sábado, 17 de fevereiro de 2018

Diário de Um Zé Ninguém - o balanço


Ora, depois de um livro muito mau, nada sabe tão bem como ler um livro muito bom. E este livro é muito bom. 

O “Zé Ninguém” do título em português mostra bem quem é o autor deste diário: um homem perfeitamente comum, com um dia-a-dia absolutamente normal e, portanto, sem nada de muito relevante a registar num diário. Porém, é precisamente a mediocridade da existência deste autor que confere tanto humor a este livro. É que se, por um lado, ele não é ninguém que mereça ter, por tratar-se de vida ou obra de relevo, o seu diário publicado, por outro ele valoriza tanto o seu diário e os acontecimentos  irrelevantes que nele relata que o confronto destes dois aspectos fazem com que o leitor ache ainda mais graça ao livro. Mas ele é mesmo o único que vê alguma importância neste registos quase diários. Em determinada altura alguém chega a arrancar algumas páginas deste seu caderno para atear o lume ou para embrulhar restos de comida...

O protagonista, o “eu” deste livro, é um homem de meia-idade que tem a vida mais normal e aborrecida que se possa imaginar. De vez em quando acontecem-lhe algumas situações que perturbam a sua existência perfeitamente comum de funcionário “lambe botas”, mas mesmo esses são pouco dignos de nota. O que quero dizer é que o humor deste livro está em todos estes aspectos: no facto de o próprio título revelar que este diário pertence a alguém pouco digno de destaque, mas tratar-se ainda assim de um tipo de escrita (a diarística) que geralmente só se publica quando a vida do autor pode interessar ao leitor ou quando, pelas reflexões feitas, a obra pode ser relevante para o público; o humor também é visível na ingenuidade do próprio protagonista/autor do diário, recordando o adolescente Adrian Mole cujos diários fizeram furor vários anos depois da publicação desta obra; o facto de este homem tão desinteressante ter sobre si (e sobre o seu diário) uma ideia completamente diferente da que os outros parecem ter também provoca o riso, pois ele é o único que não percebe que os trocadilhos que faz não têm graça nenhuma e que o que escreve não interessa a ninguém porque, bom, escrever uma carta à lavadeira sobre uns lenços que perderam a cor não é coisa digna de figurar num diário que interesse ao público; o humor está também nas personagens que rodeiam o narrador, como o amigo que deixa de ser visto por estar doente e que não avisa ninguém de que o está, censurando depois os amigos por não o terem visitado (e, quando eles dizem que nem sabiam que estava doente, ele responde que a notícia saíra na Gazeta do Ciclista, como se toda a população tivesse a obrigação de ler tal coisa)... Poderia, acreditem, continuar a enumerar elementos que conferem humor a este texto, mas teria de ser ainda mais reveladora do que nele acontece e acho que vocês não querem isso. Basta-me dizer que vale mesmo a pena lê-lo e que com ele garantirão umas horas bem passadas e muito divertidas. É humor simples, sem recurso a grandes enredos e confusões. O risível está precisamente nisso: na simplicidade de tudo, no facto de ser tudo tão prosaico que nem parece ser digno de nota. É um livro que se lê em poucas horas e que só queremos continuar para ver o que tem para nos contar este autor do diário no dia seguinte. Mas porquê se é tudo tão normal como a vida de qualquer um de nós? Precisamente por isso.  Leiam que vão perceber o que quero dizer. 

1 comentário:

  1. Li este livro há uns bons anos e a verdade é que, se não adorei, é absolutamente brilhante por toda a banalidade que descreves. É tão corriqueiro, tão simples, tão mundano (e tão divertido, na sua banalidade). Dá vontade de reler.

    PS: vou a Sevilha para a semana, ou eu ou o namorado compraremos o Manolito!

    ResponderEliminar