No conto «A Aia», de Eça de Queirós, uma mulher salva o príncipe, sacrificando o próprio filho. No fim e em recompensa pode escolher quantas riquezas queira do tesouro real. Apenas agarra um punhal, dizendo que já salvara o seu príncipe e que agora iria dar de mamar ao seu filho. Concluídas estas palavras, crava o punhal no coração. Este final transforma este conto numa história que não deixa ninguém indiferente. Todos os que o lêem sentem-se tocados pelo sacrifício daquela mulher e, mais ainda, pelo modo como depois conseguiu mostrar que a sua dor era muito maior do que qualquer desejo de riqueza. Não conheço alma alguma que não tenha admirado este texto. Ou melhor, não conhecia.
Hoje um aluno achou a aia a personagem mais estúpida do mundo já que, perante inúmeros tesouros que a fariam para lá de rica, escolheu suicidar-se. Como era possível não escolher ouro e pedras preciosas e apenas seleccionar um punhal? Tentei explicar à criança que o sofrimento da personagem justificava o acto de escolher juntar-se ao filho na morte. Em resposta recebi isto: «Mas ela podia escolher as jóias e o dinheiro todo que lhe ofereciam e depois fazia outro filho!»
Gentes, há uma linha que separa aquilo por que sentimos valer a pena lutar e aquilo que parece ser uma causa perdida. Perante esta resposta (vinda de um aluno que afirma que se um dia encontrar uma carteira com identificação, tirará o dinheiro e não a devolverá ao dono), e depois de uma semana longuíssima, não me senti capaz de explicar ao rapaz que os filhos não se substituem. Também não o fiz por saber que alguns alunos têm situações familiares delicadas e por não os querer melindrar. Mas senti, sobretudo, um enorme cansaço e um desânimo igualmente grande. Quando um jovem não consegue perceber aquilo que de mais básico temos em nós, como os sentimentos e a impossibilidade de substituirmos aqueles que amamos, o que poderá ele entender? Mas pior: ele não era o único a pensar deste modo, o que me leva a perguntar o que raio se anda a fazer a estes miúdos.
Resta-me, portanto, esperar que o tempo o ensine e lhe mostre que as Playstations e o dinheiro que as compra não são nada perto do que são as dores do amor. E resta-me desejar que um dia ele perceba que ninguém o pode substituir a ele e que nunca conseguirá substituir um filho seu. Parece-me é que, infelizmente, ainda falta muito para que essa sabedoria chegue e eu não posso fazer o trabalho todo. Não me cabe a mim.
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