quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Eu nem ia falar disto...

ATENÇÃO: A linguagem desta quixotada vai ser obscena.

Ora bem, eu não ia falar disto, mas depois li este texto e resolvi escrever duas ou três linhas sobre o assunto.
Pois parece que algumas deputadas do Bloco de Esquerda se lembraram de discutir a questão do «piropo». Admito que quando ouvi a notícia na televisão pela primeira vez não consegui deixar de rir um bocadinho, principalmente pelo inesperado da coisa. Porém, depois de pensar um bocadinho sobre o assunto, achei que talvez não fosse assim tão má ideia. Vai para aí muita javardice sobre o nosso corpo a sair da boca de desconhecidos e isso é, não me venham com merdas, incomodativo. Se há quem ache graça quando vem de um jeitoso, a verdade é que é tão nojento saído da boca de um Brad Pitt quanto de um homem-elefante.
A grande, grande maioria das reacções que já vi sobre isto resume-se a «por amor de Deus, há problemas mais sérios para resolver e nesses ninguém mexe». Pois por amor de Deus digo eu: existirem miúdas de doze, treze, catorze anos que têm de ouvir coisas como «comia-te essa c*** toda» ainda antes de terem entrado na escola não merece discussão? O facto de sermos constantemente brindadas com coisas como «martelava-te toda» ou «se te apanhasse comia-te à canzana» (sim, eu já ouvi isto na rua) é giro? É que se é então eu tenho o sentido de humor de uma centopeia porque, acreditem, quando um coxo-marreco teve a triste ideia de pronunciar a última frase perto da minha pessoa nos meus tempos de faculdade, ouviu uma resposta que o deve ter posto a coxear da outra perna e a entortar-se ainda mais.
Mas aquilo de que mais gosto é de ver que a maioria das pessoas que estão a dizer que há coisas mais importantes para resolver são MULHERES. Ou seja, os alvos preferenciais da javardice verbal alheia acham-se tão dignas de serem assediadas por tipos que acham que tudo podem que nem se importam. Podem irritar-se com tudo: desrespeito por filas, o aumento do preço do combustível, uma manicura mal feita, uma burocracia qualquer. Contudo, se um desconhecido lhes disser «és tão boa que te papava esse cuzinho todo» está tudo bem. São só palavras. Pois claro. E portanto têm sido, em boa parte, as visadas aquelas que mais força têm dado ao piropo. Para muitas já é coisa tão banal que pensar em tentar levar as pessoas a perceber que é assédio é pura perda de tempo. Tempo, recorde-se, que está a ser roubado às questões verdadeiramente importantes. Perdoem-me, mas ter um gajo desconhecido que me diz que me comia em determinada posição quando eu estou a passar para ir para o trabalho logo de manhãzinha parece-me uma questão importante. Desculpem lá o narcizismo, han.
Há uns tempos andava um tipo (com idade para ser mais que meu pai) a fazer a manutenção de um relvado aqui da zona. Ao lado tinha a carrinha da empresa estacionada. Quando eu passei lembrou-se de dizer uma pérola qualquer. Parei, olhei para o idiota e disse «Obrigado, estúpido. Como tens o número de telefone da empresa para a qual trabalhas escrito na carrinha, amanhã terás uma queixa na mesa do teu patrão.» Foi tão lindo ver aquele sorriso passar a um ar preocupado. Nos dias seguintes, sempre que passava por ele, baixava a cabecinha e nem abria a boca porca. Remédio santo. Todavia, nem sempre me apetece responder e nem tenho de andar sempre a puxar do dom da palavra para o gastar com ordinários. Não me conhecem, não falam. Simples. Mas quando existem mulheres que não se importam, que dizem que isto sempre existiu e que, portanto, não vale a pena falar nisso agora, que está na natureza masculina lançar piropos a uma mulher bonita, que há piropos que até são engraçados, que quem é a favor desta discussão sobre o piropo são as feiosas que nunca recebem nenhum, que o piropo é um elogio, bem, aí torna-se difícil. Se muitas aceitam isto como um mal menor, ou pior, como algo que nem mal chega a ser, as outras que, como eu, se incomodam têm também de comer e calar.
Se temos um rabo jeitoso, óptimo. Não precisamos que o javardo da esquina no-lo grite. Se temos um valente par de mamas, melhor ainda. Mas tendo em conta que ele deve existir há muitos anos (a menos que nos tenhamos rendido aos encantos do silicone na semana passada), já devemos ter conhecimento do mesmo e não necessitamos que um retardado o constate quando passamos numa rua movimentada. Se somos boas dos pés à cabeça, fantástico! Mas será mesmo necessário que um tipo que eu não conheço, de quem não sei nada e que não sabe nada sobre mim mo diga? E tenho de aguentar isso calada porque há fome no mundo, violência doméstica, uma crise financeira, animais em vias de extinção e uma alta taxa de insucesso escolar (a.k.a. «coisas mais importantes para discutir»)? Ora, o c******* é que tenho! Se gostam de piropos, peçam a um amigo para gravar meia dúzia deles e ponham-nos como toque de telemóvel. Pela minha parte apoio a discussão do assunto e se quiserem legislá-lo, tanto melhor. Talvez assim se calem algumas bocas porcas.

