Fazer um balanço de uma obra que se releu é algo diferente, porém realizável. É como aquele dito que afirma que não nos banhamos duas vezes nas águas do mesmo rio. De facto, a experiência de releitura é mesmo essa: a nossa vida mudou de uma leitura para a outra, a idade trouxe maior maturidade (espera-se), vimos mais coisas, experimentámos mais emoções... Portanto, é impossível que a obra lida (parcialmente) aos quinze anos, (totalmente) aos vinte e cinco e relida aos trinta e um não seja sempre diferente.
Os Maias é aquele romance que nunca nos desilude e no qual encontramos sempre um pormenor novo ao qual prestar atenção. No arrebatamento da adolescência, estamos com Carlos Eduardo e com Maria Eduarda na ideia da fuga romântica para Itália; mas com a idade, pende-nos o coração para o pobre Afonso da Maia, cuja vida dedicada àquele neto não seria digna de tamanha ingratidão. Olham-se as coisas de modo diferente, claro. Mas reler Os Maias é, simultaneamente, como fazer uma visita a um lugar que conhecemos bem e que, por isso mesmo, temos como acolhedor. Não é livro que cause aborrecimento por ser lido pela segunda ou pela terceira vez. É, de facto, romance capaz de deixar memória de muitos acontecimentos, mas de esconder nas sombras do esquecimento pequenas graçolas, ditos inspirados do narrador, imagens descritas com aparente candura, mas com infinita ironia. Recuperá-las é uma experiência quase tão boa como conhecê-las pela primeira vez. Se quando pegamos em Os Maias para a leitura inaugural, importa-nos sobretudo como acabará aquela família a quem «sempre foram fatais as paredes do Ramalhete», para onde se mudam logo no princípio da obra, nas releituras que se seguirão, o olhar espalha-se e as finanças e o jornalismo portugueses, as soirées, os saraus literários, as corridas de cavalos e, enfim, os aspectos próprios de um Portugal romântico ganham nova importância.
Lamento muito que a maior parte dos nossos alunos chegue hoje ao décimo primeiro ano incapaz de ler este romance. Mas compreendo que assim seja, pois já antes isso sucedia. Os Maias é um romance maravilhoso, mas os quinze anos mostram-se curtos para chegar mais longe do que à ideia de que é a história de um tipo que dorme (para não dizer pior) com a irmã. E portanto perde-se muito do que Eça ali escreveu. Fica, gravada em alguns, a ideia de que o livro é «uma seca» e a vontade de nunca mais ouvir falar dele. É pena. E, ou muito me engano, ou isto será cada vez mais grave, ao ponto de a maioria dos alunos não ler nada do que se lhes pede no secundário e ponto final. Dos testemunhos que vou ouvindo, é para isso que vamos caminhando.
Calculo que todos os sete leitores deste blogue já tenham lido Os Maias. Mas aquilo que vos convido agora a fazer é a reler a obra. A procurar nos seus cantinhos o que a torna particularmente especial, a procurar os detalhes que fazem com que não seja só mesmo a paixão de Carlos e Maria Eduarda a fazer história, releiam com gozo, sem obrigação, com calma e saboreiem deliciadamente este bom pedaço de prosa que um dos melhores nos legou. Apreciem o adjectivo geometricamente colocado, o advérbio expressivo capaz de mudar toda uma imagem, o recurso estilístico que, no meio do restante texto, consegue revelar-nos o ridículo de uma situação aparentemente séria. E reparem, como desta vez resolvi reparar, nos inúmeros indícios que o narrador nos deixa de que tudo correrá mal. São tantos que é impossível não os ver, sejam eles bordados numa tapeçaria ou estejam em flores que morrem numa jarra. Enfim, releiam este nosso romance e notem vocês também que o tempo vos mudou a forma de ver as coisas e de ler os livros. É uma experiência e tanto.
Opah gosto tanto de te ler *.*
ResponderEliminarLi os Maias no 12 ano por obrigação, aquele primeiro capitulo deu-me vontade de cortar os pulsos.
Reli depois aos 26 anos um pouco ainda a custo... Mas voltei a ler o ano passado, com 29 anos e adorei. Passou a ser um dos meus livros favoritos.
Chique a valer :)
...Já diria o belo do Dâmaso.
