Ontem assisti a uma reportagem num noticiário que me deixou arrepiadíssima. Parece que agora existem uns bonecos que pretendem assemelhar-se a bebés verdadeiros e cujos rostos são esculpidos de acordo com o gosto de quem os vai adquirir. O próprio material de que são feitos pretende ser o mais próximo possível daquilo que seria o corpo de um bebé. Mas o pior é o público a quem isto se dirige: consiste em mulheres adultas que queiram, julgo eu, reviver as alegrias de ter um bebé a sério.
A reportagem apresentou a dona de uma dessas bonecas e a coisa ficou ainda mais esquisita, já que a senhora andava com a boneca ao colo e olhava para ela embevecidíssima, dizendo que tinha um gosto pela boneca que nem sabia explicar! Não sei se aquela senhora encaixava no que vou dizer, mas fiz uma pequena pesquisa na internet e percebi que há até quem passeie estes bonecos pela rua, dentro de carrinhos como os que usam os bebés de carne e osso. Mas mais: um boneco daqueles pode chegar a custar quinhentos euros, na medida que é todo esculpido ao gosto da cliente. Tem lógica: se os filhos nos podem calhar feios, Deus nos livre de que um boneco de quinhentos euros seja menos do que lindíssimo!
Na reportagem apareceu, também, o psicólogo clínico Eduardo Sá, que eu geralmente acho demasiado benevolente com tudo. Todavia, até ele achou a coisa um bocado esquisita e chegou a afirmar que quando estes bonecos surgem para colmatar processos de luto, então a coisa entra mesmo no domínio do mórbido.
Há uns tempos tinha visto uma reportagem parecida num canal por cabo. Nessa altura, falou-se de homens que em vez de arranjarem companheiras de carne e osso, compravam, por quantias exorbitantes, bonecas que procuravam imitar o corpo feminino. Eram feitas num material que pretendia parecer pele, o cabelo era humano e as proporções eram as de uma mulher comum. O que esses homens faziam era o que as mulheres que compram os «reborn babies» fazem: dar-lhes um nome e tratá-los como se de seres humanos se tratassem. Lembro-me de algumas imagens da reportagem em que um homem sentava a sua boneca no banco do pendura e passeava com ela de automóvel. Chegavam a um parque e ele sentava-se ao lado dela num banco, apreciando a paisagem.
Enfim, que vivemos numa sociedade onde a solidão é o prato que mais se serve, ninguém dúvida. Contudo, esta substituição de relações humanas por relações artificiais não me parece nada saudável. Uma coisa é ser-se criança e brincar às bonecas, recriar o mundo através da vida da Barbie e amigas. Outra coisa é ser-se adulto e tratar objectos inanimados como se de seres humanos se tratassem. Todos nós temos objectos que adoramos, que protegemos, que guardamos com carinho. Daí a andarmos aos beijos a eles e a levá-los a passear vai um passo de gigante! Os próprios anúncios a estes bonecos (encontrei vários na internet) são assustadores, pois prometem um «bebé quase real». Perdão? Aquela parte a que chamam «quase» é suficiente para se fazer a diferença entre um ser humano e um boneco. Por muito que tentem que o boneco tenha uma superfície macia, aquilo nunca será pele. Por muito que recriem as manchinhas na pele que os recém-nascidos apresentam, aquilo jamais será um bebé. E por muito que as respectivas donas os vistam e dispam, mudem fraldas, passeiem ou perfumem, nunca receberão qualquer tipo de apreço ou reconhecimento porque aquilo não passa de um boneco. É, aliás, tão boneco quanto aqueles com que todas brincámos em crianças. A diferença é que nós estávamos na idade em que ainda podíamos achar que aquele pedaço de plástico era mesmo um bebé.
Sem comentários:
Enviar um comentário