segunda-feira, 17 de julho de 2017

«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.»*

Hoje fui ao parque com a minha mãe e a minha sobrinha pequenita. Ela andou para lá a brincar e a minha mãe esteve por ali para a ajudar sempre que era preciso, ou porque o balouço não se mexe sozinho, ou porque subiu demasiado e descer já assusta, ou porque entrou uma pedrita na sandália e é o fim do mundo... O que for. Ao mesmo tempo andava por lá uma menina pequenita, filha de uma moça que conheço de vista desde sempre até porque é irmã mais nova de uma antiga colega de escola. A tal moça é alguns anos mais nova do que eu e a menina teria sensivelmente a idade da minha sobrinha. Ela pediu à mãe para que entrasse para dentro do parque com ela quando viu que a minha mãe entrava com a neta. A mãe entrou e sentou-se num banco que lá está. Até aí nada de grave.

O que leva a que esta quixotada exista é o facto de que a mãe da pequena não largou o telemóvel um instante enquanto lá esteve, mesmo quando a filha falava com ela e lhe pedia ajuda por algum motivo. Em determinado momento saiu mesmo do recinto do parque, foi sentar-se a falar ao telemóvel do lado de fora e a menina acabou por sentar-se amuada no chão. Triste e com razão, acho eu, porque para aquilo não faz falta ter por ali a mãe.

Os telemóveis tomaram conta da nossa vida e cada vez menos sabemos parar, erguer o olhar e ver o que está à nossa frente. Eu não tenho filhos, mas parece-me que estes serão sempre muito mais importantes do que a actualização do Facebook ou do Instagram, mais importantes do que o que possa surgir no ecrã do telemóvel. Enquanto a minha sobrinha esteve sempre acompanhada, andou no que quis e teve toda a ajuda de que precisou, a outra menina recebeu respostas enquanto os olhos miravam um smartphone. A mãe estava, mas não estava. E é isto.

Tive em tempos um aluno que me chorou no ombro porque o pai ia aos seus jogos de andebol ao fim-de-semana e levava o portátil com ele. Ia, mas não via o jogo, não via o filho, não via nada além de um ecrã. E porque fora isso também parecia não ligar a nada do que o filho fazia, as lágrimas foram imensas. Era já um adolescente quando isto aconteceu, portanto os anos de desilusões sobre desilusões eram já imensos. Parece-me que como ele haverá por aí muitos meninos e meninas que poderão queixar-se do mesmo. E existirão cada vez mais à medida que o ser humano se deixa engolir mais e mais pelas tecnologias disponíveis. 

Um dia aquela menina crescerá e já não irá ao parque. Talvez a mãe lembre com saudades esses tempos de que não terá muito mais para recordar além da voz da filha de dos muitos pixels do telemóvel.

* Frases de José Saramago e epígrafe do conhecido Ensaio Sobre a Cegueira. Cada vez funcionam mais como conselho a seguir.

2 comentários:

  1. Também reparo em situações semelhantes à que contas.
    Há pais que estão a andar enquanto olham para o telemóvel, a criança está demasiados metros atrás. Às vezes caem, nem deviam estar a caminhar desacompanhados, e ainda por cima recebem ralhete. O mesmo se assiste em restaurantes. Pais a olhar para o ecrã e criança com tablet para não incomodar "os adultos".
    Respondem a perguntas mas não olham para os filhos. Estão só de corpo presente.
    Pergunto-me se conversarão com os filhos, se saberão o que se passa nas suas vidas, se os estimularão, se os filhos sabem de certeza que têm o amor dos pais.

    Também não tenho filhos, mas nunca faria tal coisa a uma criança. Minha ou de outra pessoa. A culpa não é so dos telemóveis é muito dos feitios das pessoas.
    Claro que existirão consequências a longo prazo.

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  2. A mãe estava lá, teve tempo para ir ao parque com a filha, mas ao mesmo tempo não estava. E assim se perdem tempos que não vão voltar, e assim se deixa uma criança desiludida. Parece que quanto mais se sabe de pedagogia, mais se ignora o básico sobre crianças. É como dizes: estão em corpo presente, apenas. Estão mais presentes nas redes sociais do que na existência dos próprios filhos, o que é de uma enorme tristeza.

    Sim, terá resultados e não me parece que venham a ser bons. Bem pelo contrário. Depois despacham-se os filhos para o psicólogo e dizem que não se entende, que sempre estiveram presentes para eles... E o psicólogo que resolva.

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