segunda-feira, 6 de março de 2017

Este meu espelho

Este blogue nasceu no final de 2011, depois de uma estada em casa com varicela. Já era professora, na altura ainda não estava desencantada com a profissão e com a realidade terrível vivida pelos docentes nas escolas portuguesas. Em Novembro, no dia dois, mantendo-se aberto, este blogue celebrará meia dúzia de anos de existência.

Muito mudou de lá para cá, no mundo, no nosso país, mas sobretudo na minha vida. A primeira quixotada foi escrita no sofá da sala da casa dos meus pais, onde então vivia. Agora escrevo-as maioritariamente na minha própria casa. O trabalho daquela altura já não o tenho porque assim o quis. Já conhecem a história, não vo-la voltarei a contar. Desencantei-me com a profissão, mas aproximei-me ainda mais dos livros, precisamente porque voltei a ter mais tempo para eles. Passei os últimos meses a descansar esta cabeça que estava esgotada de tanto stresse, de tanta pressão diária, com uma medíocre pausa no mês de Agosto (que nem era bem pausa porque, mal o colégio reabrisse em meados do mês, recomeçava a chuva de emails e lá se iam as férias tranquilas...). Enfim, tudo mudou e eu sobretudo.

Mas porquê isto agora? Porque ontem precisei de encontrar uma quixotada antiga e isso deu-me ensejo para reler algumas das coisas que escrevi no final de 2012 e no início de 2013. Notei grande diferença no tom e no tamanho das quixotadas que escrevi naquela altura. Eram muito mais curtas do que são hoje, eram mais sarcásticas e mordazes, e também tinham mais humor. Falava muito mais do que vivia no trabalho do que nos anos seguintes. Ou seja: mesmo os disparates engraçados que os miúdos me diziam foram perdendo lugar no blogue à medida que ia percebendo a toxicidade que o trabalho estava a ter na minha vida. Parece-me que me tornei mais séria no tom, mas também nos temas abordados nos textos (salvo algumas excepções em que a parvoíce vem ao cimo e sai com estrondo). Senti, confesso, algumas saudades daquela capacidade para fazer humor relativamente a algumas situações do dia-a-dia. Parece-me que estes anos trouxeram e levaram muitas coisas, mas felizmente nem tudo se perdeu e ficou o blogue como testemunha disso tudo. Bem a calhar, ontem dei por mim a pensar que quando tiver um filho ele vai acabar por poder ler o que a mãe escreveu durante vários anos e publicou online para quem quisesse ler. Tem a sua piada. É como se fosse uma espécie de diário cuja leitura é consentida pelo autor. Não digo que o desgraçado não morra de vergonha com alguma coisa que tenha dito (embora ache que fui sendo cuidadosa com as palavras e considere que não expus assim tanto a minha privacidade). Seja como for, esquecemo-nos frequentemente de que o que aqui criamos todos os dias quando escrevemos em blogues será eterno na internet e, ainda que interesse a poucos, é uma parte muito significativa da nossa vida que aqui se encontra espelhada. Serve para os outros nos conhecerem (ou conhecerem apenas o que queremos mostrar, já que a realidade, a verdadeira, é só para quem está deste lado do monitor), mas serve também para que nós, volvidos alguns anos, possamos olhar para um outro «eu» que já foi, que cresceu para se tornar no «eu» de agora até que também ele ceda o seu lugar a outro. Quem leu o Harry Potter recorda-se bem do Dumbledore e dos seus frasquinhos onde guardava memórias e pensamentos que depois podia revisitar. Um blogue, como um diário, é a nossa forma de o fazer sem recurso à magia. É, ainda assim, uma experiência singular.

Aos meus alunos costumava dizer para escreverem um diário. Nem que fosse durante um ano, que o fizessem, pois um dia, passados muitos anos, iriam tropeçar nele e gostariam de reler o que haviam contado sobre si e sobre os seus dias. Ririam, provavelmente, mas de qualquer modo seria uma experiência curiosa. Alguns ficavam entusiasmados, contudo não sei se algum aceitou o desafio. Quando lhes dizia isto, sabia do que falava, já que além dos diários da infância e adolescência, tenho agora quase seis anos de um outro suporte, este, que espelha perfeitamente aquilo que fui fazendo com o tempo que passou. Consegui ontem, ao ler o que ficou para trás, encontrar-me no que li, mas perceber inúmeras diferenças entre o que escrevo e como escrevo agora e o modo como o fazia antes. Se o As Minhas Quixotadas durar mais meia dúzia de anos, quem sabe o que encontrarei depois? O que sei é que isto dos blogues, bem espremido, torna-se coisa séria, mas mais que isso, coisa pela qual ganhamos grande afecto, uma estranha forma de carinho. No fim de contas, por trás deste rosa todo e dos textos que já não sabem ser pequenos, sou eu e a minha vida que aqui estamos.

