professoras que se mostraram dignas de toda a admiração e verdadeiros modelos a seguir. Aqui fica a memória que delas tenho.
- A professora Carolina, que me ensinou a ler e a escrever e que desenhava maravilhosamente. Foi com ela que ganhei o gosto pela escola, pelos cadernos, pelos livros e foi com a sua ajuda que tracei as primeiras letras e escrevi as primeiras frases. Era um modelo pela alegria com que dava aulas a miúdos nem sempre fáceis. No fim do segundo ano foi-se embora e nunca mais a vi. A escola perdeu parte da graça que tinha. Outras professoras vieram, mas o talento não era o mesmo, por isso aquela é, para mim, a minha professora da escola primária.
- No nono ano tive uma professora de Português que se chamava Luísa Pires e foi nesse ano que essa disciplina deixou de me esgotar e passou a ser um prazer. Desde a primeira classe que estudar a nossa língua e os nossos textos me aborrecia de morte: achava sempre tudo tão fácil que me enervava e acabava por preferir as ciências, que sempre davam mais luta. Mas no nono ano deixei de me deparar com os textinhos da treta que costumeiramente apareciam nas páginas dos manuais e encontrei-me com O Auto da Barca do Inferno e com Os Lusíadas. Isto leva os alunos a fugirem, mas a mim fez-me gostar muito mais da disciplina de Língua Portuguesa e ouvir a professora com mais atenção. Cumpriu o seu trabalho de tal forma que nunca mais me esqueci do que aprendi sobre ambas as obras literárias. No final do ano deu-me um cinco e o dia em que fui à escola inscrever-me para o décimo ano foi o último em que a vi. Ainda trocámos um par de cartas, mas depois perdi-lhe o rasto. Tenho muita pena disso, gostava de saber o que foi feito dela. Espero que tenha continuado a ensinar e a motivar outros alunos para a leitura dos nossos maiores escritores: tinha um talento enorme para isso.
- No décimo ano conheci a professora Cacilda Neves. Eu e as minhas colegas saímos da primeira aula com ela a achar que tínhamos encontrado a bruxa má das histórias infantis, de tal forma era sisuda e pouco afável. Estávamos tão enganadas! Acho que ela usou a máxima de alguns professores que manda «não sorrir até ao Natal» e admiro-a por isso porque não é fácil. Foi minha professora durante os três anos do ensino secundário e não podia ter sido melhor. Conseguia cumprir os programas de uma ponta à outra e ainda arranjar tempo para nos pôr a discutir temas da actualidade. Para mim foi mais do que uma professora porque se preocupou comigo muito mais do que qualquer professora tinha feito até então. No final das aulas, deu-me um abraço enorme e desejou-me boa sorte. É uma lamechice, mas é verdade: chorámos as duas que nos fartámos. Voltei a encontrá-la ainda algumas vezes: tomámos cafés, conversámos bastante... Vi-a desiludida com o ensino, com o pouco empenho dos alunos, com o pouco trabalho que eles se dignavam a fazer. Quando eu estava a profissionalizar-me, enviei-lhe um email com uma dúvida e ela prontificou-se logo a perder uma tarde de Sábado comigo para dar-me as dicas e os conselhos que julgava necessários. Enfim, foi minha professora em sala de aula durante três anos, mas nunca deixou de me ensinar. E por isso este texto é para ela, ainda que no início não julgasse que o fosse ser. É que falar de bons professores faz-me chegar sempre à professora Cacilda: é muito por ela que aqui estou, que sou quem sou e que faço o que faço.
Este texto fez-me relembrar o meu percurso académico e com isso professores que me marcaram. Foram cinco, ao longo de 12 anos, que nas áreas mais diversas se destacaram, me ensinaram muito, alguns dos quais já nada sei mas que nunca esquecerei. Ao pensei nisso, reparei pela primeira vez que nunca tive dois deles em simultâneo, mas também que todos os anos um deles esteve presente... :)
ResponderEliminarSinto muitas vezes saudades da escola, e daquela sensação de sentir que alguém me estava a ensinar a valer. Infelizmente na faculdade isso dificilmente acontecia. Os melhores oradores, normalmente não são grandes professores, e grande parte do que aprendi fi-lo sozinha, porque das aulas saía muito pouco...
Oh como é bom recordar, sem dúvida que um bom professor consegue cativar as aulas e os alunos e fazendo com que aprendizagem seja muito mais fácil. Eu nunca gostei muito das letras, inglês e português era o meu maior sacrifício por causa dos professores. A única professora que me lembro de português foi a que tive no 10 º ano, exemplo mais do que professora também amiga. Lembro-me do professor de filosofia, ele sempre me tentou motivar e ajudar, mas eu definitivamente nunca compreendia nada, eu preferia as ciências, coisas práticas e subjectivas. Mas ao longo deste percurso todo, posso dizer que tenho professores que me influenciam bastante no meu crescimento, personalidade e alguns ainda mantenho contacto. Espero que o mesmo aconteça contigo, que um dia os teus alunos voltem a entrar em contacto e ficares a saber o que eles fizeram das suas vidas... deve ser interessante para um professor. Embora acredite que tenhas tantos que acabes por te esqueceres de muitos deles. :) Boas aulas e boa semana de trabalho
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