sábado, 7 de janeiro de 2012

Primeiras palavras

«Era eu muito mais novo e vulnerável do que sou hoje quando o meu pai me deu um conselho que desde então nunca mais me saiu da cabeça.

"Sempre que te apetecer criticar alguém", disse ele, "lembra-te que nem toda a gente neste mundo teve as mesmas vantagens que tu."»

O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, ed. Relógio D'Água,
p. 9 (início do texto).


Quanto valem as primeiras palavras de um livro? Para muitos valerão menos do que as que encerram o texto e que serão, possivelmente, as que a memória mais retém, mas para mim as primeiras são as mais valiosas. Muitas vezes, perante um dilema daqueles que os apaixonados por livros conhecem tão bem («Compro este ou aquele?»), são as primeiras frases da obra que desempatam a escolha, levando-me a decidir qual dos volumes trago para casa. Sem ter de pensar muito, lembro-me de vários livros que comprei ou que decidi que queria após ler o seu início. São disso exemplos O Grande Gatsby, A Casa dos Espíritos, A Servidão Humana, A Vida e Opiniões de Tristram Shandy, Um Americano na Corte do Rei Artur, O Coração dos Ponders, O Monte dos Vendavais, entre muitos outros.

O início de um livro pode ser a mais resistente das cordas ou o mais fino dos fios. Digo-o porque um mau início, ou por fracamente escrito ou por complexo e confuso em demasia, foi já o suficiente para rebentar a possível ligação que se poderia formar entre mim, leitora, e o texto em causa. Contudo, noutros casos (como no d' O Grande Gatsby ou de A Casa dos Espíritos), as primeiras linhas foram suficientes para me sentir fortemente enleada na narrativa e desejosa de continuar a leitura.

Há, depois, aqueles casos em que as primeiras palavras de um livro se tornaram famosíssimas, como o caso do Quixote («Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me...») ou do Moby Dick («Chamem-me Ismael.»). O que leva a esta fama? Muitas coisas. Parece-me que nos dois casos que referi é muitíssimo importante a ligação destas primeiras palavras ao resto do texto, ligação essa que, embora não se possa adivinhar logo no início, se revela marcante quando, terminada a leitura, reflectimos sobre a narrativa. Por curiosidade conto-vos que, devido ao enigmático início da obra-prima de Cervantes, em Castilla-la-Mancha ainda hoje se discute em que aldeia teria, afinal, nascido D. Quixote, que é, recorde-se, uma personagem literária...

Também já me aconteceu (embora poucas vezes) iniciar a leitura de um livro cujas primeiras frases pareciam magníficas e depois chegar a meio do texto e perceber que os sapatos não condiziam com o resto da roupa, ou seja, as palavras iniciais prometiam ouro e no fim saía-nos pó. É natural: nem sempre se consegue, infelizmente, manter a qualidade da escrita ao mesmo nível do princípio ao fim; nem sempre o enredo tem força suficiente para gerar um bom livro. Enfim, as primeiras palavras podem, sim, ser enganadoras mostrando-se magníficas num livro que, de resto, é mau, ou muito desinteressantes num livro que acaba a revelar-se muito bom. Ainda assim, são o cartão de visita do livro, muito mais do que a sua capa. Aquelas frases iniciais criam uma expectativa e podem ou não ir ao encontro daquilo que são as nossas preferências.

Seja como for, ali estão as primeiras pistas para entendermos o que depois se seguirá. É ali que se cria o ambiente, é por ali que começamos a perceber o estilo de um autor e é ali que começamos, ou não, a rever-nos. Muita gente limita a escolha dos livros ao texto da contracapa: eu acho que vale a pena incluir as primeiras frases nessa equação. Afinal, nada é melhor para apresentar um texto do que o próprio texto.

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