quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A nova praga

Os leitores com melhor memória lembrar-se-ão das quixotadas com propostas para novas pragas bíblicas do Egipto (não tenho nada contra o país, coitadito, é só mesmo porque falando em pragas, vem-nos logo à cabeça o episódio da Bíblia que pôs aquela gente toda num virote). Podem encontrar algumas aqui, aqui e aqui. Ora bem, tenho mais uma: migalhas.

Imaginem o seguinte: o faraó recebe o pequeno almoço na cama. Chegam-lhe lá os criados com os muffins acabadinhos de sairem do forno, biscoitinhos vários, um pão com queijo e uma meia de leite e ele, mesmo à patrão, deixa-se ficar deitadinho a debulhar aquilo tudo. No fim levanta-se, banha-se e vai à vida dele que consiste em ser abanado com folhas de palmeira e posar de lado para os hieróglifos. Bom, e o que sucede? Sucede que vai a criadita fazer-lhe a cama, esticando muito bem os lençóis de linho egípcio. Não se apercebe das migalhas e por isso, nessa noite, o faraó tem uma noite do caraças. Imaginem um quarto escuro, um tipo com barbicha e contorno nos olhos que, mirando o tecto, grita subitamente: «NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!». É que a sua morena e nobre pele está deitada em meia dúzia de migalhas que sobraram do repasto matinal. Ele bem se contorce, ele sacode braços e pernas a ver se se livra daquilo, mas não dá. Há sempre uma migalhita marota a aborrecê-lo. Por fim desiste, vai dormir para a chaise longue, pensando que pela manhã haverá de chicotear a moça que faz a cama e que, pelo sim pelo não, passará a optar por papas para o desjejum.

Pronto. É isto. É que eu, que adoro comer em todos os lados menos na mesa, tenho um problema grave com migalhas. Eu bem desenvolvi um meio de as apanhar todas enquanto como, mas no outro dia falhou redondamente e acabei toda eu coberta delas e a precisar de mudar os lençóis. Raça das migalhas, metem-se em todo o lado. São uma praga dos infernos! Fica a ideia.

10 comentários:

  1. Ahaha imaginei tal e qual o drama do homem.
    (Uma vez meti açúcar na cama da camarada do lado, quando se deitou foi giro)

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  2. Que terror! Melhor só mesmo com um mix de migalhas e açúcar. O faraó passava-se!!!

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  3. Ahahaha, tão bom.
    "Imaginem o seguinte: o faraó recebe o pequeno almoço na cama. Chegam-lhe lá os criados com os muffins acabadinhos de sairem do forno, biscoitinhos vários, um pão com queijo e uma meia de leite e ele, mesmo à patrão, deixa-se ficar deitadinho a debulhar aquilo tudo. No fim levanta-se, banha-se e vai à vida dele que consiste em ser abanado com folhas de palmeira e posar de lado para os hieróglifos."
    Pobre faraó, com a sua vida difícil! Não está muito longe do que é descrito em algumas partes de "Quo Vadis". Muito banho, muito perfume, horas a tratar da indumentária.
    Na cama não como, mas aos sábados e aos domingos tomo o pequeno-almoço no sofá. As migalhas das torradas infiltram-se em tudo quanto é sítio.
    Durante a semana, sempre a olhar para o relógio, como cereais ou papas de aveia/centeio na mesa enquanto leio as notícias e a ti também :)

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    1. Ena pá! Isto de ser lida ao mesmo tempo que as notícias dá todo um novo ânimo à coisa. :D

      Olha, eu como em todo o lado. Mas com os anos desenvolvi técnicas quase infalíveis para evitar a fuga de migalhas. Só que há alguns dias (poucos, felizmente) em que as técnicas falham. Às vezes estou a meio da boa da torrada quando um gato começa uma determinada asneira. Nem penso nas migalhas: levanto-me a correr e quando dou conta, pumbas, lá ficaram as malditas espalhadas onde não deviam. E depois são chatinhas de tirar dos sítios. Felizmente têm um inimigo mortal: o senhor aspirador!

