quarta-feira, 12 de julho de 2017

Pânico no Scala - o balanço


Terminei hoje a leitura dos contos que compõem o volume intitulado Pânico no Scala, da autoria de Dino Buzzati e publicado pela Cavalo de Ferro. O nome da obra é, na realidade, o título do primeiro conto do livro e posso dizer que «pânico» ou «medo» são mesmo as melhores palavras para sintetizarmos o conteúdo destes contos, se é que tal coisa é possível.

Contos como «Pânico no Scala», «O Monstro», «O Sótão» ou «Uma Gota», apenas para mencionar alguns exemplos, abordam a questão do medo, muitas vezes do medo irracional, que não se explica e que só cresce. Um medo que pode nem ter razão para existir, mas que está lá, soprando-nos o susto, o terror de que algo aconteça, impedindo-nos de viver em paz. No primeiro conto, por exemplo, existe o medo de que um grupo extremista ponha Milão a ferro e fogo na noite em que se levaria a cena O Massacre dos Inocentes (nome sugestivo, diga-se) no Scala. O protagonista deste conto é um antigo maestro, Claudio Cottes, que, aos poucos, vai sendo introduzido a essa nova realidade de um movimento que ambiciona «derrubar a ordem estabelecida» (p.10). Gradualmente, vai ficando a saber que o seu filho poderá estar em perigo e, assim, uma noite que se adivinhava ser de espectáculo, torna-se numa noite de susto em crescendo. Mais: essa noite acabará por formar uma pequena sociedade de homens e mulheres de diferentes proveniências e que se vêem sitiados dentro do próprio Scala de Milão. E, como a humanidade já nos habituou, quando algum grupo corre risco, o grupo dos que correm menos risco afasta-se e entrega o primeiro aos bichos. Convenhamos que já vimos isto na história mundial. Assim, o pânico do título vai estar presente ao longo de todo o conto, aumentando de intensidade e chegando ao paroxismo quando Cottes, por amor ao filho, decide tomar uma atitude. O final pode deixar-nos desconcertados (embora eu já o esperasse), uma vez que, quando finalmente se sai da protecção do Scala e se chega à rua, nasce a dúvida: afinal o medo tinha motivos para existir ou foi tudo fruto de uma espécie de paranóia colectiva? Fosse como fosse, serviu este medo para mostrar o Homem no seu pior, entregando outros como carne para canhão desde que isso fosse garantia da salvação da própria pele.

Outros contos abordam o medo. Diria até que quase todos e em muitas situações fiquei a pensar que aquele medo poderia ser mero produto da mente e não fruto de algo lógico que causasse susto. Diria que em muitas circunstâncias acontece como no primeiro conto: terminamos a leitura com a dúvida sobre a existência real dos motivos para ter medo ou sobre a possibilidade de ser a mente das personagens a primeira causadora de tais pânicos. O medo pode ser uma resposta a algo que tememos, mas também pode nascer da imaginação, pode ser «feito» por nós. Também encontramos a culpa nestes contos. Mais precisamente a culpa como alguma coisa que facilmente leva ao medo e, pior, ao pânico. 

Estes contos de Buzzati são curiosos precisamente por tocarem num ponto tão particular como este do medo criado e alimentado até mais não se poder. A escrita é bonita e poucas vezes aborrecida. No entanto, parecem-me textos que não devemos ler com sono sob pena de deixarmos passar momentos de reflexão ou de descrição do narrador. Houve contos que me souberam a pouco. Gostaria que continuassem e que tivessem um final óbvio e não uma dúvida que fica em aberto. Mas, se assim fosse, seriam outras histórias e não seriam de Dino Buzzati, com certeza, porque me parece que esta dúvida que paira, esta fronteira meio indefinida entre o fantástico e o real, entre aquilo que existe e o que pode existir fazem parte do estilo do autor e servem, entre outras coisas, para semear a confusão no leitor e uma certa inquietação que faz pensar sobre o que se leu. Sem esta sensação estranha que vai ficando, o impacto dos contos sobre o leitor não seria o mesmo. Se soubéssemos pelo narrador que aquele monstro de que se fala é mesmo um monstro, o conto seria outro, a dúvida dissipar-se-ia e não haveria dúvidas quanto à sanidade de quem julga que o viu. A interpretação seria outra, estaríamos apenas no domínio do fantástico e isso deixaria de fora a dúvida e as atitudes estranhas dos que rodeiam a protagonista.

O livro é barato, por isso podem facilmente ler estes contos. Não vão dar o vosso tempo como perdido. E preparem-se para ver como o medo pode ser infundado, disparatado, mas também um problema sério, capaz de fazer notar o que de pior existe no ser humano.

5 comentários:

  1. Depreendo que não te encantou?
    Já ouvi dizer que Buzzati nunca igualou o que fez em "O Deserto dos Tártaros".

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    1. Não me encantou, não. Gostei da unidade temática dos contos, das várias faces do medo e do modo como ele chega a ser até mais criado pelas personagens do que nascido de algo real, mas não adorei os contos. Gostei mais de uns do que de outros, o que é normal, mas talvez por ter lido o livro sempre antes de dormir, achei certos parágrafos muito áridos. Ainda assim, não posso dizer que não tenha gostado de todo porque, de facto, há alguns textos que de tão surreais acabam por atrair-te para a leitura. Tenho de ler «O Deserto dos Tártaros». Mas antes tenho de o arranjar.

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  2. Ouch, parece cativante... vou procurar na feira do livro da minha cidade!

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  3. Ouch, parece cativante... vou procurar na feira do livro da minha cidade!

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    1. É interessante, na medida em que o receio, o medo e, finalmente, o pânico fazem parte das nossas vidas, mesmo sendo muitas vezes infundado e irracional. Boas leituras! :)

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