quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Aos homens constipados

Há uns tempos, cirandando por entre os blogues que gosto de bisbilhotar, deparei-me com um poema do António Lobo Antunes que não conhecia, mas que fiquei a adorar. Eu, que nem sabia que ele escrevia poesia, fiquei abismada com o talento do romancista para espelhar num poema a atitude masculina durante uma simples gripe. Ora, aqui vos deixo o «Poema aos Homens Constipados», cortesia do nosso grande António Lobo Antunes.

«Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes, que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte, nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças,
Tigres sem listras, bodes sem tranças,
Choros de coruja, risos de grilo,
Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo.
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão-de-ló,
Não te levantes, que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer.»


(Que tal? É brilhante, senhores, brilhante...)

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