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  4. Sou o tipo de pessoa que adora o pequeno-almoço, acordo sempre cheia de fome (não sei se será esse o termo porque felizmente muitos de nós não fazemos ideia do que é fome, mas percebes) e leio as notícias enquanto como. Cada vez mais são indigestas, sobretudo nos últimos tempos e para equilibrar leio-te e gosto do que leio. Caso contrário não voltaria.
    O aspirador é óptimo, sem dúvida mas há migalhas muito manhosas. Adoram os interstícios.
    Dá miminhos extra aos teus gatinhos por mim, sff, o que hoje me apareceu está para além das palavras e para além do entendimento de uma passoa sã, absolutamente inqualificável.
    O pequenino está estável e recuperará.

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    1. É verdade: há migalhas que são infernais. Por isso é que digo que serviam para praga bíblica.

      Os miminhos serão entregues. Não perco um dia para os amimalhar muito. Tenho a consciência de que não vão durar sempre e, por isso, quero ter a certeza de que os mimei todos os dias da vida deles.

      Hoje apareceu-te um gatinho? Bem, se estava mal não me contes que essas coisas deixam-me para morrer. Quando os bichinhos sofrem fico doida, especialmente quando o sofrimento é causado por pseudo-seres humanos que mereciam um machado no focinho sempre que se lembrassem de fazer mal a animais. Sorry pela violência das palavras, mas maus tratos a animais são coisa para me pôr fora de mim.

      E agora uma coisa que ando para perguntar-te? Tu tens algum blogue?

      Beijinhos e as melhoras para o pequenino. :)

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    2. Sou veterinária, e ocasionalmente as misérias aparecem.E também sofro mas não conto, nunca. Não vale a pena espalhar a tristeza. Hoje fui surpreendida, deste calibre não havia encontrado ainda. Espero nunca mais enconttrar.
      Não tenho blogue.
      Obrigada, o pequenito está melhor e assim que recuperar vem para minha casa.
      Beinhnhos e obrigada:)

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    3. Oh, coitadinho. :( Custa-me tanto que os animais sofram. Dos meus, quando alguém me chateia e diz que sou maluca por eles, costumo dizer que eles só nos têm a nós. E que cada vez que me der a preguiça de lhes trocar a água ou de limpar a areia, a preguiça é minha, mas quem sofre são eles. E eu é que escolhi tê-los. Por isso não há dia nenhum, mas nenhum mesmo, em que descure o bem-estar deles. E todos os dias os mimo até não poder mAis porque sei que um dia eles não vão estar cá e eu não quero pensar que lhes devia ter ligado mais. Acho que ninguém entende esta minha maneira de pensar, mas sou assim. Tanto que as caixas de transporte deles estão à porta de casa, mesmo destoando da decoração. E porquê? Porque pensei que se um dia acontecesse alguma coisa e tivéssemos de sair de casa repentinamente, era bom ter as caixas por perto para os pôr lá dentro e trazê-los connosco. Nunca vi ninguém fazer isto. Há três anos que mal abro as janelas, só pequenas frestas, porque tenho medo que eles caiam. Lá está, muita gente não compreende esta vida "condicionada", mas para mim não podia ser de outra maneira. Eu escolhi tê-los, eu tenho de protegê-los. Os acidentes podem sempre acontecer, mas faço o que posso a tentar evitá-los.

      É uma profissão muito bonita, a tua. Ainda que por vezes deva ser um murro no estômago.

      Beijinhos e parabéns pelo gatinho a quem darás uma vida melhor. :)

