Ontem a SIC mostrou no noticiário o caso de uma jovem professora que decidiu abandonar o trabalho que tinha numa escola devido ao facto de ganhar muito menos do que aquilo de que precisa para viver. Tinha uma carga horária de doze horas semanais que se traduziam em mais ou menos quatrocentos euros mensais. Notou ela, e muito bem, que nem sempre chegava a esse valor porque «quando há feriados ou férias não recebemos». Pecebe-se, assim, que é mais uma docente em regime de prestação de serviços, isto é, à mercê do maldito recibo verde.
Segundo a escola, era uma óptima professora de Música e todos lamentaram muito que o desfecho tenha sido este. Ninguém lamenta, contudo, mais do que a própria que, após um lampejo de independência, se vê forçada a regressar a Aveiro, à casa paterna, onde pelo menos a renda da casa e a conta da luz não lhe calham só a ela todos os meses.
Conheço tantos professores na situação dela. Com a sorte, pelo menos, de não estarem longe da casa dos pais e de ainda contarem com ela como abrigo e apoio ao qual terão de se colar enquanto a vida não dá para mais. Aliás, isto de entender os docentes como prestadores de serviços está na moda, tanto nas escolas públicas quanto nas privadas. Nos dias que correm, conseguir um contrato é como ganhar o Euromilhões, embora as probabilidades de se enfiar a assinatura num me pareçam muito menores do as de acertar nas estrelas e nos números certos. Mas o que realmente me dana é a maluqueira que existe em torno da avaliação dos professores, no fundo a súbita necessidade de arrumar os docentes por classificações e de correr do sistema com todos os que não prestam. Acharia isso muito bem se se verificasse a mesma preocupação em dar condições decentes de trabalho a estes profissionais. Será que os retardados que bradam aos céus a necessidade de limpar as escolas de professores menos «bons» ainda não pensaram que se calhar boa parte da falta de empenho e do desânimo exibido por muitos docentes se deve ao facto de serem tratados como os tipos que vão duas ou três vezes por semana a uma escola, que prestam um serviço e que não têm direito a nada que não seja um valor pago à hora e que é cego para todo o tempo de trabalho que um professor dedica a uma turma fora da sala de aula? Sim, porque com este sistema o docente só recebe pelas horas em que dá aulas. Mas e a correcção dos testes? E a preparação das aulas? E as reuniões? E o tempo que se passa na escola por alguma razão que nos ultrapassa? É tempo nosso e, a contragosto, oferecêmo-lo aos estabelecimentos de ensino. Não podemos fazer nada, não é? É ridículo um professor receber ainda menos do que um reformado com a reforma mais reles (que também nunca devia receber a miséria que recebe) porque num determinado mês, devido às férias de Natal, só trabalhou meio mês. Minha gente, isto acontece. E as pessoas que passam por isto são professoras dos vossos filhos, primos, irmãos... São as mesmas que são criticadas quando não mandam trabalhos para casa, quando fazem testes curtos ou longos, quando não se envolvem em actividades para além das da sala de aula. A mim parece-me que mais do que avaliar professores, importa dar-lhes condições que os motivem. Um professor satisfeito com a escola, que sabe, por exemplo, que aquelas horas a mais passadas a preparar uma encenação com a turma farão parte da sua folha de vencimento, será um professor muito melhor e, com certeza, muito mais empenhado. Depois disso podem avaliá-lo à vontade e se, mesmo com excelentes condições de trabalho, não cumprir o que se espera, então façam o que entenderem. Mas antes, certifiquem-se de que ele tem efectivamente mais razões para se levantar de manhã e ir trabalhar do que as muito docinhas do «amor à profissão» e o «respeito pelos miúdos».
Se há profissão que me custa a entender como uma reles prestação de serviço é a da docência. Mas, enfim, como se costuma dizer «Conforme a música, assim se dança.» e, deste modo, o ensino continuará a perder bons professores que já não toleram este tratamento humilhante e a abarrotar de gente frustrada por viver para uma profissão a quem pagam, para ensinar as crianças e os jovens deste país, ainda menos do que o salário mínimo nacional.
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