Notinha: Peço desculpa pela linguagem, mas há coisas que me tiram do sério e este pouco apreço que muitas mulheres têm pelo seu corpo e liberdade pessoal enquadram-se nesse domínio. Achei que assim conseguiria expressar de forma mais fiel o que penso sobre o assunto. Por vezes a linguagem imaculada não chega para «despejarmos o saco». Perdoem-me os leitores que não estão habituados a isto.

6 comentários:

  1. A linguagem foi óptima para trasmitir a ideia. Vejo que tiveste péssimas experiências, mas que resolveste da melhor maneira. A minha experiência continua a fazer-me parece tudo isto um exagero. Claro que por vezes pode ser chato, mas vamos fazer uma lei por causa disso? Se for "que miúda gira" é elogio mas se for "és boa todos os dia" já é assédio? Se alguma situação envolvendo o famoso piropo se tornar obsessiva, incomodativa ou até perigosa já existem vias legais (mais abrangentes) para a denunciar por assédio. Não me parece que haja mais nada a ser legislado ou discutido.

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    1. Nem "miúda gira" nem "és boa". Se um tipo não me conhece, não tem nada que se dirigir a mim com comentários sobre a minha aparência. Na quixotada dei exemplos mais labregos porque, acredita, quando era mais novinha os ouvia com uma frequência doentia. Também ouvi aqueles menos ofensivos, mas mesmo assim preferia que eles não existissem. Enfim, há quem não se importe e há quem se importe e por que, se importa o assunto deve ser discutido. Quem convive bem com piropos continuará a fazê-lo; quem convive mal terá, talvez, uma oportunidade para lidar com as coisas de forma diferente. Para mim, os piropos acabavam. Cada vez que me lembro de algumas das coisas que ouvi durante a adolescência fico louca só por imaginar que existem por aí suínos capazes de dizer de tudo a miúdas de doze ou treze anos.
      Ainda sobre a distinção entre "miúda gira" e "és boa", partilho a opinião da deputada do BE que vi falar na tv: ambas são assédio, na medida em que eu não pedi nenhuma opinião sobre o meu corpo a essas pessoas. E ainda outra coisa: um piropo até se pode tolerar, mas muitos já é difícil. Devo ter tido o azar de me cruzar sempre com idiotas incapazes de estarem calados para ter ficado tão farta disso.

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    2. Estou a ver que todos os trolhas labregos foram parar ao teu bairro :)
      (eu percebo que nem o "que bonita és" seja agradável, eu preferia que nenhum desconhecido me dirigisse a palavra - só me parece despropositado querer proibir isso também - eu também gostava que proibissem as pessoas de vir atrás de mim na rua pedir 50 cêntimos que faltam para o bilhete de metro, um clássico. Incomoda-me muito, tento ignorar mas os tipos são chatos, no entanto também acho ridículo se resolverem abrir uma discussão sobre o tema e tentar legislá-lo)

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    3. Bolas, eu respondi-te, mas parece que a resposta resolveu não se publicar. A ver se escrevo tudo outra vez. :S

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  2. (Eh booooooa!!!)
    (recuperando a compostura)
    (não me agrida, que sou seu Filho)
    (já baixou o chinelo?)
    (óptimo.)

    Fiiiilha,

    Li agora esta sua muy linda quixotada. Uma vez que a hora já vai avançada e este meu pobre corpo necessita do devido repouso, fica aqui rezistado que amanhã, mal passe soleira de minha porta, a comentarei condignamente. (Faça-me só o favor de ler este comentário com a devida pronúncia.)


    Com cumprimentos não de bêbedo,
    Filho

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