Houve, até hoje, pouco mais de um par de livros que me deixaram boquiaberta pela fenomenal qualidade da escrita e da história. Já gostei de muitos textos que li, já conheci livros que me ficaram no coração, já li histórias que me enredaram ao ponto de não conseguir deixar de as aconselhar a meio mundo, contudo foram poucos, muito poucos, os livros que fechei com a sensação de que tinha estado a ler qualquer coisa que, de tão perfeita, não podia ser deste mundo.
Um desses livros foi o Memorial do Convento (e, do mesmo autor, o Todos os Nomes). Pela beleza da escrita, pelo domínio da linguagem, pelas histórias que se cruzam, pela crítica, pelo uso da palavra certa no momento certo, fechei o romance de José Saramago incapaz de fechar a boca pelo espanto que me provocou a perfeição de tal obra.
Quando li o Quixote, que concluí em sete dias, também o terminei acreditando que nenhumas mãos humanas poderiam ser capazes de algo assim. Naquele livro tudo faz sentido, tudo é necessário e tudo é bom. Mais: quando o terminei e pensei que fora escrito no início do século XVII fiquei absolutamente abismada. Como conseguiu alguém, sem os meios que hoje temos e consideramos tão indispensáveis, escrever um texto em que cada palavra conta, que não podia ser de outra maneira, que está tão perfeitamente cheio de tudo o que nos faz falta? É e será sempre um mistério para mim.
Ao ler A Casa dos Espíritos, da Isabel Allende, tive uma sensação parecida. Não tão forte como com os outros que já referi, mas parecida. Aquela «magia» tão própria da literatura latino-americana e o modo como impregnava uma família era encantador. A forma como as peças encaixavam umas nas outras transformava o livro num daqueles doces que queremos saborear, prolongando a sensação agradável que ele nos provoca. Infelizmente os livros têm sempre uma última página e esta acaba inevitavelmente por chegar.
Mas, afinal, por que razão me lembrei eu disto? Por esta: ainda não acabei de ler o Cem Anos de Solidão e ando a lê-lo antes de ir dormir. Já o comecei há uns meses, mas sempre disse que seria livro para durar. Não me enganei. Contudo percebi ontem (devia estar mais desperta do que nos outros dias) que é um dos tais que não podiam ser melhores. Gabriel García Márquez escreveu naquele livro tudo o que de mais maravilhoso podemos encontrar num texto. Além de bem escrito, a história é de uma riqueza e de uma profundidade inigualáveis. Espanta-me que uma única cabeça tenha engendrado uma obra tão grandiosa como aquela. Ainda me faltam algumas páginas para terminar, mas até aqui posso dizer que o livro só me surpreendeu e que o que o autor ali fez tem sido, para mim, uma descoberta constante de perfeição. Fico arrepiada com aquela construção, com as inúmeras referências que ali se encontram, mas que não impedem o texto de ser diferente de tudo o que já foi feito.
Os livros, que já vou conhecendo bem, ainda me surpreendem e existem alguns que ultrapassam tudo o que já vi. Arrepiam-me, espantam-me e deixam-me a pensar que isto das letras tem muito de divino. Há textos que não parecem ser deste mundo, que não devem ter nascido de cabeças normais, mas de seres extraordinários e capazes de coisas que a minha imaginação está muito longe de conseguir conceber. Chamo a isto a "escrita divina" e encontrá-la num livro é das melhores surpresas que um leitor pode ter. E são surpresas raras, o que só aumenta o seu valor.
Nota: E amanhã ficamos a conhecer o Prémio Nobel da Literatura. Será que é desta que o Philip Roth leva a medalha?...
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