segunda-feira, 31 de julho de 2017

Peculiaridades de um leitor IX


Uma das coisas que influencia os leitores a comprar ou a deixar um livro para trás é a sua capa. Há capas lindíssimas (algumas delas até em livros muito maus) e há capas terríveis, demasiadas vezes em livros muito bons. Também há quem queira saber apenas do conteúdo do livro e conviva bem com qualquer capa. Porém, dos bons leitores que conheço, todos ficam eriçados como um gato zangado quando vêem uma capa feia num livro que queriam comprar.

Claro que, tirando as capas inequivocamente más como a da fotografia que acima coloquei (e que saiu daqui, onde há outras que vale a pena ver), este conceito de capa bonita ou feita é subjectivo. O que para uns é bonito, para outros é feio e será sempre assim ao longo dos tempos. Contudo, seja como for, a partir do momento em que eu, de acordo com os meus gostos, considero uma capa desajustada a um determinado livro, estou no meu direito de querê-lo ou não na minha estante. Já me aconteceu não comprar uma certa edição porque, por exemplo, tem na capa imagens da sua adaptação cinematográfica, uma mania que considero perfeitamente idiota. Principalmente quando se trata de clássicos, textos que sobreviveram ao tempo, datar as edições com imagens que provavelmente serão engolidas pelo mesmo tempo que consagra o livro é ridículo. Um filme é um filme, um livro é um livro e obrigar os leitores a conviverem com as caras dos actores que protagonizaram a adaptação mesmo quando já passaram trinta anos e já ninguém se lembra dela é, a meu ver, escusado.

Um leitor que se dirija a uma livraria sabe perfeitamente que o que verá em primeiro lugar serão as capas dos muitos livros disponíveis. Inicialmente esse é o elemento que os distingue uns dos outros. As outras diferenças vêem-se com uma análise mais aprofundada: a leitura da sinopse, das primeiras linhas do livros, de paratextos como o nome do autor e os prémios já recebidos (informações que costumam constar da capa e das cintas que por vezes acompanham os volumes). Quantas vezes na história do livro o design das capas de uma determinada edição ou colecção distinguiu e ajudou a tornar ainda mais conhecidos os próprios livros? Quem não recorda a especificidade dos livros da «Biblioteca de Babel», com autores e textos escolhidos por Borges? E a colecção «Vampiro»? E os famosíssimos romances da Livros do Brasil que, durante muitos anos, nos trouxeram clássicos que mais ninguém editava? E hoje, quem não reconhece à distância um livro da Tinta da China ou da Cavalo de Ferro? Quem não reconhece facilmente pela capa um livro da Quetzal? Ou da Relógio D’Água? É que se é verdade que os leitores ainda julgam muitos livros pela capa, então as editoras têm de ter um cuidado redobrado com elas. As capas deixaram de ser apenas aquele componente do livro físico que servia para proteger o miolo para passarem a fazer parte da identidade de uma editora. Cada livro publicado partilha com os outros da mesma chancela ou da mesma colecção, além do logótipo, alguns aspectos gráficos que fazem com que sejam facilmente identificáveis. Assim, as capas ganharam importância ao longo dos tempos. Inicialmente os livros nem as tinham. Havia uma página que funcionava como frontispício e onde surgiam informações como o nome do autor, o título da obra e a casa onde foi impresso. O efeito de protecção não existia e muito menos existia a componente publicitária que as capas hoje têm. Os livros eram comprados pelo que eram e pelo que se dizia sobre eles. Não imagino alguém no século XVII a não comprar o Quixote por não gostar do frontispício do livro... Os encadernadores ainda ganharam algum dinheiro com isto, pois quem o tinha pagava para encadernar faustosamente as edições que comprava. 

Há poucos anos não comprei um livro de Thomas Hardy por considerar que a capa parecia um misto de romance cor-de-rosa com um daqueles livros que têm muitas «Sombras». Prefiro encontrar um dia uma edição mais antiga, mas mais bonita do que conviver com aquela monstruosidade. Para muitos leitores isto é apenas uma mania parva, uma picuinhice. Contudo, para quem vê os livros como um objecto que vai além do texto que traz no seu interior, a capa faz diferença. É verdade que hoje existem belíssimas capas em tecido para protegermos os nossos livros e, se quisermos, escondemos as capas de olhos mais abelhudos. Todavia, o que queremos em primeiro lugar, é que os livros sejam bonitos, atraentes, e que não precisem de ser escondidos. O miolo é muito importante, mas assim como deixo de comprar um livro se a letra for demasiado pequena ou demasiado grande, também deixo de o fazer se a capa for terrivelmente idiota. 

