quinta-feira, 18 de julho de 2013

Cem Anos de Solidão: o balanço

Existem livros que nos escancaram a boca e que só nos permitem fechá-la quando também os fechamos a eles. Creio ser esse o caso de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. O que ali está é uma história tão rica e tão vertiginosa que muito mais louca que a genealogia das personagens acaba por ser a vida que lhes coube em cem longos anos de solidão. É como se de um desfile mágico se tratasse: passam diante de nós figuras ímpares na literatura, gente tão agarrada à vida que dura mais do que o tempo costuma permitir. Observamos personagens com poderes sobrenaturais, com a capacidade de ver mais além do que aquilo a que estamos habituados. Enfim, vemos neste Cem Anos de Solidão uma história onde entra tudo, tudo quanto a imaginação consegue  conceber. Aliás, diz-se que Gabo é o pai do realismo mágico latino-americano, sendo esta obra um excelente filho dessa corrente (se assim lhe posso chamar). O bom do realismo mágico é que faz com que tudo seja possível numa obra. Dá ao autor a desculpa ideal para que possa fazer TUDO o que entender com o enredo que cria e com as personagens que molda. Gabriel García Márquez deu, portanto, rédea solta à sua imaginação de modo a construir uma história onde cada linha surpreende pelo bem que se encaixa no resto e pelo que de extravagante traz consigo. Está tudo tão perfeitamente interligado, tudo tão bem montado que, voltando ao início da quixotada, o queixo fica caído durante longas e longas horas.

Conheci, neste livro, personagens extraordinárias. A matriarca Úrsula que aguenta a casa até ao momento em que é obrigada a desprender-se do mundo; Amaranta, uma mulher que prefere a raiva e o ciúme em vez da própria felicidade; o coronel Aureliano Buendía, que tanto faz uma guerra quanto singelos e inocentes peixinhos de ouro; Melquíades, o inventor da ciência e do progresso, autor em sânscrito da saga da família Buendía e profeta do seu desfecho; Pilar Ternera, olho preocupado e atento à família que ajudou a continuar e pela qual vela quase até ao último instante... São tantas as personagens extraordinárias que já devem ter dado origem a inúmeros estudos e dissertações! Contudo, tendo de eleger a que mais me ficará na memória, bem como a frase que mais me inquietou (o que, num livro como este, é tarefa quase impossível pela abundância de excertos inquietantes), escolho o sábio catalão que, já nos últimos capítulos, fornece a Aureliano os livros que lhe permitem estudar os pergaminhos de Melquíades. É dono de uma livraria de incunábulos e outros textos valiosos, mas a quem poucos dão valor. Homem de grande saber, leva os clássicos às crianças quando elas ainda estão nas mais tenras letras. No fim decide partir para Barcelona e levar com ele os seus escritos que, ao longo do tempo, vieram a ocupar três grandes caixas. No comboio não querem que ele as leve nas carruagens junto dos outros passageiros, mas sim que as despache com o resto da carga. A um homem de letras que passou a vida a ler e escrever, tal ideia é inconcebível. De tal forma que profere as palavras que aqui vos deixo e com que termino este balanço satisfeito: "O mundo estará fodido de vez no dia em que os homens viajarem em primeira classe e a literatura no vagão de carga." 

É genial!

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