Tendo acabado agora de classificar os testes intermédios do 12.º ano, sinto uma vontade enorme de tomar comprimidos que me ponham a dormir durante duas semanas e que me façam, depois, acordar esquecidinha de todo da enorme javardice que acabei de ver.
Não é que os disparates sejam novidade: infelizmente já vi muitos e alguns até já me proporcionaram gargalhadas (nunca me esqueci da menina que, no ano passado, a propósito do «Sermão de Santo António aos Peixes» utilizou o termo "falatória" no lugar de "oratória"...), mas o que vi nestes testes deixou-me mesmo irritada. Entendo que nem sempre os alunos percebem o texto ou que nem sempre percebem as perguntas ou, até, que nem sempre se sintem inspirados a escrever textos fabulosos. Às vezes a coisa sai mais ao lado e isso até a mim me pode acontecer. O que me fascina é que naquilo que podemos dominar, nas áreas em que é impossível perder pontos, aquela gente consiga deixá-los escapar à grande e à francesa. Dou exemplos: estão rotos de saber que não marcar adequadamente os parágrafos (coisa que se aprende na escola primária) rouba pontos. Mas escrever um pouco mais para a direita da margem não é fixe, por isso parágrafos são coisa que não existe em boa parte dos testes. Estou cansada de avisar sobre isto. Ouvem-me? Claro que não. Outro exemplo: ganhei rugas de tanto que repeti que os nomes das orações eram para estar sabidos de uma ponta ou outra. Uma oração subordinada substantiva completiva é isso e não apenas «completiva». Acham que fui ouvida? Em alguns casos não. Mais um: estou azul-estrumpfe de avisar que os limites mínimo e máximo dos textos que o enunciado pede são para ser cumpridos. Se o teste pede que escrevam um texto com, no mínimo, duzentas e, no máximo, trezentas palavras, santa paciência, é para cumprir. O que me aconteceu foram textos muito promissores, mas que obtiveram uma pontuação paupérrima em boa parte pelo desconto de pontos referente ao desrespeito pelos limites impostos (geralmente por escreverem menos do que é suposto, raramente pelo contrário).
Mais: os alunos poupam a tinta das canetas como se amanhã fosse iniciar-se uma nova guerra mundial (cruzes canhoto!) e as esferográficas viessem a tornar-se preciosidades a estimar. As respostas são curtíssimas e, muitas vezes, desrespeitam o enunciado. Por exemplo: pede-se-lhes que relacionem dois versos de um poema, que encontrem aquilo que entre eles há em comum e o que é que eles fazem? Limitam-se a falar, numa singela linha, de um dos versos. O outro é ignorado e pronto.
Já discuti isto com outros professores e a conclusão a que todos chegamos é a de que os alunos acham que fazendo o mínimo chegam lá. Em vez de escreverem as duzentas palavras escrevem cem e quem corrige que as aproveite bem. Em vez de explicarem por palavras suas o sentido de um determinado verso, limitam-se a transcrever duas ou três palavras soltas ligadas por uns disparates quaisquer e esperam que o corrector largue ali a devida pontuação (de preferência positiva) por um esforço supostamente enorme. Errado: quem corrige acaba a dar zeros atrás de zeros porque nada do que se pede vai sendo respeitado. Nem limites nem regras de ortografia, nem coisas são simples como a marcação de parágrafos. Fazer o mínimo é, muitas vezes, o mesmo que não fazer nada, mas aos alunos custa perceber isso. É por isso que as negativas aparecem em grande quantidade, deixando-os abismados porque pensavam que o que tinham feito «chegava para passar». Não fazem o que se lhes pede: fazem o que acham que chega. Pela minha parte, que ando nesta cruzada com estes meninos desde Setembro, já se me vai cansando a voz. É que lembrar gente à beira do ensino superior de que é preciso assinalar os parágrafos é vergonhoso e, parece-me, já não me devia estar a acontecer. Com este cansaço que surge quando ninguém nos ouve lembrei-me muito do nosso Camões que, quase no final d'Os Lusíadas, diz:
«No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.»
(Canto X, est. 145, vv. 1-4)
Como eu o compreendo...
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