Acabei hoje de ler o Firmin, de Sam Savage, e gostei muito. A história é a de uma ratazana que nasce na cave de uma livraria e que ao devorar um livro (literalmente) descobre que consegue ler. Firmin, que começou por gostar dos livros pelo sabor que tinham, acaba por apaixonar-se pela leitura de uma forma admirável. Designa os autores maiores (como Tolstoi, Cervantes, Melville ou Joyce) como os "Grandes" e ao longo da sua narrativa vai fazendo inúmeras referências aos muitos autores e livros que leu.
A narrativa é a história que ele escreveria se conseguisse utilizar um lápis ou uma máquina de escrever: é que se ler é o seu passatempo predilecto, outro que muito aprecia consiste em escrever na sua cabeça aquilo que gostava de passar para o papel. Assim vai vivendo esta ratazana "burguesa", como ele próprio se denomina, apaixonada pelos livros e por todos aqueles que a estes objectos preciosos estão ligados.
Terminei o livro com a sensação de que tinha lido uma boa história. Bem escrita, bem pensada, com referências aos melhores autores que este nosso mundinho já viu e satisfeita por perceber que este não é apenas mais um texto sobre livros. Convenhamos que nos últimos anos têm aparecido muitos e nem sempre passam dos típicos lugares-comuns sobre livros e o amor que um ser humano pode sentir por eles. Mas aqui, na singular situação de uma ratazana, criatura comummente tida como bastante nojenta, encontramos uma narrativa cativante, interessante, que aborda questões pertinentes como o desaparecimento de zonas embaraçosas para as cidades, mas onde por vezes se encontram estabelecimentos comerciais únicos. A livraria descrita neste livro e onde Firmin nasce e vive durante uma boa parte da sua vida existiu de certa forma. O bairro sujeito à demolição existiu realmente. E acredito, pela descrição dada, que nesses lugares vivessem efectivamente muitas ratazanas, muitos animais próprios de lugares votados ao abandono. Contudo, nenhuma terá havido como Firmin, uma ratazana tão dos livros que só mesmo num poderia existir.
Notinha: Já me esquecia de mencionar as ilustrações de Fernando Krahn que são adoráveis e que me fizeram gostar ainda mais desta ratazana leitora. Aliás, o bicho gosta tanto de ler os Grandes e de ler mais e mais e mais que, à semelhança de Flaubert que disse um dia "Madame Bovary c'est moi", sou capaz de dizer "Monsieur Firmin c'est moi" (mas em versão menos peluda, claro).
Título: Firmin
Autor: Sam Savage
Editora: Planeta
Ano: 2006
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