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  5. Também sou maluca para muita gente. Estou-me nas tintas.
    Os animais dependem de nós para tudo. As pessoas? As pessoas sabem falar, conseguem explicar-se, têm família, amigos. Sinto compaixão mas é muito diferente.
    Sempre tive cães, actualmente os meus pais têm duas meninas, uma a minha mãe apanhou na rua; meteu-a no carro e levou-a para casa. Tinha três meses e vivia na rua com um homem bêbedo que segundo algumas pessoas a maltratava. Tem 13 anos e passa por jovem. A outra tem menos 10 anos, golden retriever, e foi-me oferecida após uma cesariana complicada. O dono no fim sentiu-se tão feliz e aliviado que me ofereceu um bebé. Até chorou agarrado a mim.
    A mais nova tem uma paixão assolapada pela mais velha. Põe-lhe os brinquedos à frente, quer partilhar, anda sempre ao lado da outra enquanto olha para ela. Uma paixão como nunca vi.
    Há tempos estava com o meu irmão e vimos um cão a passear. Assim que me agachei para lhe fazer festas vi os olhos e reconheci a minha mais velha. Também ela havia sido vítima de violência. O olhar era igual. Gratidão, sabes? Não consigo explicar melhor.
    Quando saí de casa dos meus pais não as trouxe, com muita pena minha. Mas estão melhor onde estão, os meus pais vivem numa casa com jardim e muito espaço. Elas são grandes, uma arraçada de pastor belga e a outra golden e no meu apartamento para além de muitas horas sozinhas estariam confinadas a um espaço menor. Vêm passar muitos fins de semana comigo.
    Quanto às janelas, os meus pais têm umas "redes" com encaixes de metal que são facilmente postas e retiradas. Poderia funcionar bem para os teus gatos. Fazes muito bem quanto às caixas de transporte, estão prontas para qualquer eventualidade. Hoje em dia quem adora animais, sobretudo se for mulher, é imediatamente apelidada de doida e frustrada. "Não tens filhos e humanizas os teus animais". Enfim, pena que tanta gente não seja como nós, não existiriam tantos animais abandonados.
    Sempre quis ter esta profissão, desde sempre. Creio que seria muito menos feliz se fizesse outra coisa na minha vida. Mas sim, tenho dias negros. Mas não há nada, para mim, como salvar ou aliviar uma vida.

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    1. Sim, mulher com gatos é logo a doida dos gatos. No ano passado, os meus alunos do 10.º ano resolveram dar alcunhas aos seus professores. Posso gabar-me de a minha ser, ainda assim, a mais simpática: era a “Senhora dos Gatos” (havia alcunhas MUITO piores). Mas não quero saber. Para mim até é elogio. Se eu posso fazer o que faço por eles, porque hei-de não o fazer??? Eles não vão buscar água sozinhos, não vão à despensa buscar a ração. Não limpam a sua própria areia. Temos de ser nós. E olha que nunca o fiz contrariada.

      Ainda ontem assisti a uma cena que representa bem o que dizes. Enquanto esperava o autocarro, uma senhora que passeava o seu caniche do outro lado da estrada sentou-se com ele no colo num banco de jardim. O cão tinha uma daquelas capas para não ter frio. A senhora estava alegremente sentada com o seu cãozinho fazendo-lhe festas e descansando um pouco antes de continuar o passeio. Ora, na paragem onde eu estava, começa logo uma senhora idosa a dizer para outra: “Olha para aquilo! Se fosse uma criança se calhar maltratava-a, mas com o cão está ali só a fazer-lhe festinhas e a dar-lhe colinho!”. Perante a falta de resposta da outra, lá tentou moderar o discurso: “Não é que se devam maltratar os animais, mas tem de se ver que um cão é um cão e uma criança é uma criança!”. Até respirei fundo. Claro que um animal é um animal e uma criança é uma criança. No dia em que uma criança for um cão é que acho estranho. Agora, será que é assim tão inconcebível que se trate bem os animais? Que os consideremos os nossos melhores amigos? Quem disse àquela senhora que a que estava com o cão não trataria tão bem uma criança? É de uma estupidez enorme. É como se as pessoas fossem incapazes de lidar com vários seres diferentes. No fundo, é achar que os humanos que adoram animais são uns malvados para os outros humanos. Eu cá acho que se vê a bondade de uma pessoa precisamente pelo modo como cuida dos seres mais frágeis, por exemplo os animais. Mas a nossa sociedade ainda tem de percorrer um longo caminho nessa questão.

      Eu adoro os meus gatos e digo para quem quiser ouvir que gosto mais deles do que de muita gente. Muitas pessoas já me desiludiram muito, muitos amigos que se diziam sê-lo, desapareceram de um momento para o outro. Os meus gatos estão aqui para mim todos os dias e gostam de mim de qualquer maneira. Isso não tem preço.

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