segunda-feira, 10 de abril de 2017

Destruidores implacáveis lusos

Já ando há tanto tempo sem escrever uma quixotada composta que vamos lá ver se ainda sou capaz de o fazer. Perdoem-me qualquer coisinha, está bem?

Ora, nos últimos dias tem-se falado muito da expulsão de uma pomposa quantidade de estudantes portugueses que estavam em viagem de finalistas (há tanto a dizer sobre isto) em Espanha. Segundo é dito pela comunicação social e pelo comunicado do hotel onde estavam alojados os fofinhos, eles saíram e deixaram um rasto de destruição no hotel, que inclui - imagine-se! - uma televisão dentro da banheira. Claro que depois de se saber disto, começou a sessão de esgrima: ora são os pais que contam outra versão, ora é o hotel que diz que nem o seguro da empresa que organizou a viagem chega para pagar os estragos, ora são os alunos que dizem que havia falta de higiene e que a alimentação era racionada (ainda há pouco vi um menino na televisão dizer que havia muita fruta, mas pouco variada... Atrevo-me a achar que estava toda nas sangrias.). E a esgrima vai além dos envolvidos: a opinião pública também se divide entre os que vão passando a mão pelo pêlo dos jovens e entre os que querem as suas cabeças servidas numa bandeja e que anseiam por ver os pais que os (des)educam lapidados em praça pública. Pelo caminho ainda ouvi, embora com perplexidade, alguém de uma associação de pais dizer que tem de se repensar o sistema educativo. Já cá faltava dizer que a culpa é da escola. De facto existem disciplinas que ensinam a pôr aparelhos eléctricos em banheiras: chamam-se Introdução ao Suicídio I ou Estupidez Aplicada.

E agora o que eu acho. Com isto tudo, dei por mim a fazer o mesmo que muitos outros: a pensar na minha própria adolescência. Era estúpida, mas estúpida todos os dias. Não tive viagem de finalistas no secundário. Aliás, continuo a achar as viagens de finalistas a coisa mais estúpida deste mundo. Então quando vejo viagens de finalistas para TODOS OS CICLOS DO ENSINO, BÁSICO E SECUNDÁRIO até me benzo (sim, meus caros, há escolas em que os alunos do 4.º, 6.º, 9.º e 12.º partem em viagens de finalistas... E se houver poucos inscritos, alarga-se a viagem a outros anos, dando-lhe outro nome qualquer porque o de «finalistas» já não serve). Mas mesmo sem viagem, era uma adolescente bastante idiota. Ainda assim, nunca me deu para destruir nada que não fosse meu. Como dizia uma amiga minha que considera ter sido também uma jovem profundamente idiota, havia um limite que não se pisava. As asneiras eram nossas e não deviam lixar nada que não fosse nosso. Contudo, como bem sabem, convivi com muitos adolescentes até ao final do ano lectivo passado e digo-vos que o desrespeito pelo que era de outros era uma constante. Partir, queimar, inutilizar objectos de colegas ou mesmo do estabelecimento de ensino era o prato do dia. Fosse caro ou barato, desde que dar cabo dele significasse diversão, destruia-se. Acreditem quando vos digo que houve uma fase (o que ajuda a explicar também o meu cansaço e descontentamento profissional) em que coisas dessas eram diárias. 

E o que acontecia, perguntam vocês. Nada. Não havia punições, ninguém se responsabilizava por nada, os acontecimentos abafavam-se o melhor possível. 

Ouvindo o que alguns pais dizem sobre o que supostamente aconteceu em Espanha com os nossos jovens finalistas, concluo que afinal o problema não estava apenas naquele colégio que eu tão bem conhecia. Está tristemente disseminado por aí. Aliás, qualquer dia podemos criar a modalidade olímpica de «passar a mão pelo pêlo dos meninos» e seremos medalha de ouro todos os anos. 

«Ah e tal, nós partimos porque estávamos descontentes com o hotel, mas não foi assim tão grave.», «Ah, eles são jovens e precisavam de divertir-se, mas o hotel não teve o bar aberto como contratado.» são frases criadas por mim, mas que se assemelham a muitas das que tenho ouvido. É a boa da cultura do «mas», muito enraizada também nos nossos meninos. Fazem porcaria, MAS há sempre uma razão para isso. Meus caros, a ser verdade aquilo dos azulejos e da televisão na banheira «não há mas, nem meio mas». Se estavam descontentes com o hotel, manifestavam-se junto dos responsáveis pela organização da viagem. Olhem se todos desatássemos a partir os quartos de hotel por onde já passámos e que não nos agradaram muito... Não haveria hotéis.

Gerir a frustração não é o forte destes miúdos que por agora vivem as suas adolescências. Mais uma vez, falo do que sei e não apenas do que me parece estar por trás desta viagem de finalistas. E não é só a frustração: tendem a perder noção dos limites durante a diversão. Mas também, voltando a este caso, o que esperar quando os pais pagam viagens que incluem bar aberto para miúdos do décimo segundo ano? Não tenho filhos, mas cheira-me que não teriam muita sorte nisto de gastar quase seiscentos euros para estarem uma semana a matarem neurónios. Tal como os meus pais não o fariam se a questão lhes tivesse sido colocada em dois mil e três, quando concluí o secundário. 

