sábado, 20 de janeiro de 2018

Internet sem culpa

Eu já vi muitos adolescentes fazerem coisas estúpidas, mas nunca, NUNCA na minha humilde existência poderia imaginar que a PSP precisaria de espalhar uma imagem como esta pelas redes sociais:


Ou que a US Consumer Product Safety Commission precisasse de colocar isto no Twitter:


Jamais imaginei ver fotografias de pizzas com o topping de cápsulas de detergente e nunca me passou pela cabeça que comê-las se transformasse num desafio entre os mais novos. Claro que só podia ser um desafio a ser filmado e colocado na internet para todos verem e aplaudirem.

Vamos lá ver: todos sabemos que a adolescência é comummente chamada de «idade parva» e há uma razão para isso. É que somos todos muito parvos enquanto passamos por ela. Uns com mais disparates, outros com menos, uns com gritinhos histéricos e outros com dramas amorosos de faca e alguidar, todos tivemos a nossa dose de parvoíce nessa altura. Mas parece-me sinceramente que o grau de estupidez está a subir os degraus aos cinco de cada vez. Nunca poderia imaginar que para ser ser porreiro e aceite pelos pares viria a ser necessário comer uma coisa que... Bom, como dizer isto... Serve única e exclusivamente para LAVAR A ROUPA! E que, assim sendo, é tóxica. Não é um alimento. Não é um rebuçado. Pode ser colorido, mas não é bom para comer. 

Até há pouco tempo, os pais tinham de preocupar-se em arrumar bem os detergentes, pois os filhos pequenos podiam, acidentalmente, ingeri-los. Isso terá acontecido muitas vezes com crianças pequenas que, vendo uma coisa colorida, a levam à boca (como fazem com quase tudo). Mas, lá está, refiro-me a crianças pequenas, crianças que gatinham, crianças com menos de meia dúzia de anos e que não têm a mínima noção do que estão a fazer. Não de adolescentes que sabem muitíssimo bem o que é um detergente.

Há quem culpe a internet, como sempre e, nela, as redes sociais. Desta vez não alinho nisso. A coisa é demasiado estúpida para dizer que a culpa é da internet. Ela não lhes pede para comerem detergente enquanto se filmam para mostrarem o vídeo ao mundo. A internet é feita do que as pessoas fazem dela e se algum génio da lâmpada fundida se lembrou de lançar ao mundo tal desafio, espalhando-o pelas redes sociais, os adolescentes que se cruzam com tal proposta têm de ter discernimento para perceber o absurdo da coisa. Desculpabilizar sempre os meninos e culpar a internet é fácil, mas aqui temos de perceber que se através das redes sociais me chega tamanha idiotice, eu, com nove, dez, onze, doze anos e por aí fora, sei que um detergente não é, EM CASO ALGUM, um alimento e que, assim sendo, comê-lo seria, além de ridículo, muito perigoso. O que falta? O desafio de ir ao bosque procurar cogumelos venenosos e comê-los para depois pôr o vídeo nas redes sociais? Haveria, aposto, quem alinharia em tal coisa, o que mostra que andamos a evoluir para trás e que não tarda vai-se-nos o polegar oponível, começamos a encolher e quando damos por nós somos australopithecus, mas mais estúpidos.

Juro-vos que nunca pensei ter de fazer uma quixotada sobre um desafio que passa por engolir cápsulas de detergente. Até custa a escrever isto de estúpido que é. Porém, acho que depois disto já tudo é possível. Parece que só importa que seja viral, que o mundo olhe para o «herói» que engole deliberadamente produtos químicos e que faça uns «likes». É disso que se trata: exibição pura, nem que seja através de um acto absolutamente perigoso e ridículo. O YouTube anda numa fona a apagar os vídeos que já tinham sido colocados com os comedores de cápsulas a cumprirem a sua estúpida missão. Estamos mesmo a chegar a um ponto em que até as redes sociais têm de apagar estes fogos que mentes nada iluminadas (diria até que inexistentes) insistem em atear. 

Quando todos já tiverem comido a sua capsulazinha ao pequeno-almoço, que porcaria inventarão para mostrar a bravura e determinação? Sabe-se lá. Mas também não deve ser preciso esperar muito porque no que diz respeito às ideias da treta, estes miúdos são muito eficientes e rapidamente aparecem com uma ou dez, cada qual mais ranhosa do que a outra. 

Aos doze anos o meu pai já trabalhava. Infelizmente, numa época difícil em Portugal como os anos sessenta do século passado, tinha de ser assim para muitas famílias pouco abastadas para mandarem os filhos estudar. Assim como ele, muitos se fizeram crescidos quando ainda eram crianças e jovens adolescentes. Muitos tiveram de tomar para si uma coragem que nem teriam e, quando chegava a idade, pegar em armas e ir lutar na estúpida Guerra Colonial. Muitos tornaram-se no sustento da família quando o pai faltava ou quando o dinheiro não chegava para criar todos os irmãos. Isto foi há meio século. Cinquenta anos volvidos, a nossa preocupação é a de que os adolescentes não comam deliberadamente as cápsulas do detergente da roupa. Evoluímos? Bem, sim: as crianças já não vão trabalhar. Mas ao que parece agora têm demasiado tempo livre para darem largas à estupidez que têm e que nunca passará enquanto eles não forem mais responsabilizados pela porcaria de decisões que tomam. É que desta vez, desculpem-me, mas a culpa não me parece mesmo da internet. 

4 comentários:

  1. São tratados como idiotas, sem nunca serem responsabilizados por nada e, por isso, comportam-se como idiotas.

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    1. Agora a idiotice chegou ao ponto de se envenenarem e porem o vídeo na internet. Isto é de doidos!

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    1. O título temporário desta crónica enquanto a escrevia foi, precisamente, «Darwin explica?», mas depois alterei-o. Acho que nem Darwin conseguiria.

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