quinta-feira, 1 de março de 2012

Escritores brasileiros

Durante os anos de Licenciatura tive algumas cadeiras ligadas à cultura e à literatura brasileiras, o que me permitiu ficar com umas luzinhas sobre a história literária e alguns aspectos culturais de um país tão ligado ao nosso. Já antes de ter essas aulas havia lido obras de autores brasileiros, principalmente de Jorge Amado e tinha gostado. Apreciava, principalmente, o constante humor que passeava pelas linhas das páginas, a criação de personagens e de situações caricatas que não diminuíam a qualidade do texto (há quem julgue que só o que é sério é bom), mas que só o enriqueciam.

Um dos meus livros favoritos é um dos mais conhecidos livros brasileiros: Olhai os Lírios do Campo, de Érico Veríssimo, cuja escrita é perfeita e os temas abordados muitíssimo actuais, ainda que a acção do romance que passe pouco depois do início do século XX. É um texto que se lê sem qualquer dificuldade e que nos deixa sempre a impressão de que é preciso pensar sobre o que o livro nos está a dizer. É uma história que, realmente, deixa marca e não se deixa esquecer.

Gosto muito, também, de Machado de Assis e acho mesmo que é um dos maiores escritores de língua portuguesa (para não dizer universal) de todos os tempo. Tanto o Memórias Póstumas de Brás Cubas, que estudei na faculdade, como o Dom Casmurro, que li depois, me parecem duas pérolas literárias que todos devíamos ter a obrigação de ler. O primeiro é narrado por um homem morto que vai contando a sua vida. O segundo é o responsável por uma das grandes questões da literatura: terá Capitú traído Bentinho? Este é o nome da personagem principal, apaixonado desde criança por uma vizinha a quem chama de Capitú. Casam, são felizes, têm um filho, mas a dada altura ele mete na cabeça que o filho é parecídissimo com o seu  melhor amigo e rapidamente conclui que foi traído pela mulher. Consumido pelo ódio, despacha a esposa e o filho para longe e fica sozinho, surdo para tudo o que lhe dizem, como bom casmurro que é (e a justificar o título da obra). No fim o leitor fica com a dúvida: ela foi ou não infiel? Rios de tinta já correram sobre o tema, mas nunca se saberá se a boa da Capitú andou na «sacanagem» com o amigo do marido. Eu cá acho que não, mas com aquela história as coisas passam-se assim: cada leitor formula a sua opinião sabendo que nunca esclarecerá a questão.

Já disse que adoro o humor com que os brasileiros aquecem as suas histórias. No outro dia ri-me ao ler um conto também de Machado de Assis em que durante a noite, numa igreja, os santos abandonam os altares e se põem à conversa uns com os outros fazendo uma enorme galhofa ao recordarem os devotos que os visitaram durante o dia e as promessas que fizeram. Nessa altura pensei que os autores do outro lado do Atlântico têm uma tara com santos que fazem o que lhes dá na gana, já que o Jorge Amado tem um romance fabuloso em que uma santa, transportada num andor, a dada altura arregaça a saia para libertar os movimentos e desaparece a correr dali para fora. O título deste livro é O Sumiço da Santa e relata a busca pela imagem que resolveu sumir no mundo. Deste autor sou, ainda, grande fã dos romances Tieta do Agreste e Dona Flor e os Seus Dois Maridos. Ali à minha espera para ser lido está o Farda, Fardão, Camisola de Dormir que me parece um belíssimo bombom.

E se falo de literatura brasileira, não posso deixar de falar no Monteiro Lobato que criou aquela ternura que é O Sítio do Picapau Amarelo e que todos temos como uma das memórias televisivas da nossa infância. Gosto bastante dos textos desta colecção, mas ainda gosto mais da adaptação que fez do D. Quixote de la Mancha, a que chamou O Dom Quixote das Crianças. Foi, felizmente, um autor preocupado com a chegada dos clássicos às mãos dos mais novos e que, ao trabalhar numa editora, se mexeu para que isso acontecesse, não só com o texto de Cervantes, mas também com outros.

Enfim, são muitos os autores e as autoras (recordemos a escritora Clarice Lispector que verá a sua obra completa brevemente publicada em Portugal) que compõem a história da literatura brasileira. Se para uns a literatura desse país começou a partir do achamento do Brasil em 1500, para outros só começou depois de 1822, quando D. Pedro declarou a independência nas margens do Ipiranga. Seja como for, com mais ou com menos anos de história literária, parece-me que quanto ao Brasil não é o tempo que importa, mas o que fizeram com ele. E nisso o resultado é inegável: em termos literários foram fantásticos e produziram textos que só por pura ignorância podem ficar por ler.

3 comentários:

  1. Já li o D. Casmurro e dois do Jorge Amado, Mar Morto e O gato malhado e a andorinha Sinhá.
    Confesso que nenhum me entusiasmou por aí além... Gostei, mas foi só.

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    1. O Machado de Assis é extraordinário. Aliás, é mesmo tido como um dos melhores autores de língua portuguesa de sempre (embora tenha sido muito criticado por, nos seus livros, não introduzir muitas temáticas brasileiras, sendo muito mais um escritor virado para a realidade europeia). É fantástico tanto pelo uso que faz da linguagem quanto pelos enredos que cria. Adorei o Dom Casmurro em parte pelo tal enigma sobre a Capitú, que ainda hoje enlouquece muito crítico literário. Quanto ao Jorge Amado, é um autor que representa bem uma parte da nação (a Baía) nos seus textos o que, em certos casos, pode aborrecer os leitores por ser tema tão recorrente. É também muito dado às religiões locais e não deixa de inserir essa cor local nos seus livros. Jorge Amado vale, também, pelas tramas que inventa que, não sendo muitíssimo elaboradas, são interessantes. Mas vale, parece-me, ainda mais pelas personagens que cria. Dona Flor e os seus Dois Maridos é uma obra em que uma mulher perfeitamente normal se vê dividida entre o amor por um marido muito vulgar mas que está vivo e um bastante assanhado que está morto (e que a visita). Todo este leque de personagens (bem como a Gabriela de Gabriela Cravo e Canela ou a Tieta de Tieta do Agreste) contribuem para uma riqueza muito grande nos seus textos. Admiro muito a literatura brasileira porque acho que, efectivamente, é produzida por autores que têm uma certa alegria e humor que nos vão faltando. Experimenta o Olhai os Lírios do Campo que é um livro absolutamente arrebatador pela quantidade de linhas de reflexão que permite. :)

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  2. Obrigada pela sugestão. Quando me cruzar com esse vou experimentar dar-lhe alguma atenção! :)

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