Enfim, a apurar-se que aqueles estragos foram realmente feitos pelos estudantes portugueses, acho bem que os pais sejam responsabilizados e que os meninos também sintam na pele que fizeram porcaria. Como disse Daniel Sampaio, os pais devem responsabilizar os meninos, embora o especialista duvide da autoridade que eles ainda tenham para isso. Eu também tenho algumas dúvidas porque já vi tantos, mas tantos pais encolherem-se diante da (fraca) argumentação dos filhos ou de um tom de voz mais elevado que sou pouco crente nesse caso. Agora, mesmo achando que há uma crescente desresponsabilização dos jovens, que cada vez se lhes desculpabilizam mais os disparates e até mais tarde (daqui a pouco é-se adolescente até aos trinta...), também acho que não foram todos os mil alunos que partiram e estragaram. Generalizar também não é bom. Há miúdos parvos que não têm qualquer travão, mas há muitos miúdos que têm noção das coisas e, felizmente, também têm pais que estão lá para ensinar, para educar e para castigar se preciso for. Podem não ser a maioria, mas existem e isso é bom. Por isso, dizer «tenho vergonha dos alunos portugueses», como já ouvi, parece-me um erro. Não concordo com as viagens de finalistas do básico e do secundário, como já afirmei, mas calculo que pelos pecadores tenham pago muitos justos. E que metidos no mesmo saco de gatos estão miúdos com juízo que até estavam apenas a divertir-se e que não destruíram nada a ninguém. Viram, contudo, esta viagem destruída. 

No fim de contas, gostaria que isto servisse para pensarmos todos na educação que por agora se dá aos jovens, mas também nas experiências que lhes proporcionamos e que são, tantas vezes, desapropriadas. Muitos pais não deixam os filhos sairem de casa sozinhos para irem ao café do fundo da rua, mas pagam e permitem estas viagens. Muitos miúdos são extremamente imaturos e irresponsáveis no final do décimo segundo ano e estas viagens com pouca supervisão e muito álcool não ajudam em nada. Quem convive diariamente com adolescentes como eu convivi sabe que os dezassete de hoje são os catorze de há uns dez anos e a tendência é para piorar. Há, como disse, honrosas excepções, mas para quê facilitar? Depois acontecem coisas destas e acabamos a ter tudo no mesmo saco, bons e maus, comportados e mal comportados. Há um desequilíbrio entre a hiperprotecção e a permissividade em que os pais oscilam, entre o que lhes ensinam e a desresponsabilização que demonstram ao tentarem desculpar tudo, mesmo o que não é desculpável. E para ilustrar isto, antes de ir, deixo-vos com uma situação que mostra os pontos absurdos de desculpabilização em que os pais caem na procura de proteger (acham eles) as suas crias, mostrando ser incapazes de ver que eles também têm defeitos e provando que não sabem o que fazer quando é preciso disciplinar. Há poucos anos um jovem do oitavo ano partiu uma câmera de vigilância. Após visualização das imagens, verificou-se perfeitamente quem a tinha arrancado do sítio (junto ao telhado) e partido. Quando a mãe foi chamada para se falar no sucedido e quando lhe foi dito que estava gravada a imagem do filho a tirar a câmera do sítio, a resposta foi um espantoso «Não foi ele.». Perante isto, como podemos esperar que os miúdos não partam tudo à sua passagem?

Mais depressa veremos unicórnios.

4 comentários:

  1. Os telejornais nacionais abriram todos com esta notícia, que só pode contribuir para o estado inacreditável em que vive a comunicação social neste triste século XXI com essa estranha ideologia globalizante denominada "politicamente correcta", que engoliu todas as ideologias do século xx e alimenta as redes sociais.
    Gostei desta quixotada.
    Muito boa tarde!

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  2. Gostei do texto. Também penso que os responsáveis são os indivíduos (alunos do 12ºano) que fizeram os estragos e, como tal, deveriam ser responsabilizados por tal. Duvido que isso suceda. Conheço muito bem a realidade de que fala. Já lá vão 24 anos. Os primeiros 10 anos foram fantásticos. Desses anos guardo boas recordações e amigos, antigos alunos e até alguns encarregados de educação. Também tive alunos "difíceis", mas trabalhando em conjunto com os respetivos pais e psicólogo, consegui (quase sempre) bons resultados. Atualmente é uma luta constante, todo o dia, todos os dias. As exceções são os alunos e os pais educados (irónico, não é?)Por isso, admiro-a por ter optado por preservar a sua sanidade mental e saúde. Eu deveria ter feito o mesmo há meia dúzia de anos, mas não tive coragem para o fazer. Até ao dia ...

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    1. Foi uma opção difícil de tomar, mas teve de ser. Quando a situação chega ao extremo de nunca conseguirmos deixar de pensar em trabalho e nos problemas que ele nos traz, o melhor é sair. Claro que depois também não é fácil, mas perde-se de um lado e ganha-se do outro. Só quem trabalha nas escolas imagina o que por lá se vive e o quanto isso é desgastante. Há miúdos e pais porreiros, mas pela minha experiência, são menos do que os enlouquecidos que acham normais as situações mais graves e preocupantes, achando o fim do mundo outras como um 50% num teste do filho, por exemplo...

      Obrigada pela visita. :)

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  3. Acho que, neste texto, tocaste pontos muito importantes que caracterizam as novas gerações. Não saber lidar com a frustração, serem super-protegidos, não terem pais que não sejam "os melhores amigos", mas que sejam efectivamente pais, que eduquem, que apoiem e que castiguem, quando necessário. A culpa não pode ser da escola quando faltou no berço.
    Eu cá também não tive viagem de finalistas, nem nada que se parecesse. E era bem palerma com a idade destes moços. Eu tinha falta de material providenciados pela escola porque não havia verbas para todas as turmas e, até, (imagines-e!) ratos. Não digo com isto que os miúdos devam ter más condições na escola para "serem gente", mas sim pais que os eduquem, que os ajudem a lidar com as frustrações quando as coisas não são como eles idealizaram, em vez de lhes fazer as vontadinhas todas. Mas isso sou eu.
    *****

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