segunda-feira, 12 de março de 2012

Brinquedos

Estava há pouco a ler a crónica do João Miguel Tavares na revista do Correio da Manhã e não consegui evitar vir aqui aplaudir o que por lá diz. No seu espaço, intitulado «Os homens precisam de mimo», falou do seu reencontro com caixas que continham os seus brinquedos de infância e do seu espanto por verificar o desgaste que aqueles objectos tinham, não por serem velhos e estarem guardados há bastante tempo, mas pelo muito uso que lhes deu. Diz ele que «Aquele era um tempo em que as coisas que se partiam ainda eram coladas; em que se voltava a agrafar cuidadosamente uma capa que desabara; em que o conceito de reciclagem era inexistente porque as coisas simplesmente não se deitavam fora. Não quero parecer velhinho (embora vá parecer velhinho), mas tenho pena de não ver nos meus filhos a mesma dedicação aos seus livros e brinquedos.»

Compreendo perfeitamente o que ele diz, embora não tenha filhos. Lembro-me de tratar os meus brinquedos como se fossem preciosidades e é muito por causa desse cuidado que hoje ainda guardo  várias coisas com que passei horas a brincar quando era mais pequena. Livros, jogos, peluches, Legos: guardo com muita estima aqueles pedaços da minha infância de que nunca me quererei desfazer. E vejo com pena, tal como o autor da crónica, a falta de cuidado e mesmo de amor da maioria dos miúdos de agora para com os seus brinquedos. Na altura, partir qualquer coisa era desolador, mas buscava-se uma solução. Quantas vezes se procurou cá em casa a solução para um brinquedo a precisar de ajuda! E hoje? Hoje a norma é deitar fora porque as coisas valem pouco e, mesmo quando foram bastante caras, não têm o valor sentimental que tinham antes. Aqueles brinquedos eram o nosso mundinho, eram nossos, nossos, nossos. Muitas vezes nem sequer eram muitos e, como tal, as razões para os estimarmos aumentavam.

Hoje parece-me tudo mais descartável. Vejo pelos meus alunos que atrás daquilo que têm virá sempre mais e, portanto, o apego é menor e o cuidado também. Lembro-me de um aluno pequenito, no ano passado, que se apaixonou por uma metralha com tripé que era caríssima. Não descansou enquanto a mãe não lha comprou. Na semana seguinte estava desiludidíssimo porque aquilo não fazia barulho como ele queria. Então convenceu a mãe a comprar-lhe uma outra pistola que vira à venda e que seria «melhor». Às compras com eles ia a irmã mais nova que tinha, aos cinco anos, uma colecção de bonecas que devia ser maior do que as das seguidoras deste blogue todas juntas. E, portanto, a cada nova ida à loja, vinha de lá mais uma boneca que a miúda, nas palavras do próprio irmão, ignorava desde o momento em que abria a caixa.

Contudo, discordo do João Miguel Tavares no que ele diz sobre a sensação de posse: «Há um lado bom nisso: ao serem mais desligados, eles não são tão possessivos como eu era. Naquele tempo, emprestar um livro era para mim um sofrimento tremendo, porque tinha uma ligação quase fetichista às minhas coisas. Mas na cultura do "partiu-se vai para o lixo" perde-se a erosão dos objectos amados.». Não creio que hoje os miúdos sejam menos possessivos do que aquilo que nós éramos: acho que são iguais ou piores. Acho que o sentimento de posse é próprio da infância e não me parece mesmo que fosse um exclusivo nosso (colheita dos anos 80). Pela minha parte posso garantir que era, sou e serei possessivíssima (palavra que nem sei se existe) com as minhas coisas, desde as mais baratuchas até às mais caras e que ia e vou à loucura quando estragam alguma coisa minha. Santa paciência, houve coisas que o tempo não curou e esta foi uma delas. A meu ver, respeitarem as minhas coisas é quase como respeitarem-me a mim: quem mas destrói falta-me ao respeito. Viro um bicho!

Enfim, e voltando à crónica, parece-me que hoje é tudo demasiado descartável e que é bem possível que muitos miúdos que hoje têm um enorme número de brinquedos se arrisquem a, daqui a umas dezenas de anos, resgatar de casa dos pais vários caixotes com coisas partidas e irreconhecíveis. Mas também, e vendo tudo por outra perspectiva, talvez  isso também seja sinal de que se divertiram muito. Não é, com certeza, aos trinta anos que criamos memórias a partir dos nossos brinquedos...


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