quinta-feira, 26 de outubro de 2017

«Cansaço»

O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 

Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 

Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimo, íssimo, íssimo, 
Cansaço... 



Álvaro de Campos, in Poemas. 

2 comentários:

  1. Sabes leitor, que estamos ambos na mesma página
    E aproveito o facto de teres chegado agora
    Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
    A magnólia cresce na terra que pisas - podes pensar
    Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
    Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
    Que a magnólia - e essa é a verdade - cresce sempre
    Apesar de nós.
    Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
    Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
    A flor que se abrir é já um pouco de ti, e a flor que te estendo,
    Mesmo que a recuses
    Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
    A colherei.

    A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
    E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão.

    Daniel Faria in Poesia

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