domingo, 26 de maio de 2013

Paraíso Inabitado: o balanço

Terminei hoje a leitura do livro Paraíso Inacabado, de Ana María Matute. O balanço que faço é muito positivo. É um livro muito bonito e fiquei curiosa para ler outros textos desta autora, uma vez que gostava de perceber se a sua escrita é sempre assim tão poética, tão admiravelmente bonita. A infância que ali é retratada nas personagens de Adri e de Gavi contrasta com o que era esperado, ou aceite, em meninos de classes económicas mais elevadas. Aquelas crianças eram verdadeiramente crianças: sonhadoras, curiosas, espertas, irreverentes e com uma capacidade de criar um mundo próprio muito única. Por outro lado, o que a sociedade esperava era outra coisa: crianças mais parecidas com adultos, sossegadas, quietas, sem espírito crítico, exemplares até ao aborrecimento.
 
Ao longo do livro entramos no mundo onírico de Adri e na amizade/amor que cria com um menino de origem russa que mora no seu prédio. Com ele partilha tudo o que não pode partilhar com mais ninguém. Vivem dias de verdadeira alegria, embora cada um tenha uma infância cheia de pormenores complicados para suportar. Porém, um com o outro são felizes, ainda que haja quem não veja aquela amizade infantil com bons olhos.
 
O leitor percebe, desde cedo, que alguma coisa grave estará para acontecer. No meio de tanta inocência, uma sombra atravessa todo o livro. Assistimos ao crescimento de Adri, às descobertas que faz e, acreditem, sofremos com ela. É que, embora nem todos tenhamos sido tão sonhadores como ela, há pequenos pontos que nos recordam a nossa própria infância e a nossa capacidade de inventar mundos a partir dos objectos quotidianos dos adultos. Por isso, porque há um pouco desta menina em cada um dos adultos que lê o livro, compreendemos dolorosamente a vida que lhe é dada viver, mas que ela contraria com o seu jeito infantil e sonhador.
 
De facto, é um livro que vale a pena. É viciante. Há frases de enorme beleza e, portanto, é um texto que vale pelo seu conteúdo e pela sua forma. Deixo-vos uma pequena passagem que considerei particularmente bonita. É um momento em que Adri tem de decidir se regressa a um lugar cheio de memórias felizes, utilizando uma chave que lhe foi dada para isso mesmo: para voltar e continuar, como puder, o sonho que ali viveu. Creio que falará directamente a todos os que já perderam alguém.
 
«Como há anos, guardando agora a chave na mão fechada, fui em busca do Unicórnio e dos fulgores cristalinos das aranhas. Não sabia se a devia utilizar. Histórias de chaves perigosas, cheias de mistério, embrulhavam-se na minha mente, lutavam entre o desejo e o medo. A imagem da chave suja de sangue, que a mulher do Barba Azul tentava limpar com areia, repetia-se sucessivamente. E a esperança de encontrar lá em cima qualquer coisa, nem que fosse um simples vestígio que roubasse a credibilidade à sua ausência, empurrava-me. Eu própria, sentada na cama, apertando a chave na mão, via-me minimizada, uma figura diminuta na grande solidão de um amor que não podia partilhar, que não sabia já onde pôr.»

Título: Paraíso Inabitado
Autora: Ana María Matute
Editora: Planeta
Ano: 2009
Páginas: 302

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