EliminarObrigada. :) Portanto temos as duas mais ou menos a mesma experiência com este livro, o que confirma esta sensação que reforcei com a releitura. No secundário nem lhe dei grande oportunidade, confesso. Duas dúzias de páginas e arrumei o livro. Sabia tudo sobre ele para poder fazer o exame, mas sem o ler. Depois os temas para fazer trabalhos de grupo eram tão interessantes para adolescentes de hormonas aos pulos... finanças, jornalismo, e por aí fora. Não consegui. Mas das outras duas experiências que tive com esta obra (numa delas tendo de ser eu a ensiná-la) só tenho boas recordações. Quando o li verdadeiramente aos vinte e tal anos, o livro tirou-me o sono. E ontem só não sucedeu o mesmo porque parei antes de chegar à parte em que a verdade é contada ao Ega. A personagem Afonso da Maia (uma das minhas favoritas entre todos os livros que já li) tira-me o sono, ao sofrer tanto perante o incesto consciente do neto.
Só os maus livros permitem que uma releitura soe exactamente ao que foi a primeira leitura. Os bons livros, sendo também sempre iguais, levam-nos a pensamentos diferentes conforme as circunstâncias em que os lemos. Sobre os maus nem vale a pena pensar, mas sobre livros como Os Maias é impossível não o fazer. Aquilo mexe connosco, seja arrancando umas gargalhadas, seja deixando-nos de coração nas mãos perante a dor de personagens que já nos são queridas. É isto a boa literatura. 😃
O meu favorito é o Ega, confesso, há ali qualquer coisa entre a mistura de "esgrouviado" e pessoa séria que me atrai, talvez porque sou meio assim.
EliminarEu tenho dois exemplares do livro. Um para ler e ficar com as tais marcas de guerra que falaste num outro post e outro que o meu namorado me ofereceu com uma capa toda trabalhada para "exposição".
Os Maias ainda saem no exame nacional? Se saírem ainda lhes vou pegar outra vez.
Ah, e adoro a Aparição, gostei logo da primeira vez que o li.
EliminarQual a tua opinião sobre José Saramago? É o meu escritor favorito.
Eu adoro o Ega. E é como dizes: uma mistura curiosa que se revela nos últimos capítulos na forma como lida com a situação entre o amigo e Maria Eduarda. A imagem do Ega caído em desgraça vestido de Mefistófeles é deliciosa, bem como as várias preciosidades que ele vai dizendo ao longo do texto.
EliminarDa Aparição não gostei muito, confesso (é um dos livros favoritos do meu moço, mas para mim não é o melhor de Vergílio Ferreira que já li). Agora... Saramago! O Saramago é um génio!!! Tenho por cá TODOS os livros dele, a maioria ainda nas antigas edições da Caminho. Deliro com tudo o que ele escreve. O Memorial é um monumento literário, adoro-o. Mesmo assim, para mim, o Todos os Nomes é o livro dele de que mais gosto. Se não o leste ainda, lê, pois é inquietantemente bom.
Quanto ao exame, logo, quando estiver com o computador, envio-te os links com a informação que já saiu sobre a prova. Mas sim, pode sair qualquer conteúdo literário do programa ainda em vigor no 12.° ano (que é o programa antigo). Ou seja: qualquer conteúdo literário do 10.°, 11.° e 12.°. Mas deixa-me que te explique com mais vagar e jeito logo, já com o computador para enviar-te os links que te interessarão. 🙂
Agora sim. Com o computador é muito mais fácil!
EliminarDeixo-te aqui o link onde constam as informações sobre a prova de 2016/2017. Provavelmente até já viste o documento afixado na escola onde vais fazer o exame. http://provas.iave.pt/np4/file/163/IE_EX_Port639_20171.pdf
Nele é dito que o primeiro grupo da prova é composto por uma parte A e uma parte B (como tem acontecido todos os anos). Na parte A sai matéria literária exclusiva do 12.º ano, mas na parte B pode e deve sair matéria literária do 10.º e 11.º (sai um excerto e podes ter de estabelecer relação com o resto da obra). Ora, uma vez que os alunos que concluem este ano o secundário estão ainda a estudar o Programa de Português antigo (que deixará de vigorar mal estes alunos terminem o 12.º), o Programa que te interessa é este:
http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Secundario/Documentos/Programas/portugues_10_11_12.pdf
Não te esqueças da Gramática que pode sair no grupo II. É a gramática do 10.º e 11.º (no 12.º já só se fazem revisões). Concentra-te nas orações, nas funções sintáticas e na coesão e coerência textuais, que costumam sair sempre muito. Mas, claro, tudo tem de ser estudado.
