quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Crónica de um adeus anunciado

Andam todos a tentar convencer-nos de que o Acordo Ortográfico é importantíssimo para unificar a ortografia, que vai dar uma nova força à Língua Portuguesa, que vai aproximar os falantes dos vários países que a usam, blá blá blá. Não vou aqui manifestar a minha opinião sobre a mudança mais descabida e ignorante que a nossa língua já viu, uma vez que assenta em princípios que violam precisamente aquilo que se espera que uma língua seja (e o curioso é que o Acordo foi um disparate construído e pensado também por alguns dos nossos maiores linguistas, o que realmente dá que pensar...).  Não, já nem me quero chatear com tal palhaçada. Apenas menciono aqui a miséria do Acordo Ortográfico para perguntar que lógica tem querer diluir as fronteiras entre os vários países de Língua Portuguesa, querer que a escrita seja unificada de modo a ser compreendida «sem problemas» nos vários continentes onde é falada se depois se tomam decisões que conseguem precisamente o oposto? A Livraria Camões, no Rio de Janeiro, pertence à Imprensa Nacional da Casa da Moeda e, no fundo, era uma das formas que tínhamos para promover a língua e a cultura portuguesas. Na Sexta-Feira passada foi anunciado o seu encerramento, aparentemente motivado pela mesma razão que vai justificando a morte de tudo o que à cultura deste país diz respeito: dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Ou a falta dele, melhor dizendo. Segundo a INCM, a situação actual em Portugal e o fraco volume de vendas explicam o encerramento.

Portanto, por um lado temos todos de aprender a escrever como se fôssemos muito burros, baseando-nos no som e não no étimo das palavras, com a desculpa de que, supostamente, assim a Língua Portuguesa fica mais forte porque mais semelhante nos vários países que a falam. Porém, por outro lado, encerramos espaços que sempre serviram para a divulgação da nossa cultura, do que por cá se escreve, do que por cá se pensa, do que por cá se diz. E isto, note-se, acontecerá num país que partilha connosco o peregrino acordo que nos obriga a escrever «ótimo» em vez de «óptimo», como a evolução da palavra latina «optimus» pressupunha.

Felizmente, em Portugal existem muitos escritores que não concebem tamanho disparate e que têm feito o que podem para mostrar a sua discordância com tal decisão. Sim, num país onde a língua pode passar a conter regras «facultativas» (alguns acentos gráficos em formas verbais passam a aparecer só se nos apetecer colocá-los, ainda que depois isso torne confusa a leitura da palavra) e onde tudo o que diz respeito à cultura caminha pelas ruas da amargura, ainda há gente que não compreende este desmazelo, esta pouca importância dada à transmissão aos outros daquilo que fomos, somos e seremos. É nojento o que se está a fazer à cultura em Portugal e é uma vergonha que os números valham sempre muito mais do que o resto que é, «apenas», aquilo que sempre nos fez. Enfim, é mais um adeus que dizemos à cultura e mais um olá que dizemos à ignorância.

3 comentários:

  1. Este post tive que comentar, porque me diz muito. Quanto ao Acordo Ortográfico, sempre disse que era uma parvoíce do tamanho do mundo, um atentado atroz à nossa língua e cultura. Já enfrentei discussões muito grandes por causa disto, e ainda por cima com pessoas que tinha por inteligentes, mas que pelos vistos não aceitam uma opinião discordante. Eu vou continuar a escrever como sempre escrevi, porque amo a minha língua e porque não sou uma ovelha para seguir o rebanho.
    Quanto à segunda parte, o fecho da Livraria Camões, é mais uma machadada que economistas, políticos e tecnocratas dão na nossa expressão como Povo no mundo. Custa-me ficar a perceber que só se pensa em números e que as coisas que são intemporais como a Cultura sejam sempre relegadas para o caixote do lixo da História. É muito triste, mas são as pessoas que temos.

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  2. São as pessoas que temos e, pior ainda, são essas as pessoas que mandam. Em Setembro saiu um artigo na revista Ler sobre o Acordo Ortográfico que descrevia o longo processo que levou a esta palhaçada toda e é de arrepiar o modo como foi pensado (principalmente porque linguistas muito conceituados no nosso país o defenderam e participaram na sua realização, demonstrando que o que importa é o som das palavras que o resto são, no fundo, "paneleirices"). O fecho da livraria, enfim, é mais uma. O problema é que neste país existe sempre mais uma, mais uma, mais uma...

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  3. Eu compreendo alguma da revolta com o acordo ortográfico. Acho que tem muitas coisas aparentemente estúpidas e outras tantas que eu nunca vou conseguir voltar a aprender, que estava tudo muito melhor como estava e que não tinham nada que andar a inventar.
    No entanto tenho para mim que somos todos os grandes "velhos do Restelo"... Percebo que a língua tem de evoluir e que a forma natural de o fazer é através da forma "falada", compreendo que o que para nós agora é um choque daqui a uns anos será normal. E que os nossos netos vão achar graça quando lhes contarmos que óptimo levava um p assim como eu sempre achei graça ao meu avô escrever farmácia com ph. Se a língua não evoluísse ainda estavamos hoje a escrever de forma mui graciosa como na época Medieval.
    Isto só para dizer que apesar de eu sempre ter achado as mudanças do acordo um grande diaparate, provavelmente não tenho razão!
    Quanto à uniformização com todos os outros países falantes de Português (leia-se Brasil que é o mais relevante) parece-me realmente importante, porque se queremos ter alguma força não só cultural mas também económica penso que esse é um factor de extrema importância. Não adianta nada estarmos com orgulhos em relação à nossa língua que é a mais correcta e que eles é que alteram coisas e blálá... Eles é que são muitos, e se queremos salvar o Português no mundo como uma das linguas mais faladas temos que nos sujeitar. Porque se houver um afastamento cada vez maior o Brasileiro vai prosperar e o Português vai ser engolido e atirado para o fim da lista da línguas com alguma relevância mundial.
    Pronto, era só isto. Mas eu cá continuo a escrever como a professora da escola primária me ensinou... Ou seja, acho que vou começar a dar muitos erros :(

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