Nota: Mais seis anos disto e cada quixotada terá cerca de metro e meio de comprimento.

10 comentários:

  1. Aponta aí, se estivermos aqui daqui a 6 anos, fazemos um jantar!

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  2. Deixo-lhe um link. Uma vez, que está entre jobs e gosta de escrever, talvez lhe interesse.
    http://premiodeliteraturainfantil.pt/premio-de-literatura-infantil/regulamento/

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    1. Obrigada pelo link e pela visita. Vou ler com atenção o regulamento. Pode ser que a inspiração surja. :)

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  3. Para nos (re)conhecermos ou para nos reencontrarmos, para não termos memórias fictícias, é aconselhável escrever um diário, ou escrever pontos-chaves, pelo menos.
    "The past is a foreign country;they do things differently there."

    (Nem a todos basta uma madalena molhada em chá, ou um som para rememorarmos o passado ;))

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  4. Ah, a madalena do Sr. Proust! E com isso levas-me directamente ao meu primeiro ano de faculdade e à cadeira de Teoria da Literatura II, em que a madalena deu tanto que falar. Era eu uma "piquena" de dezoito anitos.

    Admiro muito a memória e o que ela representa para nós. Se um dia escrevesse um livro, seria sobre isso. Acho fascinante como aquilo que fomos e o que recordamos nos (re)constrói constantemente. E os diários ou, em versão moderna, os blogues ajudam-nos a agarrar o passado, tanto nos seus grandes acontecimentos como nos mais pequenitos do dia-a-dia.

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    1. Enganei-me na cadeira da faculdade (deve ser da hora). A madalena foi-me oferecida em Introdução ao Estudo da Literatura II. Para "introdução" já não era coisa pouca, han? 😃

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    2. Ah, basta falar da madalena para teres
      memórias :)

      Ter uma introdução destas aos dezoito anos, pode abrir o apetite ou ter o efeito oposto. Suponho que pouquissímas pessoas dessa idade tenham maturidade, ou paciência, para o tema.

      Eu tenho 27 e já sei que vou reler, não só pela beleza e introspecção apresentadas, mas também pelo que escapa.
      Tenho aprendido muito sobre pintura, por exemplo. Acredito que daqui a dez/quinze anos soboreie muito mais.
      A obra é sublime. Sim, requer compromisso, dedicação e paciência.

      Adiantei muito a leitura quando o meu namorado esteve fora, e leio até às duas e tal da manhã. Terminei o quarto tomo, iniciarei hoje o quinto. Por vezes o narrador pode parecer um menino mimado, outras obcecado e por aí, que nada faz sentido, mas tudo tem um propósito.

      Fala-se de memória, do que vemos, e do que outros vêem. O enredo não é complicado, a escrita é mais difícil por ser tremendamente "esculpida" e, sobretudo, pelas muitas orações subordinadas e parágrafos muito longos. Ao mesmo tempo que se fala de memória, trabalhamos a nossa :)

      Caso te interesse, e já disseste que sim, podes requisitar na biblioteca para veres se te agrada. Eu estou absolutamente rendida. Todavia, entendo que não agrade a toda a gente. São gostos.

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    3. Tenho de dar-lhe uma segunda oportunidade porque, realmente, Proust aos 18 e por obrigação é uma violência. Mas admiro a obra na mesma, sei que está ali um monumento que poderíamos passar a vida a estudar sem acabar a saber tudo. Um dia atiro-me a ele outra vez. Como já aqui disse quando reli Os Maias, a releitura em diferentes idades acaba por ser como uma nova leitura. Vemos tudo com outros olhos e isso é interessantíssimo.

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    4. PouquÍssimas, que vergonha. Tenho mesmo que escrever "à mão".

      Proust aos 18 anos é crueldade e contraproducente.

      Dá sim, não te arrependerás.

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