quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A redoma

Conheci há algum tempo uma menina de dez anos que me tira do sério. Pequenina, muito franzina, sempre que fala fá-lo num fio de voz que mais parece uma lamúria. É tão fragil que chega a ser assustador. Mas o pior são os olhos. Os olhos, senhores! Sempre lacrimejantes, sempre prontos a desatar num pranto sem igual. É revoltante! Esta menina é filha única e a relação que os pais mantêm com ela assusta-me de morte. Sei que a mãe não se limita a deixá-la na escola: ela leva-a até ao cacifo e só sai quando já não pode mesmo manter-se dentro do edifício. No outro dia a menina esqueceu-se do boné em casa e desatou num pranto que a levava a repetir "vou ficar doente, vou ficar doente". O pai lá foi a casa para ir buscar o malfadado chapéu.

Sempre que esta criança, por qualquer motivo, se dirige a mim, parece-me que vem pronta a deixar um novo Tejo sair-lhe pelos olhos. Chora porque não gosta daquele pão, chora porque já está farta da sopa, chora porque não encontra o lápis, chora porque tem chichi (juro!!), chora porque não sabe onde deixou o casaco... Chora, chora, chora. Caramba!

É óbvio que acredito que haja muito da sua própria personalidade nestas atitudes, mas também ninguém me tira da cabeça que a redoma em que vive, com uns pais que a tratam como se ela fosse uma florzinha frágil a precisar dos cuidados de um batalhão de servos, faz com que ela seja o que aqui descrevi. É uma criança que tem tudo, mas que parece constantemente em sofrimento. Não é que assim esteja realmente, mas parece. Tenho receio de que no Inverno o vento a leve, ou que a chuva a encolha. Eu sei lá que receios tenho! Quando vejo aquela criança assusto-me pela fragilidade imensa que aparenta. Não consigo deixar de pensar que o amor que os pais lhe têm os cega para a realidade de que aquela criança precisa de mais espaço, de menos protecção em exagero, de mais autonomia e que não irá conseguir nada disso enquanto os pais não perceberem que assim não pode ser. Mas quanto sofrerá ela até lá?

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