domingo, 14 de outubro de 2012

«Bestiário»: o balanço

Acabei agora de ler o Bestiário, de Julio Cortázar. Gostei de ler estes contos, embora ache que não os li com a atenção que mereciam. Talvez volte a eles um dia e acredito que os venha a compreender de maneira diferente. Nestes contos encontramos várias realidades muito fora daquilo a que estamos habituados e que nos levam a assistir a situações dificeis de imaginar. Desde um casal de irmãos que se vê expulso da própria casa devido à ocupação de algo ou de alguém que não é nomeado, até à personagem que vomita coelhinhos e passando pela família que passa os dias a fugir de um jaguar que se passeia pelas suas divisões, temos de tudo. No fundo, são criadas situações extraordinárias que, depois, pretendem evocar problemas perfeitamente comuns. Por exemplo, no caso dos dois irmãos do primeiro conto, o modo como continuamente se viam empurrados para uma área cada vez menor da sua residência é símbolo do modo como frequentemente desistimos de lutar, como nos deixamos dominar pelos outros, como preferimos cortar nos nossos direitos do que fazê-los valer.
 
Conforme ia lendo surgia-me à ideia a expressão «desfile de bestas», partindo do nome da própria obra. É que o que ali nos surge é um conjunto de figuras que, de algum modo, poderia fazer parte de um qualquer bestiário. Temos as personagens que sofrem fisicamente de incómodos extravagantes (como vomitar coelhinhos) e temos as que têm prazer em torturar os outros (como nos contos «Circe» e «Bestiário»). O que ali encontramos é gente colocada em situações muito anormais, mas que as encara como sendo as mais comuns do mundo. Nós, leitores, é que percebemos o enorme caminho que vai da nossa realidade até aquelas, tão estranhas. É esta estranheza que tenta passar por normal o que cativa no livro e o que nos leva a perceber que por trás de tantos monstros e de tantas situações extravagantes há problemas vulgares e que todos nós conhecemos. Além de extremamente bem construídos, estes contos colocam-nos perante as nossas próprias limitações e desconfortos. É por isso que vos aconselho a sua leitura. Entre outras coisas, verão que passarão a olhar os coelhinhos com outros olhos...

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