Ando há uns dias a «mastigar» esta quixotada, mas depois acabo por escrever sempre outra coisa e outra e outra e, olhem, escapa-se-me sempre o tema. Mas hoje vai e ao pensar a fundo nisto, acabei por concluir que é coisa para mais do que um texto. Isto porque aquilo que «mastigava» era apenas um fenómeno que ocorre no mundo dos livros. Contudo, pensando em fenómenos destes e, por extensão, em peculiaridades dos leitores, verifico que não têm fim. Vai daí e olhem, nasce mais um conjunto de quixotadas devidamente numeradas e pomposamente chamadas (que cacofonia vai para aqui. Leiam em silêncio, sim?) de «Peculiaridades de um leitor». Atenção que este «leitor» não sou necessariamente eu. Somos todos nós, seres de carne e osso com manias no que à leitura diz respeito, mas também personagens que nos livros têm as suas próprias manias enquanto seres leitores.
Esclarecidos que estamos, vamos a isto. Segue-se a primeira peculiaridade.
Há uns anitos apercebi-me de que estava à venda uma edição do Quixote com um pomposo desconto. Não que me interessasse muito, uma vez que já a tinha. O que me chamou a atenção foi o facto de, dos dois volumes que compunham a edição, só o segundo estar à venda. O primeiro estava esgotado. Perante o meu espanto para com a situação (já que não via grande utilidade no desconto do segundo volume se o primeiro, o que continha o início da história, não estava disponível), o livreiro veio em meu auxílio e explicou-me a razão que justifica tantos «volumes dois» e nenhum dos volumes anteriores. Faz todo o sentido: quando sai uma edição, composta por mais do que um volume (saiam eles em simultâneo ou não), as pessoas optam geralmente por comprar apenas o primeiro volume para ver se gostam. O que parece, a julgar pela quantidade de segundos e de terceiros volumes que andam alegremente por aí, é que muitos não regressam para adquirir os volumes seguintes. Ou porque o primeiro não lhes agradou, ou porque nunca chegaram a lê-lo, ou porque a disponibilidade financeira não o permitiu, ou porque se esqueceram... Enfim, há muitas explicações para o fenómeno. A verdade é que raramente somos obrigados a comprar os diferentes volumes de uma só vez. A maioria dos livros de que me lembro que são compostos por múltiplos tomos é posta à venda em separado, o que permite que isto aconteça.
Ora, o fenómeno está explicado. Agora vem a parte que irrita os outros leitores: cruzam-se com um livro espectacular, maravilhoso, mesmo a pedir para ser levado para casa. Resolvem ceder à tentação, mas apercebem-se de que o menino é um segundo volume. Pensamento seguinte: onde está o primeiro??? Falam com o livreiro e ouvem [em lágrimas] que está esgotado. [Soltam um grito lancinante que nasce bem lá no fundo das vossas entranhas, mas que não se aguenta quando se trata de livros]. Agradecem ao funcionário e, geralmente, optam por um dos seguintes caminhos: ou compram o segundo volume e seja o que Deus quiser; ou pousam o segundo volume e seguem com a vida. Já tomei a segunda opção muitas vezes. Por acaso na última vez em que me aconteceu, fiz o contrário. Foi com As Mil e Uma Noites, da Quetzal. Encontrei num alfarrabista os volumes dois e três em excelente estado e por um bom preço. Não consegui deixá-los lá, até porque considerava que seria fácil encontrar o primeiro. Pois, só que o primeiro estava esgotadíssimo em todo o lado. Até em grupos de procura de livros no Facebook tentei consegui-lo. Tentei tudo: OLX, Custo Justo, livrarias grandes e pequenas... Sempre esgotado. Valeu-me um amigo que, curiosamente, também tinha a colecção incompleta em casa (tinha, precisamente, os dois primeiros volumes) e que mo deu [Filho, estou-lhe eternamente grata. Não se esqueça de guardar a sobrecapa do dito, que ainda se me enregela o pobrezinho!]. Lá ficou a colecção completa e feliz.
Agora, para terminar que parece que não há quixotada que não me saia um testamento, fica o apelo aos senhores das editoras: eu sei que o primeiro volume não pode ser feito às toneladas porque vocês ainda não sabem se vai vender ou não, mas dava para depois fazer mais uns quantos? É que isto é como os sapatos de números mais pequenos: são sempre os primeiros a ir embora e depois a pessoa tem de ficar com o desgosto de nunca poder comprar o sapatinho mais bonito, mas apenas a pantufa horrorosa que ninguém quis. Quando virem que a coisa vende, façam lá mais umas centenas de exemplares do primeiro volume. Eu sei que este pedido não tem jeito nenhum do ponto de vista económico, mas que querem? É o desespero de uma leitora a falar mais alto.
Entendo perfeitamente o desespero e estou solidária :)
ResponderEliminarQuanto a "As mil e uma noites" sairá em dois volumes este ano pela editora E-primatur, não sei se conheces. O primeiro está gendado para este mês, mas não sei, por vezes há atrasos. Uma editora que edita livros via crowdfunding. Muitos dos editados eram inéditos por cá. O que prova que ainda há muito por onde escolher, apesar de as grandes editoras apostarem muito nos mesmos de sempre. Já lhes comprei vários. Antes de saírem para as livrarias o preço é simpático, regra geral o desconto é de 20% e os portes são gratuitos. Não sei se conheces.
http://www.e-primatur.com/projectos/detalhe/54
http://www.e-primatur.com/
Sim, conheço. Mas confesso que tenho um fraquinho pela... Quetzal. Por acaso tenho muito mais experiência com gralhas na RDA do que na Quetzal. Livro sem gralhas não existem, mas daí a terem gralas página sim página não, é de mais. Olha, lá fiquei com esta colecção completa. Eu até já tinha As Mil e Uma Noites, mas era num só volume, tudo muito concentradinho. Prefiro assim.
EliminarTens razão no que dizes: muitas editoras andam sempre à procura do mesmo. Depois tens o mesmo livro editado em todas as editoras, mas nenhuma preocupada verdadeiramente em publicar por cá o que ainda não foi publicado. Jogam pelo seguro, ainda que não faça muito sentido...
Ahah, sei como é. Tanto quanto ao "não consigo encontrar o primeiro volume desta trilogia", como o "a editora descontinuou a colecção e agora não vou ter o volume final". Esta última situação bem que te dava uma quixotada, não? =P (Os volumes partidos em dois ou mais, também dão um artigo... infelizmente).
ResponderEliminar****
Obrigada pela lembrança: acabaste de recordar-me mais uma peculiaridade. Sairá brevemente. :)
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