O grupo III é escrita de um texto, muitas vezes argumentativo sobre um dado tema. No entanto eles podem sempre variar a coisa. Tens de ter atenção ao que te pedem.
Ainda não é boa altura para comprares os livros de preparação para os exames. Só mais para perto da Páscoa devem começar a sair as novas edições. O que podes comprar ou arranjar se conseguires é um manual da disciplina. De preferência um que seja bom (para o 12.º o Plural, da Raiz Editora, costumava ser bom). Logo que saiam as novas edições dos livros de preparação, atira-te a elas. Não te aconselho nenhum porque eles todos os anos mudam um bocado e o que era bom deixa de ser e vice-versa. Cuidado com o que tiras da internet, que muitas vezes vem pejado de disparates.
Qualquer informação sobre exames (inclusivamente o banco de provas dos últimos anos) encontra-se no site do IAVE (http://iave.pt/np4/home). Vai-lhe deitando um olhinho.
Espero ter ajudado. Beijinhos e bom estudo.
Ah, bom regresso a Os Maias (entre outros que verás no Programa). :)
Vou ver tudo com muita atenção, muito obrigada! Digamos que o meu exame nacional de português foi feito há 11 anos, estou meio enferrujada. Nessa altura nem gramática tínhamos, eram exclusivamente obras, pelo que vou pegar primeiro por aí.
EliminarQuando entrei na faculdade fiz as provas específicas deles e o exame de português era apenas argumentativo, ainda me safei com um 16.
Afinal vou fazer só exame de português, assim não tenho desculpas para me dispersar :D
Tenho um livro de preparação mas é do ano passado, não sei se será ainda uma boa ajuda. Se precisar de algo venho cá chatear!
Um beijinho
Saramago para mim é o º1. Não menosprezando todos os outros, claro. Ainda não os li todos, mas dos que li não consigo dizer qual é o meu favorito. O 'Caim' e o 'Evangelho' agarraram-me de uma forma completamente esquisita, mas os Ensaios (tanto um como o outro) são divinos.
EliminarSim, podes usar o livro do ano passado. Não há problema. Eles costumam ser semelhantes de uns anos para os outros, mas por vezes há correcções e acrescentos. Ora, os deste ano só saem lá para março ou abril, por isso comprar agora é comprar um já do ano passado.
EliminarVê bem o programa de Português cujo link te enviei. Aí terás as obras (sendo que alguma da literatura é mais avulsa, tipo contos lusófonos e assim), mas também a lista dos conteúdos gramaticais.
Sim, alguma dúvida, apita. Estamos cá para ajudar. :)
Ah, e esqueci-me de te contar este caso de preguicite aguda: tenho quatro edições de Os Maias. Tinha uma no quarto, uma na sala, uma na biblioteca e uma na mala... Assim nunca andava com o livro de um lado para o outro. Ahah!!! 😂
ResponderEliminarA leitora número 7 deste blogue leu os Maias nas férias da Páscoa do 8º ano. Adorou o início do livro com a história da família e o drama da vida do Pedro da Maia, teve dificuldade em passar os capítulos intermédios - demasiados jantares e política à data incompreensíveis, e voltou a agarrar o livro com força no capítulo 11 quando o Carlos e a Maria Eduarda se encontram pela primeira vez. :)
ResponderEliminarNão voltei mais a relê-lo, quem sabe um destes dias...
Relê agora, em adulta. A parte da política e outras vão parecer-te deliciosas.
EliminarEu realmente era inacreditável quando era mais miúda. Fugi a Os Maias, mas andava a tentar ler o Memorial do Convento por vontade própria (porque na escola calhou-me a Aparição), e aos 9 lia livros em espanhol como se alguma vez tivesse aprendido a língua (e o melhor é que percebia tudo). Vá-se lá entender tamanha parva.
A mim também me tocou a Aparição, odiei. :) Mas li - na diagonal quando começavam as crises existenciais.
Eliminar"Ainda o apanhamos!"
ResponderEliminarMaravilhoso do início ao fim.