No curso de Edição de Texto que fiz, um dos professores contou várias vezes o episódio que levou a que Lídia Jorge quebrasse o contrato com a Europa-América e tal deveu-se a uma capa que a autora considerou desajustada para um livro seu. O editor não terá tomado em conta esta opinião e insistiu na sua proposta. O caso foi para tribunal e assim a editora perdeu uma das autoras que mais vendia. Esta história foi-nos contada muitíssimas vezes para ilustrar a ideia de que a capa faz toda a diferença e que são muitas, mesmo muitas, as pessoas que se preocupam com elas, por serem precisamente as primeiras coisas que vêem quando encontram um livro à venda. São estas peculiaridades que levam as editoras a valorizar cada vez mais o design dos seus livros porque se elas querem vender, nós queremos comprar e com os livros, como com todas as outras coisas que se transaccionam comercialmente, os olhos também comem. E os dos bons leitores, ao contrário dos dos meros compradores, comem muito mais.

2 comentários:

  1. Gosto de capas bonitas, mas não deixo de comprar livros se as tiverem feias.
    Importa-me muito mais quem traduz. Há nomes sinónimos de excelentes traduções, outros representam o oposto.
    Em ambos os casos procuro outras edições, caso as haja, ou compro na língua original.

    Tenho edições muito bonitas e cuidadas (O Michi que se atreva)e outras feiinhas.
    A minha edição d'"A câmpanula de vidro", da Assírio, está perto de horribilis. A RDA lançou há pouco uma edição mais agradável aos olhos, no entanto quando aos 18 anos li, só havia aquela. Mais tarde comprei uma edição bonita de capa dura em Inglês. Quando pretendo realmente ler o livro a capa é secundária. Interessa-me o conteúdo, não a capa que o acompanha. Se for bonita, melhor.
    A do último livro de Kundera é péssima, na minha opinião. Mas comprei-o. E do que já vi reeditaram os livros antigos com o mesmo grafismo. Felizmente tenho-os na edição anterior.

    Caso flagrante de mau gosto ou quiçá de falta de oxigenação cerebral: as capas de Saramago.
    Quem, quem achou boa ideia aquelas caligrafias? Quem deu o aval a tal monstruosidade? Alguns títulos têm hífens. Sem necessidade alguma.

    Em poesia existem capas muito giras, as da Língua Morta, para mim, inserem-se nessa categoria. E a editora é muito pequena, provavelmente sem grande margem para gastos. Comparativamente com o maior grupo editorial e com algumas das suas capas há um abismo imenso.

    As capas de filmes tiram-me do sério, estou a comprar um livro, não um dvd. É sofreguidão de venda e preguiça, acho eu.

    Tenho pena de não fazerem tiragem de capas duras e de moles. É uma questão de escolha e de gostos. Gosto de ter possibilidade de escolha.

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    1. Quando queremos mesmo muito muito muito muito ler determinado livro que tem uma capa horrenda, temos de fazer opções e quase sempre fechamos os olhos à capa para podermos ter o conteúdo. Mas se o que tivermos for curiosidade por alguns livros e tivermos de fazer escolhas, a capa tem influência. Mais: se não conheceres dois livros e precisares de comprar um livro para levar de férias, a capa terá ainda maior influência. Por vezes penso que as editoras têm paragens quando desenham algumas colecções, algumas capas. Concordo com o que dizes sobre os livros do Saramago. Acho que a Porto Editora quis romper drasticamente com a eterna imagem amarelada que os livros tinham na Caminho e fugiu-lhes a mão. Mais valia terem tentado dar ali alguma continuidade ou fazer ali outra coisa qualquer porque aquilo é estranho. Especialmente quando os títulos são longos, torna-se até confuso ler as capas.

      Há editoras mais pequeninas que fazem trabalhos muito bons com as capas e que dão lições a editoras maiores, mesmo tendo menos recursos.

      O que me enerva é sentir-me encurralada entre a curiosidade por um livro e a capa horrorosa que lhe fizeram. Sempre ouvi dizer que os olhos também comem e com os livros isso também acontece. Está até provado que há um determinado número de segundos para sermos seduzidos pela capa e que, passando esse tempo, provavelmente o livro não chamará mais a nossa atenção e a probabilidade de compra decresce muito. Por isto tudo, e porque ainda há leitores exigentes, as editoras deviam pensar ainda melhor nas capas que fazem. Recordo-me agora que tenho gostado das capas da Sistema Solar. Gosto da forma como se identifica a editora só de olhar para elas.

      Há uns dois anos cruzei-me com uma edição do "Quixote" bem ilustrada, mas com uma capa que parecia um catálogo de vendas de qualquer coisa. Com "etiquetas" que nem o eram, pous estavam impressas na própria capa. Colecciono edições do "Quixote", mas aquela repeliu-me de tal forma que preferi não comprar. É nestas ocasiões que as capas têm maior influência: quando já não há uma vontade doida de ler tal livro ou porque temos outras edições ou porque há outros que queremos ler primeiro. Em alguns casos, abençoadas capas de pano que sempre fazem esquecer um pouco a fealdade da capa enquanto lemos o livro!

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