quinta-feira, 2 de agosto de 2012

"Camões"

José Saramago tinha um cão chamado Camões que um dia lhe entrou em casa e o adoptou como dono. Há cães assim: chegam ao lugar certo no momento oportuno. O momento dele foi tão adequado que o escritor, tendo ficado a saber naquele mesmo instante que lhe seria atribuido o Prémio Camões, baptizou assim o pequeno cãozito que lhe entrara pelo portão.

Nos livros de José Saramago, os cães têm um lugar especial. Este terá servido de inspiração para o cão que aparece n' A Caverna e a quem se dá o nome de "Achado". Em Ensaio sobre a Cegueira há também um cão que limpa as lágrimas da mulher do médico num momento em que ela, desorientada, desespera. Diz o texto que «o resto das lágrimas chora-as abraçada a ele», criando dessa forma uma imagem lindíssima nas páginas da nossa literatura. Saramago chegou a dizer que «gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas». Felizmente será lembrado por isso e por muito mais.

Conta Pilar del Río que o pequeno "Camões" chorou a morte do seu dono quando notou a sua eterna ausência. Diz que «quando percebeu que o dono já não estava nem ia estar, que isso é a morte, uivou, gritou, rasgou-se numa dor que arranha a alma só de descrevê-la». Reagiu com amor, como os que Saramago deixou nos seus livros e como todos os cães, fiéis, reagem perante a falta dos seus donos. E hoje calou-se, serenou, desapareceu. Ou talvez não: o sortudo "Camões" continuará nas páginas de A Caverna sendo o "Achado" que tanto desespera perante a ausência do seu dono, mas que nunca deixa de o esperar.


Nota: A foto foi retirada da página da Fundação José Saramago.

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