segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ao pequeno-almoço

Estes dias fora de Lisboa proporcionaram-me uma experiência que nunca julguei vir a ter. Em casa da avó tropecei no livro mais vendido do ano passado, o amarelinho O Céu Existe Mesmo. Já sabia sobre o que versava e precisamente por isso fugia dele a sete pés. Mais depressa comprava um burrito para ter na varanda do que a história do menino que foi ao céu durante a anestesia necessária para a realização de uma cirurgia ao apêndice. Contudo, e como gosto de ser uma pessoa informada, tendo-o encontrado de forma gratuita na casa da avó, resolvi acompanhar o meu pequeno-almoço com a leitura mais diagonal possível desse bestseller de 2011 (já repararam que uso a hora do pequeno-almoço para ver programas ranhosos e ler livros estranhos?...). Bem, em menos de uma hora a coisa estava despachada, o que quererá dizer qualquer coisa.

Portanto agora posso, com segurança (que é o que se quer), falar da história do menino que foi lá acima e que privou com as figuras de topo da Igreja Católica. Pelo que compreendi, a criança, na altura com quatro anos, percebeu que saíu do seu próprio corpo durante uns três minutos e que se viu a si próprio doente. Ora, nesses três minutos teve tempo de ir ao céu, sentar-se ao colo de Jesus, perceber que ele tem um cavalo «arco-íris» (não percebi esta parte), encontrar pessoas da sua família e descobrir que a mãe sofrera um aborto e que a sua irmãzinha estava no céu. Também constatou que as pessoas, no céu, têm asas e que os homens terão de agarrar em armas para combater Satanás enquanto as mulheres e as crianças assistem.

O pai do menino era pastor numa igreja local ( ! ) o que fez com que, no livro, procurasse sustentar cada nova informação dada pelo filho com passagens da Bíblia que as comprovassem. É uma das regras básicas da argumentação: apoiar as nossas palavras nas dos maiores, nas daqueles que têm autoridade suficiente para dar credibilidade e valor ao que dizemos. Nisso, o senhor não falhou e usou o saber que tinha. Boa! Todavia, ficamos por aqui. Bem sei que li a coisa na diagonal (também não o faria de outra forma), porém foi suficiente para perceber que não há pachorra para estas coisas. E mais: sobrou-me a sensação de que há miúdos de quatro anos tão precoces que perante um funeral só querem saber se o defunto «tem Jesus no coração» porque «Tem de ter! Tem de ter!». Decididamente não conhecemos as mesmas crianças de quatro anos...

Julgo, pela quantidade obscena de livros vendidos, que as pessoas precisam deste tipo de coisas. Que isto de meninos a quem os médicos vaticinam a morte mas que se salvam milagrosamente traga alguma riqueza ou paz de espírito. Não sei. A mim não me trouxe nada disso. Pareceu-me uma história estranha provinda de um pai que achou que devia escrever um livro. Quanto ao resto, perdoem-me, mas não consigo acreditar em nada. Se a ideia era provar que o céu (o católico) existe mesmo, comigo não resultou muito. Vou, por isso, continuar a perguntar-me a razão que levou tantas pessoas a quererem ler o testemunho do menino que supostamente privou com anjos enquanto o pai encontrava nele as «sombras da morte» (comummente conhecidas pelo nome de «olheiras»). E vou, sobretudo, continuar a ler outro tipo de coisas, fugindo a sete pés destes testemunhos de fé que em nada aumentam a minha. Cada um sabe o que sente e não será o livro mais vendido de 2011 que mudará isso.



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