sábado, 26 de novembro de 2016

80 anos da Guerra Civil Espanhola

Este ano assinalou-se a passagem de oito décadas sobre o início da Guerra Civil Espanhola. Oitenta anos desde que começou um conflito ao estilo do século XX, que deixou um rasto de destruição no país vizinho, um número de mortos que ronda os dois milhões, sendo que muitos deles repousam ainda em valas comuns de onde nunca serão resgatados. Isso aconteceu aqui ao lado, no país onde vamos animadamente comprar caramelos como quem vai ao virar da esquina. Não aconteceu na outra ponta do mundo: foi mesmo aqui ao lado, o que torna ainda mais assustadoras as proporções que tomou e as consequências que teve. De um lado Republicanos, do outro Nacionalistas, ambos ajudados por forças estrangeiras, com muito “jogo sujo” pelo meio (ou não se tratasse de uma guerra...), o conflito durou três anos e acabou como todos sabemos: com a instauração do regime franquista que só chegou ao fim três anos depois da nossa própria revolução (o regime sobreviveu ainda à morte de Francisco Franco em 1975, mas acabou por chegar ao fim em 1977 após um referendo realizado no final do ano anterior). 

Pelo caminho, além dos muitos mortos e da dureza de uma vida em guerra, ficaram todos os que tiveram de aprender a conviver com o medo, com um regime totalitário que procurava que todos seguissem cegamente o “caudillo”, como se de um modelo de pai perfeito se tratasse. Ao mesmo tempo, nós por cá vivíamos também com um “paizinho” de vozinha fina que governava Portugal com mão de ferro e que, não criando no nosso território uma guerra civil como a espanhola, promoveu a terrível Guerra Colonial que nós, gerações mais jovens, não podemos sequer imaginar.

Quem viu as primeiras temporadas da série espanhola Cuentáme Cómo Pasó ficou com uma pálida ideia do medo que se enraizou em quem viveu a Guerra Civil Espanhola. Na série, a avó Hermínia repete várias vezes que as coisas parecem caminhar novamente para o “36”, referindo-se ao ano em que tudo começou, com a enorme violência com que começou, deixando cadáveres por todo o lado, igrejas queimadas, membros do clero assassinados... Enfim, a avó Hermínia deixa, pela breve referência, ideia do trauma que ficou em quem assistiu àquela luta feroz entre os que queriam que a República se mantivesse e que o Estado se separasse inequivocamente da religião católica e os outros, o que queriam uma Espanha religiosa e pouco liberal como lhe estaria no sangue (ou não fossem de lá os Reis Católicos que, se foram muito inovadores em algumas medidas, também foram altamente cruéis em nome da religião). 

Nessa mesma série, que chegará no próximo ano à décima oitava temporada, há uns episódios aos quais não se fica indiferente: aqueles em que o pai da família Alcántara descobre, numa vala comum, o cadáver do seu pai, fuzilado durante a Guerra Civil e identificado devido à particularidade de utilizar um olho de vidro. Tendo passado uma vida inteira a deixar flores numa campa com uma lápide com o nome do pai, percebe que afinal aquele homem jazia ainda no meio de um descampado, juntamente com outro corpo, vítima da mesma guerra. No fim, procura dar-lhe uma cerimónia fúnebre com a qual possa sentir-se em paz consigo mesmo, já que mais não poderá ter, uma vez que o pai foi fuzilado ainda durante a sua infância.

Séries como Cuéntame, de que já falei tanto neste blogue e que continuo a aconselhar vivamente, não só pelo entretenimento que proporciona, mas também e sobretudo pelo muito que nos ensina sobre o país vizinho, mas também livros como o Por Quem os Sinos Dobram, de Hemingway (que participou voluntariamente na Guerra Civil espanhola ao lado das Brigadas Internacionais), como Homenagem à Catalunha, de Orwell (também voluntário pelo lado republicano), quadros como a famosíssima Guernica, de Picasso, muitas e muitas fotografias do conflito, reportagens feitas durantes esta guerra (o próprio autor de O Principezinho, Antoine de Saint Exupéry terá estado como repórter em Madrid durante o conflito), são ainda hoje memória e testemunho do que se viveu aqui mesmo à nossa porta (e com a ajuda do nosso ditador ao ditador do lado). Mas se vos falo sobre isto hoje é porque acho que a História tem de ser recordada. Idealmente seria para não se repetir, embora essa ideia já seja mais frase batida que regra a concretizar, de tal modo caímos vezes e vezes sem conta nos mesmos erros. Nós, país pacato, andamos tão esquecidos de tudo que mal imaginamos a violência do que aconteceu há menos de cem anos em Espanha. Ora, o Courrier Internacional de Novembro trazia um especial sobre isso mesmo e era demasiado interessante para não vos falar dele. Se tiverem interesse em ler mais sobre este tema, corram aos quiosques porque penso que a edição de Dezembro já chegou às bancas, o que significa que a de Novembro já está a ser retirada. A outra opção é comprar o exemplar e lê-lo no tablet ou no computador. Além deste especial, a edição de Novembro trazia um enorme texto dedicado à administração Obama, aos seus altos e baixos. 

E se a curiosidade continuar, a Tinta da China publicou há uma década a Breve História da Guerra Civil Espanhola (livro que mantenho na minha lista de desejos para o Natal). Além disto, a bibliografia sobre esta guerra cujo início foi há oitenta anos é imensa. Dizer que é gigante chega a ser pouco. Além de livros de História, há imensos romances históricos, biografias (romanceadas ou não) e autobiografias sobre figuras da época. O próprio Jaume Cabré, que tanto elogiei devido ao romance Eu Confesso, tem um livro sobre as (e vou citar a página online da editora Tinta da China) “complexas histórias individuais que se ocultam por detrás da história da Guerra Civil de Espanha, cujas reminiscências perduraram ao longo de toda a transição do país para a democracia e que ainda  hoje se fazem sentir, marcando a memória colectiva espanhola”. O livro chama-se As Vozes do Rio Pamano

Enfim, ficam as sugestões. O século XX foi tão cheio de tudo (e o XXI parece querer seguir-lhe os passos) que chega a ser difícil estar a par de tudo o que aconteceu entre guerras mundiais, Guerra Civil espanhola, Guerra Fria, Guerra Colonial... Mas podemos sempre começar por uma ponta. E não esqueçamos que esta guerra espanhola tem ligações à Segunda Guerra Mundial (recorde-se que foram aviões da Alemanha de Hitler que bombardearam Guernica, em 1937, em apoio à causa nacionalista e a Francisco Franco). Assim, vale a pena saber mais sobre o tema e se o motivo for a data redonda que se assinala este ano, pois assim seja.







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