quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Besta célere

Como ando sempre atrasada nas leituras, só há pouco li o texto de Pedro Mexia na revista Ler de Janeiro. Intitula-se «Bestas Céleres» e fala de best-sellers. O trocadilho com o nome é obra de Alexandre O'Neill e, diga-se, é perfeito.

No fundo, Pedro Mexia fala das características deste tipo de texto: muitas vezes romances (embora também se enquadrem nesta denominação livros de auto-ajuda e biografias), são quase sempre extensos e vendem muito em pouco tempo. Nas palavras do autor «são  em geral calhamaços escritos a trouxe-mouxe; e é célere porque vende depressa e espelha uma época em directo». Ou seja: são textos que têm uma vida limitada nas livrarias e que são facilmente substituíveis por títulos novos, mal as vendas diminuam. No fundo, são os livros da moda, aqueles que toda a gente anda a ler, ainda que a qualidade literária seja pouca.

E o que distingue o best-seller do clássico, um livro que continua a ler-se muitos anos depois da sua publicação? Pedro Mexia também explica: «O que distingue uma besta célere não é vender muito, mas vender muito depressa. As tiragens acumuladas da Bíblia ou do Quixote superam todas as bestas céleres, mas são livros que vendem sempre, ao longo dos séculos, enquanto o prazo médio de vida de uma besta célere é de uns meses, raramente mais de um ano. Até porque entretanto é preciso renovar as existências, e o romancista tem de produzir novo cartapácio.». Assim se explica que um clássico, pelas suas características, vá sendo lido e recordado mesmo quando já tem cinco séculos de vida, como o Quixote, mas que um best-seller desapareça das luzes da ribalta em meia dúzia de meses. No fundo, parece-me, a chave para tudo isto é mesmo a da qualidade. Os best-sellers são, digamo-lo, entretenimento. Ponto final. Têm uma história, por vezes um enredo cativante, mas no fim foi isso mesmo: entretenimento. Foi texto para ler no metro enquanto duas pessoas conversam aos berros ali ao lado, impedindo uma melhor concentração. Mas, e o que sobra? Nada.

Já um clássico é texto que deslumbra não apenas pela qualidade da história, mas também pela perfeição da escrita. São, perdoe-se-me o clichê, monumentos literários que primam pela qualidade a vários níveis. Fecha-se um clássico com a certeza de que não se passou por um mero entretenimento, mas por uma transformação. Somos verdadeiramente mais ricos depois de fecharmos o Quixote (puxo a brasa à minha sardinha sempre...), ou O Idiota, ou Os Maias, ou o Moby Dick, ou o Fausto, ou todos os outros que têm sobrevivido aos séculos que sobre eles passaram. São estes livros que terminamos não com a paupérrima sensação de que têm uma moral, mas de que nos espelham no que temos de bom e de mau. Aliás, são livros que me deixam sempre com a sensação de que o muito que possamos dizer sobre eles nunca deixa de ser redutor.

Detesto livros com moral. Detesto quando alguém me fala de um livro e me vem dizer «A moral do livro é...». Caramba, se um amontoado de páginas se resume a uma moral de uma linha então trata-se de um enorme desperdício de papel! O senhor La Fontaine conseguia fazer verdadeiras morais a partir de fábulas pequeninas, portanto parece-me que da outra forma é mesmo parvoíce. Mas a verdade é que muita gente só busca isso num livro. Lê trezentas páginas para chegar ao fim e perceber que «um sorriso pode esconder uma grande tristeza» (coloco entre parêntesis porque é das frases mais ocas e mais batidas que já vi). Uau, que grande desperdício de tempo, han? Contudo, pelo que ouço dizer, muitos best-sellers funcionam assim. Pretendem, no final, deixar um ensinamento que perdure, já que quase sempre são facilmente olvidáveis. É, no fundo, uma tentativa de sobreviver ao esquecimento a que inevitavelmente vão ser votados.

Já os clássicos valem página a página e não apenas pela moral de resumo típica nos best-sellers e de que os leitores tanto gostam. Chega-se ao fim da leitura de um clássico tendo a certeza de que cada parágrafo (ou poema, porque embora muito ignorada, a poesia também nos legou clássicos) contou, de que cada parágrafo nos pôs diante de uma montra onde o ser humano se exibia no que tinha de melhor e de pior. Nos clássicos está tudo aquilo de que precisamos. Estão os valores que nos regem, ou  deviam reger, e que regeram o Homem desde sempre. Nos clássicos estamos nós porque todos nós podemos ser um Alonso Quijano ou um Sancho Pança; todos nós podemos ser um Ismael ou um Fausto; todos nós podemos ser uma Anna Karenina ou uma Madame Bovary. E diga-se: isso sempre será muito mais interessante do que ser uma qualquer figura meio apagada de um best-seller.

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