segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Clássicos para todos

Se há bandeira que agito nesta vida é a da promoção da leitura dos clássicos da literatura universal. Comecei com a tese de mestrado e acho que continuarei pela vida fora, assim vá tendo oportunidade para tal. Não consigo conceber o que seja uma vida sem ler os livros que fizeram a nossa identidade e que são, de entre o que já se escreveu, considerados os melhores. Sei bem que o que por aí não falta são pessoas que saltam essas obras, a meu ver incontornáveis, porque têm sobre elas demasiados preconceitos. Julgam-nas extensas, aborrecidas, ultrapassadas e não se dão sequer ao trabalho de as espreitar para verificarem se estão certos nas suas opiniões ou não. Também as escolas falham muito nesse campo. Segundo Ítalo Calvino, as escolas deviam apresentar os clássicos aos jovens. Só depois de estes tomarem contacto com os textos dos maiores durante o seu percurso escolar poderão, com conhecimento, decidir se pretendem continuar a lê-los ou não. E com isto pretendia Ítalo Calvino mostrar que só se pode rejeitar o que se conhece, coisa que poucos fazem, diga-se.

Ora, também é bem sabido de todos que os miúdos esquivam-se cada vez mais da leitura e mais ainda dos textos considerados clássicos. Por isso e em desespero, muitas estratégias aparecem (eu própria inventei a minha quando trabalhei na tese de mestrado), umas melhores do que outras, mas quase todas com pouca visibilidade e sabe-se lá com que resultados. A adaptação dos clássicos escritos inicialmente para um público mais crescido, mas nos quais se verifica potencial para que venham a ser lidos por crianças e jovens tem sido um dos caminhos trilhados. No Brasil as adaptações têm já uma história longa. Quem nunca ouviu falar de O Quixote das Crianças, uma adaptação do texto de Cervantes pelo brilhante autor de O Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato? Há já neste momento um mundo de trabalhos sobre as adaptações dos clássicos da literatura universal, no sentido de poderem ser apreciados pelos mais novos. Se as adaptações valem a pena ou não, é coisa sobre a qual não reflectirei agora, até porque julgo ser tema espinhoso. O que me interessa mesmo é dar-vos conta de um projecto que desconhecia e que me parece interessante.

Hoje em dia, nisto da promoção da leitura, vale tudo. Os miúdos não lêem, os pais não sabem o que lhes devem fazer, os professores vêem-se e desejam-se para lhes ensinarem o que os programas prevêem, quanto mais para os porem a ler algo que preste... Por isso a leitura vai ficando muito pelas ruas da amargura e a dos clássicos pior ainda. Todos os meus alunos conheciam, no ano passado, os Diários de um Banana, mas muito poucos conheciam o Quixote. Isto leva-me a crer que se calhar não temos assim tanta promoção dos clássicos quanto eu gostaria. Estes livros, que valem pela sua incomensurável qualidade literária, precisam de empurrõezinhos maiores para que possam chegar aos miúdos e para que os miúdos também consigam chegar a eles (que nisto da leitura dos clássicos, a contribuição tem de vir de ambas as partes: livro/edição e leitor).

E assim, desta necessidade de levar os melhores textos a um público que precisa de ficar a conhecê-los, nasce um projecto de que só hoje tomei conhecimento. É, no fundo, o casamento entre o antigo e o novo. A empresa Media Minds, pela mão de Helena Díez-Fuentes, tem vindo a criar aplicações com adaptações de clássicos da literatura universal, lançando assim a série «Touch of Classic». Incluindo sons, ilustrações, diálogos, passatempos, entre outros aspectos, estas adaptações levam histórias de outros tempos (embora intemporais) a crianças e jovens que hoje lidam melhor com os ecrãs do que com o velhinho papel. Assim, num ipad (tecnologia que os miúdos dominam melhor com apenas um dia de convivência do que eu com um mês de treino), os mais jovens poderão conhecer, por exemplo, as aventuras de D. Quixote, ouvindo a narração da história, brincando com a sua imagem, abrindo portas fechadas que fazem parte das ilustrações incluídas na aplicação ou fazendo as muitas outras actividades que lhes vão sendo propostas ao longo da leitura.

Se isto é ler? Bom... Haveria muito para dizer sobre isso. Se este modo de travar conhecimento com um clássico é equiparável à leitura do original ou mesmo de uma adaptação em papel, também é assunto que merece discussão noutro momento. Aqui o que quero mesmo é deixar-vos este exemplo de esforço feito em prol dos clássicos e de junção entre aquilo que o tempo imortalizou e as tecnologias muito recentes. A mim parece-me uma ideia interessante e, por isso, deixo-vos o vídeo que serve de amostra para o potencial deste projecto. Se eu, a fervorosa adepta do papel que leu as novecentas páginas do Quixote em sete dias de uma semana quente de Verão, fiquei com vontade de arranjar um ipad só para ter esta aplicação, então tudo é possível...



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