sábado, 12 de maio de 2012

Despedidas

Já aqui disse que odeio o programa da SIC «Alta Definição», mas hoje ele é o ponto de partida para uma quixotada que me andava debaixo da língua já há algum tempo. Tenho neste momento a televisão ligada porque gosto de trabalhar com algum ruído de fundo e acabei por ouvir uma frase do Carlos do Carmo pronunciada nesse mesmo programa. Disse ele: «O que perdi de amigos nestes últimos anos é algo de assustador.».

Infelizmente tenho de dizer que partilho com o fadista esse mesmo problema. O que perdi de amigos desde há uns dez anos para cá chega a ser penoso. Na realidade, depois destes anos todos é-me mais fácil contar os que ficaram, que sempre vão sendo menos. A alguns perdoo a deserção porque a mereci, a outros nunca perdoarei porque fugiram na pior altura, porque foram reles, traidores e idiotas. Deixei ir todos: em alguns casos ainda me esforcei por alterar a situação, mas não obtive grandes resultados. Não fez mal: aprendi a viver com poucos amigos, embora bons, e acabei por compreender que eu sou a minha melhor amiga. Nunca me fugirei, nunca me trairei, nunca me darei um chuto no real rabo, até porque é anatomicamente impossível.

A última amiga que foi à vidinha dela foi minha colega de faculdade. Eu gostava muito dela e ela, pensava eu, gostava muito de mim. Rimo-nos que nem loucas juntas, inventámos personagens, escrevemos disparates, passámos horas em gelados e conversas. Um dia fui acusada de não acreditar nela, ou melhor, nas capacidades dela. Alguém o teria dito, alguém se achou no direito de o fazer e eu vi-me a receber gritos e acusações de uma pessoa em quem sempre acreditei. Recebi pedidos de desculpas. Sabia que poderia tentar perdoar, contudo conhecia-me o suficiente para saber que não seria capaz de esquecer. Enfim, fiz o esforço. Há algumas semanas parei para fazer o balanço da situação e resolvi desistir. Sim, digo-o aqui oficialmente, desisto. Não posso e não quero esperar para retomar fios que não fui eu que quebrei; não posso e não quero reatar laços com quem me tratou mal e me acusou dos males do mundo, tendo depois acolhido no quentinho do coração aquele que envenenou tudo. Não posso e não quero. Tentei, esforcei-me, procurei convencer-me de que era possível, mas afinal não é. Há hipocrisias que me enojam e para mim esse é o fim do caminho. E sobre isso são as minhas últimas palavras.

Amigos tenho poucos e sei por que é que assim é. Sei por que é que cada um foi à sua vida e, concorde ou discorde, aceito. Não sou maravilhosa, não sou pessoa de apaparicar ninguém, não sorrio a toda a gente, não tenho a simpatia como a minha maior qualidade; sou mordaz, sarcástica e irónica. Gosta de mim quem se esforça por me conhecer: quem não tenta odeia-me logo. Aprendi, porque teve de ser, a viver comigo própria, a gostar  de ir às compras sozinha, a apreciar o sol na esplanada enquanto, sozinha, folheio uma revista. Pode parecer incrível para alguns, mas adoro esses momentos. Gosto, também, de estar com amigos, com os que ficaram, com os que me fazem rir, com os que gostam de panquecas e gelados e massas cheias de queijo parmesão. Mas já não morro, como noutros tempos, se todos desaparecem durante uns tempos. Se alguma coisa boa retirei de dez anos de amigos que somem porque assim o querem é o facto de agora saber estar e gostar de estar sozinha. O silêncio já não me incomoda e eu sou a minha melhor amiga. Assim é que tem de ser.

Esta quixotada havia de nascer um dia. Parece que esperava apenas um gatilho que a disparasse e, enfim, cá está ela. Aos que ficaram digo que gosto muito deles e que serei, enquanto por cá andar, a melhor amiga que souber ser. Aos que foram que sejam felizes sem mim. Não lhes faço falta: sou facilmente substituível.

6 comentários:

  1. (Gosto tão mais de comentar desde que me tornei numa entidade com nome próprio e larguei os grilhões sanguinolentos do anonimato, que todos oprimem e subjugam consoante as vontades despóticas daqueles que nos silenciam as nossas veleidades)

    Filha,

    Linda quixotada, devo confessar. Já parou para ver se a sua língua não é bifurcada? É que você, a falar assim, qualquer dia apanha um camadão de prurido nesse cabedal, que vai ser uma coisa linda de se ver.
    Bom, agora tentando falar a sério: concordo consigo quando diz que há gente que não merece o nosso esforço e que o melhor é cada um ir à sua vidinha. Também já tive algumas historietas quejandas e tentei dar a volta à coisa, mas a vontade era só minha. Olhe, p*t@ que pariu! Não ia eu bater com os cornos na parede por causa de vermes e acho munto bén que você não faça o mesmo (até porque a parede é rijinha). Sabe o que respondeu determinada Senhora da canção francesa, do século passado, quando lhe perguntaram quem eram os seus amigos mais fiéis? Respondeu: Todos os meus amigos são fiéis. A dama soube escolher e topá-los bem. Façamos nós o mesmo!

    Recordando o saudoso Engenheiro Sousa Veloso, despeço-me com amizade radiosa, condizente com o tempo que S. Pedro nos concedeu para hoje. Haja alegria!

    Espero que esta mensagem, que lhe envio, a encontre bem, a si e aos seus. Devo visitar a nossa terra no Natal. Com gáudio,

    Filho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estimado Filho,

      Você devia ser o Vasco Pulido Valente deste meu humilde blogue. Que tal um contratinho de prestação de serviços para vir aqui comentar toda e qualquer quixotadinha? Passa recibinhos verdes?

      Com cordialidade e na expectativa de o ver vir comer morcelas do fumeiro natalício aqui na terra,

      Filha

      Eliminar
  2. Querida eu cá também sofro do mesmo problema, as pessoas não se esforçam por estar umas com as outras, as pessoas simplesmente deixam sem saber porquê, desaparecem de mansinho, mas aparecem quando precisam, usam e abusam e depois desaparecem. Serão isto amigos? a amizade é um desafio diário, mas ultimamente já me apercebi que há muitos dos que considerava "amigos" que afinal não eram e deles não preciso. Vivo com poucos,vou perdendo muitos mas outros entram.. :) eu cá percebo-te muito bem e deixa-me muito triste!
    :) só faz falta quem cuida de nós, quem se interessa por nós e quem gosta de nós. Beijinho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, aNa. É verdade o que dizes. É triste, mas é assim que as coisas funcionam. A mim magoa-me a origem do último pontapé, contudo importa saber viver com isso. Parece-me que a amizade importante, mas muito mais importante é que gostemos de nós e que sejamos os nossos melhores companheiros. Tudo o que vier por acréscimo é bónus. :) Beijinhos e obrigada por dares cá um pulinho e um comentário.

      Eliminar
  3. " Não posso e não quero. Tentei, esforcei-me, procurei convencer-me de que era possível, mas afinal não é. Há hipocrisias que me enojam e para mim esse é o fim do caminho. E sobre isso são as minhas últimas palavras."

    É isto, sem tirar nem pôr. Para quê engolir sapos? Não merecem.

    (e estou a ver que tens haters lol)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acho que ao longo dos anitos que o blogue já tem apareceram por cá uns dois ou três. Mas devem ter ficado aborrecidos porque não voltaram a comentar nada.

      Eliminar