Na "Revista" da última edição do Expresso surgia a seguinte notícia:
COMPRIMIDO DO ESQUECIMENTO
Dentro em breve, as más lembranças poderão ser apagadas definitivamente da memória com medicamentos específicos
E se existisse um comprimido que lhe permitisse apagar as suas memórias más? Um grupo de investigadores acredita ter descoberto o modo de o fazer. A chave está numa proteína chamada PKMzeta. Para nos lembrarmos de algo, o nosso cérebro sintetiza novas proteínas para estabilizar ligações entre neurónios. A PKMzeta é uma delas. Para apagar uma memória, é administrado um medicamento que bloqueia a proteína. O paciente é convidado a lembrar-se novamente dessa lembrança, mas sem a proteína não há as tais relações neuronais - e a memória em causa deixou de existir.
Os investigadores defendem que quem passa por um acontecimento doloroso deve exprimir o que sente, o mais rapidamente possível. O objectivo é que essa memória não seja "fechada" e reprimida, o que levará ao chamado stresse pós traumático. Até agora conseguia-se alterar a intensidade de certas lembranças, recorrendo a determinados fármacos. Mas elas continuavam a existir. A partir de agora, o que está em causa é apagá-las de vez.
Não sei o que pensam sobre isto, mas a mim dá-me cabo da cabeça. Sempre achei que as «memórias más» chateiam e aparecem quando menos esperamos por elas, mas também sempre considerei que nos ensinam qualquer coisa e que as lições que delas retiramos ajudam a protegermo-nos de situações que possam ser prejudiciais. Com o tempo vamos vivendo o processo de cura da situação traumática que lhes deu origem e é esse mesmo tempo (e o que fazemos com ele) que nos modificará e tornará mais fortes, mais experientes. Se um comprimido, de repente, apagar essas más lembranças, como poderemos retirar esses ensinamentos? Como poderemos fechar as feridas que o acontecimento gerador da má memória abriu? Como poderemos evitar um espaço em branco nas nossas memórias? É certo que todos temos lembranças de que gostaríamos de nos livrar, mas será que nos faria bem fazê-lo com um comprimido, de modo tão pouco natural? Não será muito melhor superar o trauma com a devida ajuda e aprender a conviver com as más lembranças, deixando as feridas levarem o seu tempo a sarar?
Enfim, o que concluo disto é que até o cantinho intocável da nossa memória corre sério risco de poder ser invadido e manipulado com um singelo comprimido. Talvez muitos até aplaudam a descoberta: a mim faz-me, simplesmente, muita confusão...
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