Ontem li, em dois textos diferentes, rasgados elogios a este novo livro de Mário Cláudio. Ainda só está em pré-venda, pelo que o correcto seria «A menina quererá isto», mas fica a ideia. Entretanto dei um pulo à página da Wook e vi a sinopse do livro, que podem consultar aqui.
Considerando que a vida de Camões é um mistério, que são mais os buracos que encontramos na sua biografia do que os factos inequivocamente provados, é sempre possível imaginar-lhe novos rumos, ou melhor, outros rumos além daqueles que preenchem as narrativas sobre a sua vida. Camões é hoje mito nacional e a imagem do poeta de pena e espada que consegue salvar a sua obra-prima de um naufrágio é muito renascentista, mas também muito romântica. Camões tornou-se o patriótico por excelência, mesmo tendo passado uma epopeia inteira a apontar aspectos a melhorar em Portugal e nos portugueses. Muito ainda se pode escrever sobre ele, pois uma vida envolta em mistério (nem se sabe quando e onde nasceu) deixa muito, mas muito espaço à imaginação. No ano passado, julgo, a Maria João Lopo de Carvalho escreveu um romance sobre as mulheres da vida de Camões. Bom, não li e por isso não comento, mas tendo a preferir o estilo do Mário Cláudio. Contudo, não é isso que me importa. O que interessa é que aqui está mais um livro que procura inventar outros desfechos para o nosso, acho eu, maior poeta de sempre (vá, pessoanos, atirem-me com tomates!). Mas sobre Camões, o texto que ainda hoje consegue, a meu ver, evocar aquilo que foi a sua vida e a memória que haveria de ficar é o poema de Jorge de Sena intitulado «Camões dirige-se aos seus contemporâneos». Creio que é brilhante, mostra a enormidade do homem que nos deu uma epopeia e que viveu e morreu na miséria, nada apreciado pelos outros autores do seu tempo. Mesmo sendo sobejamente conhecido, deixo-vos aqui o poema que é, como tudo o que saiu da cabeça de Jorge de Sena, absolutamente certeiro e maravilhoso. É por poemas assim que adoro literatura, que adoro livros, que adoro o muito que se pode fazer com as palavras.
Camões dirige-se aos seus contemporâneos
Podereis
roubar-me tudo:
as ideias, as
palavras, as imagens,
e também as
metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos,
e a primazia
nas dores
sofridas de uma língua nova,
no
entendimento de outros, na coragem
de combater,
julgar, de penetrar
em recessos
de amor para que sois castrados.
E podereis
depois não me citar,
suprimir-me,
ignorar-me, aclamar até
outros
ladrões mais felizes.
Não importa
nada: que o castigo
será
terrível. Não só quando
vossos netos
não souberem já quem sois
terão de me
saber melhor ainda
do que fingis
que não sabeis,
como tudo,
tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá
para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu,
contado como meu,
até mesmo
aquele pouco e miserável
que, só por
vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis,
mas nada: nem os ossos,
Que um vosso
esqueleto há-de ser buscado,
Para passar
por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós,
de joelhos, porem flores no túmulo.
Parece muito interessante. Tenho um livro de Mário Cláudio que ainda não li.
ResponderEliminarCamões, Pessoa, temos tantos e tão bons escritores. Li Rui Nunes há 3 anos + - e perguntei-me como nunca tinha ouvido falar nele. Mesmo às traças literárias muito escapa.
Não conheço esse autor, mas vou pesquisar um bocadinho.
EliminarÉ verdade. Temos excelentes autores. Mas ou vamos dar sempre aos mesmos ou acabamos a preferir os estrangeiros. Ainda que considere que falta um bocadinho de humor à nossa literatura, que somos muito sérios naquilo que escrevemos, há autores contemporâneos muito bons. Se não conheces A. M. Pires Cabral corre já a uma livraria e compra o romance "O Cónego". É MARAVILHOSO! E depois compra os livros de contos dele e as suas poesias. É um autor vivíssimo e fabuloso. Tenho-o como amigo no Facebook e é uma pessoa admirável de tão simpática e simples que é. Escreve deliciosamente e nem sempre é conhecido. Uma das minhas professoras universitárias de Literatura Portuguesa nunca tinha ouvido falar nele, mesmo sendo um autor que já venceu alguns prémios literários e tudo. É muito, muito bom. Quando trabalhei numa livraria, comprei "O Cónego". Gostei tanto que rapidamente vendi os outros quatro exemplares que por lá havia. Sempre que alguém me pedia uma sugestão, pumba!: era sempre aquele livro.
É uma agradável surpresa no meio de literatura por vezes tão pesada e tão melancólica.
Rui Nunes tem uma escrita muito própria, é polifónica e fragmentária. Regra geral as personagens são sombrias, solitárias e passam-nos algum desconforto. Eu gosto muito mas admito que possa não agradar a todas as pessoas.
EliminarJá li "O cónego" e adorei! Li também "Os anjos nus" e para ler tenho "O porco de Erimanto e outras fábulas".
Gosto mesmo muito da ruralidade descrita e das suas palavras. Só li prosa, tenho que conhecer a poesia.